quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Eleição de Trump pode fortalecer (ou não) a extrema direita no Brasil

Nenhuma disputa eleitoral é acompanhada com tanta atenção pelo mundo como a pela Casa Branca. O cargo de presidente dos Estados Unidos tem grande poder político, econômico e militar, e suas decisões provocam efeitos muito além de suas fronteiras.

Segundo projeções divulgadas pela imprensa americana nesta quarta-feira (06/11), o republicano Donald Trump derrotou sua rival democrata Kamala Harris ao superar a marca de 270 votos no Colégio Eleitoral dos Estados Unidos. Dessa forma, o republicano será novamente presidente dos Estados Unidos.

Para o Brasil, o impacto de uma vitória de Trump deve ser significativo: fortalecimento da extrema direita, redução de financiamento e parcerias na área ambiental, entraves comerciais e pressão sobre a parceria com a China são alguns dos efeitos mencionados por especialistas ouvidos pela DW.

A vitória do republicano foi comemorada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. "Contra tudo e contra todos, Donald Trump voltará à Presidência da República dos Estados Unidos da América para completar sua missão: restaurar a grandeza de sua nação, proteger os interesses de seu povo e trabalhar por um mundo mais livre e com mais paz e tranquilidade", escreveu nas redes sociais.

O ex-presidente também publicou um vídeo em apoio a Trump dois antes das eleições. Usando um boné com o slogan da campanha do então candidato republicano, Bolsonaro chamou Trump de o "maior líder conservador da atualidade".

De acordo com a cientista política Maria Hermínia Tavares, professora aposentada da USP e pesquisadora sênior do Cebrap, a eleição de Trump fortalece a posição da extrema direita ao redor do mundo, inclusive a do Brasil.

"Uma vitória do Trump vai diminuir ainda mais a capacidade de democracias liberais de fazerem frente a uma ascensão de regimes autoritários e de movimentos de extrema direita", afirma. "Existe uma influência clara e uma linguagem comum nesses movimentos, e uma vitória do Trump fortalece a extrema direita no Brasil, que já é forte."

O sucesso de Trump em 2024 trará ainda um vento de esperança para o bolsonarismo em 2026, acrescenta Roberto Goulart Menezes, professor de relações internacionais da UnB e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

"Há um vínculo claro do núcleo duro do bolsonarismo com a extrema direita dos Estados Unidos. Se ele assumir a Casa Branca, essa rede se consolida mais", diz, citando as articulações de Eduardo Bolsonaro com o trumpismo e lembrando que ele chegou a ser cogitado por Bolsonaro para ser embaixador do Brasil no país.

<><> Parcerias sobre mudanças climáticas

Atualmente um ponto de convergência entre os atuais governos do Brasil e dos EUA é a defesa do meio ambiente. As gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden firmaram parecerias para iniciativas climáticas, e a Casa Branca anunciou um plano de doar 500 milhões de dólares para o Fundo Amazônia ao longo de cinco anos – dos quais 53 milhões já foram transferidos.

O valor total anunciado pelos EUA é superior ao que Noruega, Alemanha e Petrobras doaram ao Fundo Amazônia ao longo de 14 anos, diz Menezes. Com Trump na Presidência, a tendência é de desmobilização dessas parcerias na área ambiental. "O Trump tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris", lembra.

Os dois atuais governos também avançaram em negociações sobre a economia verde, buscando alinhar objetivos do Green New Deal de Biden aos do Plano de Transformação Ecológica de Lula. Até agora, porém, pouco de concreto já foi anunciado – como investimentos americanos para extrair minerais críticos.

"Para o Brasil, essa cooperação na área ambiental é muito importante tanto no que diz respeito a recursos como a parcerias técnicas e científicas", afirma Tavares. Com a vitória de Trump, ela projeta que essas ações serão paralisadas. "O Trump não é só muito nacionalista e isolacionista, mas também negacionista do ponto de vista ambiental."

<><> Comércio exterior

Os EUA são o segundo maior destino das exportações brasileiras. Em 2023, o país comprou 37 bilhões de dólares do Brasil, só atrás da China, que comprou 104 bilhões de dólares no mesmo período, segundo dados do Comex Stat.

O perfil de exportação para os dois países também é diferente. Enquanto para a China predomina a venda de commodities, para os Estados Unidos também são vendidos produtos semimanufaturados ou manufaturados, diz Menezes.

Entre as dez categorias de itens mais exportados para a China, todas são commodities agrícolas ou minerais, enquanto no mesmo ranking para os EUA constam também máquinas e aparelhos, aeronaves e produtos químicos. No entanto, a relação comercial com a China é superavitária para o Brasil, e com os EUA é deficitária.

No quesito investimento direto no Brasil, os americanos lideram, com um estoque de 246,3 bilhões de dólares em 2022, cerca de um quarto do total, segundo estudo da Apex Brasil divulgado neste ano, quando as relações comerciais entre os dois países completaram 200 anos.

