quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Liberdade de imprensa sofre ameaças em sete de cada dez países do mundo

Com a saída de Jair Bolsonaro do governo, cujo mandato foi marcado por forte hostilidade contra jornalistas, o Brasil subiu 18 posições no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa 2023, compilado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) que analisa o quadro em 180 países e territórios.

 O levantamento mostra que a situação da liberdade de imprensa é “muito grave” em 31 países, “difícil” em 42, “problemática” em 55, e “boa” ou “relativamente boa” em 52 países. Ou seja, as condições para o exercício do jornalismo são ruins em sete de cada dez países, frisa o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.

Pelo sétimo ano consecutivo, a Noruega aparece no topo de lista dos países onde a liberdade de imprensa é respeitada. Seguem a Irlanda, a Dinamarca, os Países Baixos. Na parte inferior da tabela constam o Vietnã (lugar 178), a China (179) e Coreia do Norte (180). A China é descrita como a “maior prisão para jornalistas do mundo e uma das principais potências exportadoras de conteúdo de propaganda”.

 A edição do Ranking deste ano destaca os efeitos fulminantes da indústria de conteúdos falsos no ecossistema digital sobre a liberdade de imprensa. Em 118 países, o levantamento apurou o envolvimento de atores políticos em seus países, envolvidos em campanhas massivas de desinformação ou propaganda de maneira regular ou sistemática.

“A diferença entre verdadeiro e falso, real e artificial, fatos e artefatos é tênue, pondo em risco o direito à informação. Capacidades de manipulação sem precedentes são usadas para enfraquecer aqueles que personificam o jornalismo de qualidade, ao mesmo tempo em que enfraquecem o próprio jornalismo”, relata o texto. As plataformas “são areia movediça para o jornalismo”.

RSF alerta que “a quinta versão da Midjourney, uma IA que gera imagens de altíssima definição, está alimentando as redes sociais com falsificações cada vez mais plausíveis e indetectáveis, como mostram as fotografias incrivelmente realistas de uma prisão brutal de Donald Trump, ou de Julian Assange em estado vegetativo, vestindo uma camisa de força, que viralizaram”.

 Esta foi a 21ª edição do Ranking, divulgado a cada ano por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, 3 de maio.

¨      Também nos EUA, imprensa sofre hostilidade política

“A situação econômica dos meios de comunicação social é desastrosa, as autoridades governamentais não respondem aos obstáculos ao jornalismo quando os líderes locais são cada vez mais hostis  para com os profissionais da informação”, denuncia Clayton Weimers, diretor da RSF.

Outro dado: de 1º de setembro da 24 de outubro o candidato republicano à presidência da república, Donald Trump, insultou, atacou ou ameaçou os meios de comunicação social pelo menos 108 vezes em discursos ou observações pública, número que não inclui mensagens nas redes sociais.

Na avaliação de Weimers, a falta de confiança nos meios de comunicação social, um crescente sentimento de insegurança entre jornalistas e as hostilidades de políticos são fatores que contribuíram  para que os Estados Unidos aparecessem em 55º lugar entre 180 países no último ranking da liberdade de imprensa a RSF.

A ONG internacional instou os candidatos que disputam a presidência do país, Donald Trump e Kamala Harris, a adotarem medidas que fortaleçam a liberdade de imprensa e reposicionar os Estados Unidos entre os 180 países no ranking mundial.

¨      Brasil sobe dez pontos no ranking da liberdade de imprensa

“Os Estados e as forças políticas, independentemente de suas tendências políticas, desempenham cada vez menos um papel na proteção da liberdade de imprensa”, fator que muitas vezes caminha de mãos dadas com o “questionamento do papel dos jornalistas, ou mesmo a instrumentalização dos meios de comunicação em campanhas de assédio ou desinformação”, expressa a RSF.

O estudo lembra que 2024 é o maior ano eleitoral da história no mundo, e períodos eleitorais, via-de-regra, são acompanhados de violência contra jornalistas.

As forças políticas, analisa Anne Bocandé, diretora editorial da RSF, “desempenham regularmente o papel de canais de disseminação, ou mesmo de instigadoras de campanhas de desinformação”. É o que se verificou em mais de três quartos (138) países avaliados pelo ranking. Em 31 países, campanhas de propaganda ou desinformação foi qualificado como “sistemático”.

