As más notícias da vitória de Trump para
Lula, segundo Ian Bremmer
A vitória de Donald Trump na eleição americana traz dores de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o cientista político americano e fundador da
consultoria de risco Eurasia, Ian Bremmer.
A proximidade do
bilionário Elon Musk com Trump e suas críticas ao brasileiro poderão ter
influência negativa na relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos,
acredita Bremmer.
Trump também
sofrerá influência do ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao lidar em suas relações com o país.
"Existe uma
relação [de Trump] com Bolsonaro que continuou com visitas a Mar-A-Lago. Existe
uma 'anti-relação' de Elon Musk com o Supremo Tribunal Federal e a disputa envolvendo o X, que foi
suspenso por um tempo e multado. Essas duas coisas são más notícias para
Lula", disse Ian Bremmer, em resposta a pergunta da BBC News Brasil
durante coletiva de imprensa nesta quarta-feira (6/11).
A Eurasia está
presente em dezenas de países no mundo — inclusive no Brasil — e produz
relatórios sobre riscos de países para clientes dos setores público e privado.
"Claramente
haverá mais pontos negativos na relação bilateral, dado o histórico de Trump, a
experiência do Brasil em 8 de janeiro [de 2023], a experiência de Trump em 6 de
janeiro [de 2021] e os esforços dos brasileiros, sobretudo do Supremo, de impedir
que Bolsonaro possa concorrer de novo."
"Além disso há
diferenças sobre mudanças climáticas. Eu espero que quando Trump vá se
encontrar com Lula, Bolsonaro estará fazendo bastante barulho, como seu filho e
todas as pessoas a seu redor. E acho que Trump vai acabar minando a relação
bilateral entre Brasil e EUA. E Lula vai tentar manter tudo estável."
No entanto, Bremmer
aponta que há pessoas dentro dos governos de Brasil e EUA que poderão
estabelecer relações mais serenas e produtivas entre os dois países. No lado
brasileiro, ele cita o assessor especial da Presidência da República, Celso
Amorim.
"Nos bastidores,
Amorim será um interlocutor plausível com o secretário de Estado que for
apontado, ou com o Assessor para Segurança Nacional".
Bremmer acredita que o
mais cotado para assumir o cargo de secretário de Estado de Trump é Bill
Haggerty, senador republicano pelo Estado do Tennessee. Durante o primeiro
mandato de Trumo, Haggerty serviu como embaixador americano no Japão.
Haggerty é membro do
comitê de relações exteriores do Senado americano. Em fevereiro, ele escreveu
uma carta ao presidente Joe Biden criticando a falta de sanções do governo
americano contra Lula e o Brasil, entre outros governantes e governos latino
americanos.
"No Brasil, você
falhou em aplicar as sanções de não proliferação dos EUA quando o presidente
[Lula] da Silva permitiu que dois navios de guerra iranianos sancionados pelos
EUA atracassem no porto do Rio de Janeiro em fevereiro de 2023", escreveu.
No entanto, Bremmer
acredita que Haggerty é um político que "vai querer ter uma relação de
negócios com o Brasil".
Bremmer analisa que a
aproximação entre Musk e Trump pode ser maior do que apenas no campo político.
Ela poderia também extrapolar para o campo dos negócios. O cientista político
especula que o X, de Elon Musk, pode vir a comprar a rede social criada por
Trump, a Truth Social.
"Se isso
acontecer, o papel de Elon em promover a transformação da política externa em
memes contra indivíduos com quem ele tem problemas — como o primeiro-ministro
do Reino Unido [Keir Starmer], por exemplo, ou o presidente do Brasil ou juízes
do Supremo no Brasil, vai se tornar um braço importante de política externa do
governo Trump", afirma.
"Isso não existia
no primeiro mandato de Trump. Não havia esse ecossistema ou um segundo ator.
Agora existe isso, e acho que é importante considerarmos."
Apesar de todas essas
previsões, Bremmer não acredita que o Brasil estará entre as prioridades do
novo presidente.
"A América do Sul
e Latina — tirando o México — não é uma grande prioridade para Trump, tirando
os assuntos de imigração."
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Eleição legítima
Bremmer diz que não
ficou surpreso com a vitória de Trump — e que ela segue um padrão já observado
recentemente em pleitos no mundo, como no Reino Unido.
"Parte do que
estamos vendo é o fato de que estruturalmente ao redor do mundo existe
desconfiança com o establishment", diz Bremmer.
