Cannabis medicinal: médica desvenda 10
mitos sobre seu uso
A cannabis medicinal
tem ganhado destaque nos últimos anos, mas ainda pairam muitas dúvidas e
preconceitos sobre seu uso, apesar do seu grande potencial para melhorar a
qualidade de vida de muitos pacientes.
Compreender os mitos e
verdades que cercam a planta é essencial para que mais pessoas possam se
beneficiar de seus efeitos positivos. O diálogo aberto e informado é
fundamental para desmistificar e promover o uso seguro e eficaz na medicina
brasileira.
Neste artigo, vamos
esclarecer alguns dos principais mitos e verdades sobre essa planta, que, uma
vez indicada por um profissional médico especializado, pode melhorar muito a
qualidade de vida de pacientes em vários contextos.
1. Cannabis é a mesma
coisa que maconha
Embora a cannabis e a
maconha sejam termos frequentemente usados como sinônimos, a cannabis se refere
à planta em geral, enquanto a maconha é uma de suas variedades, geralmente
associada ao uso recreativo. A cannabis medicinal é uma forma da planta que é
cultivada e processada especificamente para fins medicinais.
2. Cannabis medicinal
é apenas para quem tem doenças graves ou terminais
A cannabis é benéfica
para uma variedade de condições, não apenas para doenças graves e terminais. No
Brasil, ela é usada para tratar dores crônicas, ansiedade, epilepsia, esclerose
múltipla, depressão, sequelas de AVC, câncer e, até mesmo, efeitos colaterais
de tratamentos como a quimioterapia. Muitos pacientes encontram na substância
alívio em sintomas que impactam diretamente sua qualidade de vida.
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3. Usar cannabis
medicinal é perigoso
Quando usada sob
supervisão médica, a cannabis é segura e eficaz. No Brasil, médicos
prescritores, através de consultas médicas, podem orientar sobre dosagens e
formas de uso, minimizando os riscos. É fundamental que o paciente tenha
acompanhamento médico para garantir que a terapia seja adequada para suas
necessidades.
4. Cannabis é sempre
viciante
Embora algumas pessoas
possam desenvolver dependência, a maioria dos usuários de cannabis medicinal
não apresenta problemas relacionados ao vício. Estudos indicam que a taxa de
dependência é menor do que a observada em outras substâncias, como álcool, cigarros
e opioides.
5. Cannabis medicinal
não é eficaz
Há um crescente corpo
de evidências científicas que apoiam a eficácia da cannabis no tratamento de
diversas condições. Muitos pacientes relatam, em estudos publicados em
importantes revistas científicas, melhoras significativas em seus sintomas após
iniciar o uso de produtos à base de cannabis.
6. Usar cannabis
medicinal significa ficar “alto”
Nem todos os produtos
de cannabis causam efeitos psicoativos. Existem variedades que são baixas em
THC (o componente responsável pelo “alto”) e altas em CBD, que é conhecido por
suas propriedades terapêuticas sem os efeitos psicoativos. No Brasil, muitos
dos produtos disponíveis são focados no CBD.
7. Cannabis medicinal
é uma cura milagrosa para todas as doenças
Embora a cannabis
medicinal tenha mostrado resultados promissores no tratamento de várias
condições, não é uma cura milagrosa para todas as doenças. Como qualquer
tratamento médico, sua eficácia pode variar de pessoa para pessoa e depende da
condição específica sendo tratada. Médicos prescrevem cannabis medicinal como
parte de um plano de tratamento abrangente, muitas vezes em conjunto com outras
terapias e medicamentos.
8. Cannabis medicinal
legalizada levará automaticamente à legalização do uso recreativo
A regulamentação da
cannabis medicinal e a legalização do uso recreativo são questões distintas. No
Brasil, como em muitos outros países, a aprovação do uso medicinal não implica
necessariamente na liberação e ou legalização do uso recreativo. São debates
separados, com considerações legais, sociais e de saúde pública importantes,
porém diferentes.
9. Qualquer médico
pode prescrever cannabis medicinal
No Brasil, embora não
haja uma especialização requerida, os médicos precisam seguir as
regulamentações da ANVISA e do Conselho Federal de Medicina (CFM) para
prescrever produtos à base de cannabis. É necessário, portanto, buscar
treinamento adicional para se familiarizar com as indicações, dosagens e formas
de uso apropriadas, como qualquer medicamento.