Dinamarca, Suécia e Irlanda são os países que lideram o ranking no indicador político, os que mais respeitam a liberdade de imprensa. Na ponta de baixo, China, Vietnã e Coréia do Norte cederam suas posições para o Afeganistão, a Síria e a Eritréia. Jornalistas que se expressam nas redes sociais no Vietnã são quase que sistematicamente presos. A China detém o título de ter em prisão o maior número de jornalistas do mundo.

Num total de 180 países analisados, o Brasil está em 82º segundo lugar, subindo dez posições depois da queda nas eleições do governo Bolsonaro. “A retórica agressiva adotada durante quatro anos pelo governo Jair Bolsonaro para com os jornalistas e os meios de comunicação contribuiu para aumentar a hostilidade e a desconfiança na sociedade. O Brasil continua muito polarizado e os ataques contra a imprensa, que se tornaram comuns nas redes sociais, abriram caminho para práticas recorrentes de agressões físicas contra jornalistas, especialmente durante as eleições de 2022 e durante os motins de 8 de janeiro de 2023, em Brasília”, diz o relatório da RSF.

governo Lula, destaca o relatório, “traz de volta uma normalização das relações entre as organizações estatais e a imprensa, após o mandato de Jair Bolsonaro marcado por uma hostilidade permanente ao jornalismo”. Contudo, aponta o relatório da RSF, “os desafios e obstáculos para garantir um ecossistema de informação livre, plural e confiável ainda são numerosos. O país carece de uma política robusta para proteger os jornalistas, uma prioridade quando se considera a história de violência contra a imprensa”.

 

¨      Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2024: jornalismo sob pressão política

Em escala global, uma coisa é clara: a liberdade de imprensa está ameaçada pelas mesmas pessoas que deveriam ser os seus garantidores: as autoridades políticas. Entre os cinco indicadores que compõem a pontuação dos países, o indicador político foi o que mais caiu em 2024, com queda global de 7,6 pontos. É o que revela esta nova edição do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa elaborado pela Repórteres sem Fronteiras (RSF).

<><> Os Estados não conseguem proteger o jornalismo

Um número crescente de governos e autoridades políticas não cumpre o seu papel de garantidores de um arcabouço exemplar para o exercício do jornalismo e do direito do público à informação confiável, independente e plural. A RSF observa uma deterioração preocupante no apoio e respeito à autonomia dos meios de comunicação e um aumento na pressão exercida pelo Estado ou por outros intervenientes políticos.

Com mais da metade da população mundial comparecendo às urnas em 2024, a RSF alerta para um vasto fenômeno revelado pelo Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa de 2024: a queda do indicador político, um dos cinco do ranking. Os Estados e as forças políticas, independentemente de suas tendências políticas, desempenham cada vez menos um papel na proteção da liberdade de imprensa. Essa falta de responsabilização às vezes caminha de mãos dadas com um questionamento do papel dos jornalistas, ou mesmo a instrumentalização dos meios de comunicação em campanhas de assédio ou desinformação. O jornalismo digno desse nome é, ao contrário, um pré-requisito para um sistema democrático e para o exercício das liberdades políticas. - Anne Bocandé, Diretora Editorial da RSF

Em âmbito internacional, este ano é notável por uma clara falta de vontade política por parte da comunidade internacional para fazer cumprir os princípios de proteção dos jornalistas, especialmente a Resolução 2222 do Conselho de Segurança da ONU. A guerra em Gaza tem sido marcada por um número recorde de abusos cometidos contra jornalistas e meios de comunicação desde outubro de 2023: mais de 100 repórteres palestinos foram mortos pelo exército israelense, incluindo pelo menos 22 no exercício das suas funções. Neste Ranking RSF de 2024, a Palestina (157º), ocupada e sob bombardeios israelenses, tornou-se um dos dez últimos países do mundo em termos de segurança para jornalistas (Acesse a classificação de segurança do Ranking da Liberdade de Imprensa de 2024).

<><> Jornalismo contra a desinformação em ano eleitoral

Embora 2024 seja o maior ano eleitoral da história mundial, 2023 também foi o momento de eleições decisivas, especialmente na América Latina, com a chegada ao poder de predadores assumidos da liberdade de imprensa e da pluralidade de informação, como Javier Milei na Argentina (66º, - 26 posições), que, num preocupante ato simbólico, fechou a maior agência de notícias do país.  