"Quase todas as
eleições recentes no mundo foram contra quem está no poder, mostrando que as
pessoas não estão contentes com seus líderes, com seu país e querem algo
diferente."
Ele prevê mudanças
semelhantes em eleições que ocorrerão em países como Japão, Alemanha e Canadá.
Para ele, a candidata
derrotada Kamala Harris não soube se distanciar do presidente Joe Biden — algo
que teria sido crucial para conquistar mais eleitores.
Bremmer também
ressalta que a legitimidade de Trump é incontestável diante da vitória
expressiva que teve, conquistando inclusive a maioria no voto popular.
Para ele, a magnitude
da vitória deve ser encarada dentro dos EUA e no mundo como um alinhamento da
população americana com as políticas propostas por Trump no comércio, assuntos
de segurança e temas sociais.
"Esta é uma
vitória esmagadora, não importa o que se diga. E isso significa que todos na
América têm que dizer: 'este é o nosso presidente dos Estados Unidos'."
A primeira grande
questão internacional envolvendo Trump, segundo Bremmer, será a guerra na
Ucrânia. Muitos acreditam que o republicano vai diminuir substancialmente seu
apoio militar ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky — fortalecendo a
Rússia, de Vladimir Putin.
Se isso acontecer,
Bremmer prevê uma reação dos países europeus da aliança militar Otan, que
cobram dos EUA uma liderança em favor da Ucrânia. Tudo isso, segundo o analista
da Eurasia, é uma amostra de como no segundo mandato de Trump haverá
"muito mais em jogo do que no primeiro".
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3 fatores que bolsonaristas celebram na
vitória de Donald Trump
A volta de Donald Trump à Casa Branca
como novo presidente americano, conforme apontam as projeções dos resultados,
deverá produzir efeitos políticos diretos no Brasil e no mundo, segundo
expoentes da direita bolsonaristas ouvidos pela BBC News Brasil.
Poucos dias antes
das eleições americanas,
realizada na terça-feira (5/11), na qual Trump derrotou a candidata democrata e
atual vice-presidente Kamala Harris, a reportagem conversou com Paulo
Figueiredo, ex-comentarista da Jovem Pan, e Ernesto Araújo, que chefiou o
Itamaraty no governo Bolsonaro.
Ambos se envolveram em
diferente intensidade a um esforço de brasileiros na campanha online pró-Trump
e atuam como uma interface entre representantes da direita do Brasil e dos
Estados Unidos, se consolidando como vozes influentes na diáspora brasileira em
território americano.
Araújo soma quase 900
mil seguidores em sua conta do X e, atualmente licenciado do Itamaraty, vende
cursos online de formação política à direita, que ele admite ter criado sob
“inspiração” do guru Olavo de Carvalho, morto há dois anos.
Já Figueiredo, cuja
conta na rede social X está atualmente bloqueada no Brasil por determinação do
Supremo Tribunal Federal, reúne 1,3 milhão de seguidores ali. Nos EUA, ele
consegue operar seu perfil normalmente, sem restrições legais.
Figueiredo é alvo de
investigação da Polícia Federal, que o acusa de ter participação na suposta
tentativa de golpe de Estado liderada por alguns expoentes do governo de
Bolsonaro depois da derrota eleitoral de 2022, o que ele nega.
Em diferentes graus,
Araújo e Figueiredo estão convencidos de que, no poder, Trump colocará em
evidência o ex-presidente Bolsonaro, levará o bolsonarismo a retomar seu foco
em uma agenda de direita radical, produzirá impactos no modo como o Brasil
combate às fake news e deverá aprofundar os intercâmbios políticos de
lideranças conservadoras de direita em âmbito global.
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Bolsonaro em evidência e mudança de atmosfera
Paulo Figueiredo
recorda que o ex-presidente Donald Trump tem "um enorme carinho
pessoal" por Bolsonaro e por seu filho, o deputado federal Eduardo
Bolsonaro. Ele acredita que essa proximidade vai derivar em uma maior e natural
atenção ao político brasileiro.
Os bolsonaristas não
estão sozinhos na avaliação. O ex-subsecretário do Departamento de Estado para
o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, que serviu também como embaixador dos
Estados Unidos no Brasil, vê na volta de Trump ao poder como o provável início
de um novo capítulo da recente história espelhada que Brasil e Estados
Unidostêm escrito.