"Os EUA não estão implicados diretamente no processo de desindustrialização da economia brasileira, como é o caso da China", diz Menezes. Mesmo assim, a Casa Branca não tem em vista nenhum projeto ou acordo comercial mais ambicioso para o Brasil ou a América Latina, e isso não deve mudar. "Não somos um espaço de primeira ordem para os EUA", afirma.

No entanto, Trump prometeu na campanha aumentar linearmente em 10 pontos percentuais as tarifas de importação. Para Tavares, se o acesso de produtos brasileiros ao mercado americano for dificultado, a tendência é o Brasil desviar uma parcela ainda maior de seu comércio exterior para a Ásia.

<><> Proximidade entre Brasil e China

Por sinal, a relação do Brasil com a China é outro ponto que pode ser foco de tensões com a vitória de Trump. Washington considera Pequim uma adversária, e vem adotando políticas comerciais e regulatórias agressivas para tentar conter a expansão da potência asiática.

Enquanto isso, a relação entre Brasil e China se aprofunda. O país se tornou o maior parceiro comercial do Brasil em 2009 e consolidou-se nessa posição. Os dois são membros do Brics, e Pequim vem tentando convencer Brasília a integrar seu programa de desenvolvimento da infraestrutura global, a Iniciativa do Cinturão e Rota.

Sob Trump, um eventual endurecimento dos EUA sobre o tema tende a empurrar o Brasil ainda mais na direção da China. "A esquerda brasileira já tem uma tradição de um certo antiamericanismo, e uma vitória do Trump vai fortalecer esses setores, que dirão: 'vamos para o Brics, são mais importantes que outras coalizões internacionais'. Não acho que isso seja necessariamente bom".

Menezes também avalia que um governo Trump tenderá a pressionar com mais agressividade Brasília para que repense sua relação com Pequim. Ele cita como exemplo a decisão de a Casa Branca "advertir" em outubro passado o Peru sobre a concessão de obras de infraestrutura aos chineses em seu território, das quais a joia é o novo porto ultramarino de Chancay. O porto será inaugurado em novembro com a presença do presidente chinês, Xi Jinping, que em seguida visitará o Brasil e se reunirá com Lula.

¨      Lindbergh: “Trump venceu nos EUA; extrema direita sai fortalecida no mundo e na América Latina"

“Trump venceu nos EUA. A extrema direita sai fortalecida no mundo e na América Latina. Derrotá-los passa por defender a democracia como instrumento de superação das nossas gritantes desigualdades. Não faremos isso sem enfrentar o programa neoliberal que quer retirar direitos dos mais pobres. O momento nos exige coragem e ousadia para mudar a vida do povo de forma consistente!”, disse o deputado federal Lindbergh Farias no X, nesta quarta-feira (6).

<><> Saiba mais

Quatro anos após tentar se manter no poder sob alegações infundadas de fraude eleitoral e impulsionado por um movimento que culminou na invasão do Capitólio, Donald John Trump, 78, foi eleito presidente dos Estados Unidos, tornando-se o candidato mais velho a assumir o cargo. Segundo a Folha de S. Paulo, Trump foi declarado oficialmente vencedor na manhã desta quarta-feira (6), ao alcançar 276 votos no Colégio Eleitoral. Essa marca, além de assegurar seu retorno à Casa Branca, representou uma guinada à direita na política americana.

“Um mandato sem precedentes” foi como Trump definiu o resultado da eleição em seu pronunciamento durante a madrugada, na Flórida, enquanto observava a contagem de votos. Em uma virada expressiva, ele também conquistou o voto popular, com 68 milhões de votos, ultrapassando os 62,9 milhões obtidos pela vice-presidente Kamala Harris, que concorreu pelo Partido Democrata. Este feito marcou a primeira vez que um republicano conquista a maioria do voto popular desde a eleição de George W. Bush, em 2004.

Em um cenário de alta polarização, Trump ampliou sua base entre eleitores negros e latinos, resultado de uma estratégia que visou atrair jovens homens desses grupos demográficos, especialmente na Flórida, onde, pela primeira vez, o condado de Miami-Dade voltou-se para os republicanos. Até mesmo em Nova York, tradicional reduto democrata, o republicano demonstrou um avanço em relação às últimas eleições. O retorno de Trump ao cenário político foi ainda fortalecido pela recuperação do controle do Senado pelos republicanos, que garantiram 51 das 100 cadeiras, um golpe adicional ao Partido Democrata.

Sua vitória representa uma reviravolta histórica, especialmente após o episódio do ataque ao Capitólio em 2021, quando apoiadores, incitados por Trump, tentaram impedir a ratificação da vitória de Joe Biden. Além disso, o ex-presidente enfrentou processos judiciais sem precedentes, incluindo condenações por acusações criminais, algo nunca visto na história dos EUA. Mesmo com tais controvérsias, a resiliência política de Trump o coloca ao lado de Grover Cleveland, único presidente americano a governar em dois mandatos não consecutivos (1885-1889 e 1893-1897). Trump será lembrado, assim, como o 45º e também o 47º presidente dos Estados Unidos.