10. Cannabis medicinal
é sempre coberta pelos planos de saúde no Brasil
A cobertura de
produtos à base de cannabis pelos planos de saúde no Brasil ainda é limitada.
Muitos pacientes precisam arcar com os custos do tratamento, que podem ser
significativos. Alguns pacientes têm conseguido cobertura através de decisões
judiciais, mas isso não é garantido para todos os casos.
Lembre-se de que o uso
deve ser sempre feito sob orientação médica e de acordo com as regulamentações
vigentes no país.
• Cannabis medicinal no autismo: entenda
indicações e potenciais benefícios
Desde que a cannabis
medicinal foi regulamentada no Brasil pela Agência Nacional de Saúde (Anvisa),
em 2015, ela vem sendo utilizada no tratamento de uma série de doenças, como
epilepsia refratária, Alzheimer, Parkinson e ansiedade. Nos últimos anos,
estudos têm analisado os potenciais efeitos benéficos da planta para o
tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O TEA é um conjunto de
distúrbios relacionados ao neurodesenvolvimento, que causam alterações na forma
como uma pessoa interage com o mundo e se expressa. Segundo os Centros de
Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma a cada 44 pessoas no mundo têm autismo,
atingindo de 1% a 2% da população mundial.
O transtorno pode se
manifestar de diferentes formas, cada pessoa com autismo tem características
únicas e, por isso, o distúrbio faz parte de um “espectro”. Além dos sintomas
mais conhecidos— como dificuldade de interação social, inflexibilidade a mudanças
de rotina e interesses fixos –, alguns indivíduos com TEA podem apresentar
insônia, convulsões, ansiedade, estresse, compulsões e obsessões.
É nesse cenário que o
uso da cannabis medicinal pode ser analisado e inserido, segundo Juliana
Bogado, médica especialista em canabinoides e coordenadora acadêmica da
EndoPure Academy, plataforma de educação para profissionais de saúde.
<><> O que
é cannabis medicinal?
A cannabis é uma
planta nativa do centro e do sul da Ásia e é chamada popularmente de maconha.
Existem três espécies de planta do gênero Cannabis: a sativa, a indica e a
ruderalis, sendo as duas primeiras as mais estudadas e conhecidas.
A cannabis medicinal é
um produto obtido através da extração dos canabinoides, substâncias presentes
na cannabis, que agem em vários lugares do corpo, incluindo o cérebro. Ao todo,
já foram identificados cerca de 120 canabinoides na Cannabis sativa, mas os
mais amplamente estudados são o canabidiol (CBD) e o tetraidrocanabinol (THC).
• CBD: é responsável pelo efeito relaxante
e, por isso, é muito utilizado na medicina e na farmacêutica como analgésico,
sedativo e anticonvulsivo;
• THC: está associado ao efeito de
“euforia” da cannabis e também pode ser utilizado de forma terapêutica, como
antidepressivo, estimulante de apetite e anticonvulsivo.
“A principal diferença
entre eles é o efeito euforizante: o THC é conhecido pela euforia consequente
do uso recreativo da cannabis, enquanto o CBD não tem efeito euforizante”,
explica Bogado. “Além disso, o CBD tem uma característica ansiolítica, enquanto
o THC é ansiogênico; o CBD pode inibir o apetite, podendo ser usado no
tratamento da obesidade, enquanto o THC tem efeito de aumentar o apetite,
podendo ser utilizado em pacientes com transtornos como anorexia”, acrescenta.
Atualmente, existem
três tipos de produtos à base de cannabis medicinal: o CBD isolado, o full
spectrum (inclui CBD, THC e outros canabinoides) e broad spectrum (tudo o que
há na cannabis, menos THC). Nas farmácias brasileiras, são encontrados o CBD
isolado e o full spectrum.