Nos últimos dez anos,
os dois países viveram o desgaste dos políticos tradicionais, a ascensão ao
poder de modelos populistas de direita, a derrota nas urnas dos representantes
desse modelo (Trump e Bolsonaro), as contestações ao modelo democrático que culminaram
em ataques físicos às instituições pelos apoiadores desses líderes, como a
invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e a depredação da Praça dos Três
Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Trump reeleito, disse
Shannon, "deve ajudar Bolsonaro, porque mostra que é possível perder e
ainda assim voltar ao poder quatro anos depois”.
A questão é que, à
diferença de Trump, Bolsonaro está inelegível.
O ex-presidente, que
também é alvo de outras investigações no âmbito da Polícia Federal, não pode
concorrer a cargos eletivos até 2030.
Em sentença de junho
de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que ele cometeu abuso de
poder político e uso indevido dos meios de comunicação em uma reunião com
embaixadores durante a campanha de 2022 na qual atacou, sem provas, as urnas
eletrônicas.
Bolsonaro, no entanto,
refuta o veredito e tem dito que vai concorrer em 2026, sem explicar como. Para
que isso aconteça, ele teria que conseguir deixar sem efeito a punição do TSE.
Um dos caminhos seria
aprovar no Congresso um projeto de anistia para ele e envolvidos no ataque à
sede dos Três Poderes em janeiro de 2023.
A avaliação de
analistas, no entanto, é que Bolsonaro, ao mesmo tempo em que demonstrou força
nas eleições municipais nas grandes cidades, também amargou derrotas, o
que não faria a pauta de anistia tão forte no Congresso.
Tanto Figueiredo como
o ex-chanceler Araújo foram categóricos em dizer que Trump “não se envolveria
na política interna do Brasil” quando perguntados sobre como o governo do
republicano poderia influenciar a aprovação de um projeto de anistia.
Mas não descartam que
Trump seja capaz de promover uma mudança de atmosfera que faça as autoridades
brasileiras repensarem suas ações.
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Musk e expectativa de pressão sobre Lula e STF
“Elon Musk vai ter
influência no governo Trump, e o Brasil está no mapa mental do Musk, então eu
acho que ele vai influenciar a percepção sobre Brasil”, diz Ernesto Araújo.
No cálculo dos
bolsonaristas, o tamanho que se projeta que o bilionário dono da Tesla, do X e
da Space X, terá na futura administração é motivo de celebração.
“O grande tema do
momento no mundo é a liberdade de expressão, e o Musk vê o Brasil como uma das
principais frentes de batalha no assunto, por tudo o que aconteceu com o
X", segue Araújo.
"Então é alguém
que pode influenciar a administração do Trump em medidas que sejam, de certa
forma, mais críticas da ausência de liberdade de expressão no Brasil, mais
favoráveis a uma pressão.”
Como ex-chanceler do
Brasil, Araújo disse não querer “entrar tanto em especulação sobre essa coisa
de sanções”.
“Porque isso depende,
há coisas que são da alçada do Executivo, alguma investigação do Departamento
de Justiça, mas é preciso ver se essa mudança de entendimento ficará só na Casa
Branca, porque nem tudo depende só do presidente”, explica Araújo.
Como ministro das
Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Araújo empreendeu alinhamento total
do Brasil com a gestão Trump, mas não conseguiu aprovar um acordo de livre
comércio com os Estados Unidos, uma meta do então governo, travada no Congresso
americano.
Outro foco dos
bolsonaristas é um projeto de lei, introduzido em setembro no Congresso
americano, batizado de "No Censors on our Shores Act", ou algo como
"Ato Sem Censores em Nossa Área de Jurisdição".
Quem copatrocina o
projeto é o deputado Chris Smith, que prevê a cassação de vistos ou mesmo a
deportação de “qualquer autoridade estrangeira envolvida em atos de censura”
contra cidadãos americanos que, se estivessem nos EUA, violariam a primeira
emenda da Constituição (que garante liberdade de expressão).
Tanto Figueiredo como
Ernesto Araújo admitem que o alvo da lei são os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF).
“O projeto já está
pronto para ser votado agora depois das eleições, a gente vai trabalhar para
que seja votado ainda por essa legislatura na Câmara [de maioria republicana] e
na próxima legislatura pelo Senado [que será de maioria republicana]", afirma
Figueiredo.