¨      Gleisi: vitória de Trump é alerta contra o receituário neoliberal

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos acendeu um sinal de alerta entre lideranças progressistas e democráticas ao redor do mundo. No Brasil, a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), destacou a importância de compreender o momento como um aviso sobre os riscos da extrema direita. "A eleição de Trump é um sinal de alerta para o campo democrático no mundo todo. A polarização se mantém como uma realidade e temos de nos preparar para enfrentá-la também aqui no Brasil, onde a extrema direita já se assanha com o resultado", afirmou Gleisi, ao defender uma atuação robusta em defesa da democracia.

Após uma campanha marcada por pautas populistas e polarizadoras, Trump, aos 78 anos, conseguiu retomar o poder ao conquistar 276 votos no Colégio Eleitoral. Em seu primeiro pronunciamento, o republicano destacou que este será um "mandato sem precedentes", posicionando-se como uma liderança central no campo conservador.

A vitória de Trump também representa um marco no voto popular, onde conquistou 68 milhões de votos, superando a democrata Kamala Harris. O feito é particularmente significativo para os republicanos, pois desde 2004 nenhum candidato do partido havia vencido na votação direta. Este resultado ainda trouxe à tona o fortalecimento do Partido Republicano no Senado, que garantiu a maioria das cadeiras, impondo mais um revés aos democratas.

Para Gleisi Hoffmann, o resultado nos EUA reafirma a urgência de fortalecimento do campo democrático no Brasil, especialmente em meio ao avanço de movimentos de direita que buscam alinhar-se ao modelo político e econômico norte-americano. Segundo Gleisi, a "receita neoliberal" não atende às necessidades reais da população. "Temos de fortalecer o campo da democracia em nosso país, mas principalmente dar respostas concretas às necessidade e expectativas do povo, que não cabem na receita neoliberal que o mercado quer impor ao governo e ao país", pontuou.

No campo econômico, Trump usou a insatisfação popular com a inflação e a crise econômica enfrentadas durante o governo Biden para atrair eleitores. Prometeu a maior deportação em massa da história dos Estados Unidos e cortes de impostos, políticas que visam acalmar os anseios de setores conservadores e da classe média americana.

O contexto americano oferece ao Brasil um espelho das tendências globais. A ascensão de líderes populistas reforça o alerta para os defensores da democracia no país, especialmente em um cenário onde o discurso neoliberal tenta se fortalecer em meio a promessas de austeridade e reformas estruturais. Para Gleisi, a resposta à vitória de Trump não deve ser apenas defensiva, mas sim voltada ao fortalecimento de políticas que atendam às necessidades sociais de forma inclusiva e democrática.

¨      Títulos argentinos disparam com perspectiva de relação positiva entre Milei e Trump

Os títulos argentinos em dólar saltavam no início das negociações desta quarta-feira e o índice de risco do país caía de forma acentuada, com investidores animados com a perspectiva de laços mais estreitos entre o presidente da Argentina, Javier Milei, e o recém-eleito aliado dos Estados Unidos, Donald Trump.

Os títulos listados no exterior avançaram no início das negociações, enquanto o risco país, uma medida do prêmio que os investidores exigem para manter os títulos locais em comparação com a dívida equivalente dos EUA, caiu para pouco mais de 880 pontos-base, o menor valor em cinco anos.

Os mercados argentinos já estão em um momento positivo sob o regime de austeridade pró-mercado de Milei, um economista e ex-comentarista de TV que compartilha algumas das mesmas políticas e a energia impetuosa de showman de Trump, que venceu a eleição presidencial dos EUA na terça-feira.

Nas ruas de Buenos Aires, muitos viram a vitória de Trump como positiva para a economia do país sul-americano.

Milei, que fez campanha com uma motosserra como símbolo de seus planos de cortes de gastos e frequentemente canta músicas de rock, foi chamado de "El Loco" -- o louco. Ele tem se tornado um ícone global da direita e se aproximado de Trump e de aliados como Elon Musk.

"Parece-me que eles vão se dar bem", disse Micaela Saracero, de 29 anos, moradora de Buenos Aires, referindo-se a Milei e Trump. "Em termos econômicos, isso pode ter um grande impacto na Argentina se eles se derem bem enquanto duas pessoas loucas."

Damian Roux, um jovem de 23 anos de Buenos Aires, concordou que a vitória de Trump foi positiva para a Argentina.

"Acho que o relacionamento com Milei vai ser bom, porque Milei tem bons laços com Trump e espero que isso favoreça a Argentina, que é o que eu mais quero", disse ele.

Os laços estreitos podem ajudar no programa de empréstimo de 44 bilhões de dólares da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em meio à expectativa de que um novo programa seja discutido no próximo ano. Os Estados Unidos têm o maior poder de voto na instituição.

Entretanto, analistas advertiram que a vitória de Trump pode levar a uma deterioração da âncora cambial da Argentina, algo que Milei fortaleceu após anos de queda da moeda.

"Os argentinos ainda não perceberam, mas uma vitória de Trump (que significaria tarifas dos EUA sobre a China e outros países) exercerá uma enorme pressão depreciativa sobre o peso", disse o Goldman Sachs em um relatório.

 

Fonte: DW Brasil/Brasil 247/Ansa/Reuters

 

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