<><>
Regulamentação da cannabis medicinal
Em 2020, a Organização
das Nações Unidas (ONU) reconheceu as propriedades terapêuticas da cannabis e a
retirou da lista de substâncias perigosas. Diversas pesquisas clínicas atestam
a eficácia da planta para o tratamento de doenças como esclerose múltipla,
epilepsia, Parkinson, esquizofrenia, Alzheimer e dores crônicas.
No Brasil, a
importação de produtos derivados de cannabis para fins terapêuticos foi
aprovada em 2015 pela Anvisa. No mesmo ano, a agência removeu o THC da lista de
substâncias proibidas. Em 2019, a Anvisa regulamentou a venda de produtos
derivados de cannabis nas farmácias, a partir de receita preenchida e assinada
pelo médico.
Em 2023, os
medicamentos a base da planta passaram a ser distribuídos de forma gratuita
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado de São Paulo. Outras 24 unidades
federativas possuem leis em vigor ou em tramitação para garantir o fornecimento
do composto pelo SUS.
<><> Como
a cannabis medicinal poderia atuar no tratamento de autismo?
De acordo com Bogado,
a cannabis medicinal pode ser utilizada para aliviar sintomas associados ao
autismo, como ansiedade, dificuldade de interação social, insônia e
agressividade. “A maioria dos pacientes no transtorno do espectro autista é
ansiosa e, nesse caso, podem ser usados medicamentos com CBD. Outros pacientes
podem apresentar agressividade e conseguimos controlar isso com um pouco de
THC”, exemplifica a especialista.
Em 2018, um estudo
publicado na revista Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological
Psychiatry, reuniu dados pré-clínicos e clínicos disponíveis sobre a segurança
e eficácia da cannabis medicinal em pacientes jovens com TEA. A pesquisa
observou uma melhora na interação social, além de redução de sintomas como
insônia e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), porém, os
autores ressaltam que ainda faltam testes clínicos para atestar a segurança e
eficácia do tratamento.
Outro estudo,
publicado na Nature, acompanhou 188 pacientes com TEA tratados com cannabis
medicinal entre 2015 e 2017, e mostrou que 28 pacientes relataram uma melhora
significa nos sintomas do autismo. Os autores afirmaram que a cannabis “parece
ser uma opção bem tolerada, segura e eficaz para aliviar os sintomas associados
ao TEA”.
<><>
Quando a cannabis medicinal deve ser indicada para o autismo?
O neurologista
infantil e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, Erasmo
Casella, ressalta que a cannabis medicinal só deve ser usada em casos em que
medicações habituais para o tratamento de agressividade, irritabilidade,
eventuais alterações de sono, não trouxeram resultados eficazes.
Segundo o
especialista, ainda são poucos os estudos que evidenciam a eficácia e segurança
dos canabinoides no tratamento da TEA e, por isso, sua indicação médica deve
ser feita com cautela. “Deve ser considerado como exceção, quando as medicações
bem estabelecidas para diferentes sintomas não dão certo, e não como indicação
para todo mundo com TEA”.
Além disso, o tipo de
produto à base de cannabis medicinal a ser usado no tratamento do autismo vai
depender de cada caso. “São muitas variáveis e a escolha vai depender do quadro
de cada paciente. A definição é feita dentro do contexto terapêutico do paciente”,
afirma Bogado.
<><>
Desafios a serem enfrentados e avanços já conquistados
Para Casella, o
principal desafio a ser enfrentado para o uso da cannabis medicinal no
tratamento do autismo é a realização de mais estudos científicos do tipo
duplo-cego randomizado com evidências sólidas da eficácia e segurança da planta
para os pacientes. Nesse tipo de estudo, os participantes são designados,
aleatoriamente, a receberem cannabis medicinal ou placebo, de forma que nem
eles, nem os pesquisadores, saibam o que cada um recebeu.
“Nós já tivemos muitos
avanços desde a regulamentação da cannabis medicinal. No início, era algo muito
burocrático e pouco conhecido e havia muito preconceito tanto por parte dos
médicos quanto da sociedade no geral”, acrescenta Bogado. “Hoje em dia, as pessoas
já conhecem mais sobre a planta e os médicos estão mais abertos a essa terapia.
Porém, ainda há muitos médicos reticentes e que ainda buscam evidências
científicas mais bem embasadas”, afirma.
Fonte: CNN Brasil
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