"Não só os
ministros ficariam impedidos de entrar nos Estados Unidos, mas também os
delegados da Polícia Federal, juízes auxiliares, outras figuras que certamente
a gente tem trabalhado para identificar. E aí a gente vai depender da sanção
presidencial”, segue ele, para quem Trump exercerá pressão sobre a base
republicana em prol do projeto de lei.
“É um otimismo
informado”, acrescenta.
Um segundo projeto de
lei, que prevê a proibição de que agências governamentais americanas financiem
ações ou deem assistência com dinheiro público a entidades estrangeiras que
"promovam censura" de entes americanos, poderia seguir o mesmo caminho
legislativo. O texto foi igualmente criado pensando em punir o Brasil pelo caso
com o X.
Já Ernesto Araújo se
mostra menos seguro de um caminho legislativo tão certo para as medidas e tenta
também reduzir expectativas: “Não é que o Trump vai invadir o Brasil, precisa
ver a estratégia que eles terão para o país, que instrumentos táticos estarão
disponíveis, mas eu não espero nada dramático”.
O ex-chanceler aposta
que Trump poderia exercer algum protecionismo econômico e constranger empresas
brasileiras ao abrir investigações por corrupção via Departamento de Justiça,
como aconteceu com a Lava Jato. Ou mesmo focar em empresas chinesas atuando no
Brasil.
O republicano tem
prometido distribuir tarifas a produtos importados pelos EUA, o que também
poderia afetar o Brasil.
Em setembro, no auge
da batalha judicial com o STF, Elon Musk tuitou: ''Espero que Lula goste de voo
comercial. A menos que o governo brasileiro devolva os bens ilegalmente
apreendidos do X e da SpaceX, buscaremos a apreensão recíproca dos ativos do
governo também''.
“Se o Brasil continuar
violando os acordos internacionais do qual é signatário, como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, se o Brasil continuar nessa flagrante violação
[do direito à liberdade de expressão], pode ser que leve a administração Trump
ao ponto de, se necessário, aplicar sanções diretamente ao Brasil”, opina
Figueiredo.
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Internacional de direita e volta ao bolsonarismo-raiz
Ernesto Araújo e, em
menor grau, Paulo Figueiredo, expressaram certa expectativa de que o retorno de
Trump ao poder leve Bolsonaro a retomar uma agenda mais ideológica e
programática em direção à direita radical.
“Se o Trump vier com
determinadas políticas que seriam semelhantes provavelmente às do mandato
anterior, isso nos anima no Brasil, quem acredita nessas políticas de ideário
conservador, até porque mostra que há viabilidade eleitoral nelas”, diz Araújo.
Para ele, “o
bolsonarismo se aproximou do centrão, não o centrão que se aproximou do
bolsonarismo", afirma.
"Mas o exemplo de
Trump, que volta ao poder sem ter se aliado a um Valdemar [da Costa Neto,
presidente do PL], faz também ressurgir programas e discussões que estavam
enterradas”.
Trump foi capaz de
colonizar completamente o Partido Republicano, enquanto que Bolsonaro falhou em
criar o seu Aliança Brasil e acabou abrigado na legenda de Valdemar. “Eu acho
um erro”, diz Figueiredo.
“Nos EUA, foi a
liderança que absorveu o partido, no Brasil foi o contrário”, critica Araújo,
que diz que a emergência do ex-coach e empresário Pablo Marçal, candidato
derrotado nas eleições de São Paulo, é exemplo da "demanda que existe por
um líder populista de direita".
Ernesto Araújo, que
atualmente trabalha na assessoria internacional do partido de direita radical
espanhol Vox, diz esperar que a chegada de Trump ao poder possa fortalecer a
articulação de lideranças conservadoras em âmbito global.
A volta de Trump
poderia, na visão do ex-chanceler, impulsionar o Foro de Madrid, uma espécie de
internacional dos ideários conservadores e anticomunistas criada em 2020.
Araújo se entusiasma
com as ideias de gestão que Elon Musk possa trazer para o grupo e imagina que
os países possam replicar as estratégias de rede do bilionário.
O ex-chanceler
brasileiro também tem a expectativa de que a chegada de Trump ao poder gere uma
injeção de dólares no intercâmbio internacional deste campo político.
Fariam parte desta
rede húngaros ligados ao governo de Viktor Orban, italianos do grupo da premiê
Georgia Meloni, poloneses ligados ao presidente do país Andrzej Dudah, além de
latinos dos movimentos de Javier Milei, na Argentina, e José Antônio Kast, no
Chile.
Fonte: BBC News Brasil
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