Os períodos eleitorais são regularmente acompanhados de violência contra jornalistas, como na Nigéria (112º) e na República Democrática do Congo (123º). Quanto às juntas que tomaram o poder no Sahel, sobretudo no Níger (80º, -19 posições), em Burkina Faso (86º, -28 posições) e no Mali (114º, -1 posição), elas continuam a reforçar o seu controle sobre os meios de comunicação e a dificultar o trabalho dos jornalistas. A reeleição do partido de Recep Tayyip Erdogan na Turquia gera preocupações: o país, no 158.º lugar, continua a perder pontos no Ranking.

No arsenal da desinformação para fins políticos, o uso de IA generativa num contexto de não regulamentação é preocupante. As deepfakes ocupam agora uma posição de liderança na influência do curso de uma eleição. Como evidenciado pelo deepfake em áudio do qual a jornalista Monika Todova foi vítima durante as eleições legislativas na Eslováquia (29º, -12 posições), um dos primeiros casos documentados desse tipo de ataque a um jornalista com o objetivo de influenciar uma eleição democrática. 

Muitos dos governos em vigor exercem um controle mais forte sobre as redes sociais e a Internet: restringem o acesso, bloqueiam contas ou eliminam mensagens informativas. Os jornalistas que se expressam nas redes sociais no Vietnã (174.º) são quase sistematicamente presos. Na China (172.º), além de prender o maior número de jornalistas do mundo, o governo continua a exercer um controle rigoroso sobre os canais de notícias, implementando políticas de censura e vigilância para regular os conteúdos online e limitar a divulgação de informações consideradas sensíveis ou contrárias à narrativa do partido.

Certos grupos políticos alimentam o ódio e a desconfiança em relação aos jornalistas, insultando-os, desacreditando-os ou ameaçando-os. Outros operam uma tomada de controle do ecossistema midiático, sejam meios de comunicação públicos, que passaram a estar sob o seu controle, ou privados, através da aquisições por empresários amigos. A Itália de Giorgia Meloni (46.º), onde um deputado da maioria tenta adquirir a segunda agência de notícias do país (AGI), perdeu cinco posições este ano.

As forças políticas desempenham regularmente o papel de canais de disseminação, ou mesmo de instigadoras de campanhas de desinformação.  Em mais de três quartos dos países do mundo avaliados pelo Ranking (138 países), a maioria daqueles que responderam ao questionário relatam o envolvimento regular de intervenientes políticos no seu país em campanhas de propaganda ou desinformação. Um envolvimento qualificado como "sistemático" em 31 países. 

Na Europa Oriental e na Ásia Central, a censura aos meios de comunicação se intensificou, numa imitação espetacular das ações de repressão russas, seja na Bielorrússia (167.º, -10 posições), na Geórgia (103º), no Quirguistão (120º) ou no Azerbaijão (164º, -13 posições).  A influência se propagou até a Sérvia (98º, -7 posições), onde os meios de comunicação pró-governamentais disseminam propaganda russa e onde as autoridades ameaçam jornalistas russos exilados. A Rússia (162º), onde, sem surpresa, Vladimir Putin foi reeleito em 2024, continua a travar uma guerra na Ucrânia (61º), impactando consideravelmente o ecossistema midiático e a segurança dos jornalistas.

<><> Os piores e os melhores!

O declínio geral do indicador político também afeta os três primeiros colocados neste Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa. A Noruega, que permanece em primeiro lugar, teve sua pontuação reduzida nesta área, e a Irlanda (8.º), onde a intimidação judicial por parte de grupos políticos atinge os meios de comunicação, perdeu sua posição de liderança na União Europeia para a Dinamarca (2.º), seguida pela Suécia (3º).

No final do ranking, países asiáticos como ChinaVietnã e Coreia do Norte dão lugar a três países que viram o seu indicador político despencar: Afeganistão (-44 posições no quesito político), que continua a reprimir o jornalismo desde o regresso ao poder dos talibãs; Síria (-8 posições em política) e Eritreia (última classificação geral e última classificação em política, -9 posições) – dois países que se tornaram zonas sem lei para os meios de comunicação, com um número recorde de jornalistas detidos, desaparecidos ou reféns.

<><> O Ranking por regiões

A região Magreb – Oriente Médio é onde a situação é mais grave no Ranking da liberdade de imprensa 2024. Em seguida, vem a região Ásia-Pacífico, onde o jornalismo está sufocando sob o peso de regimes autoritários. Na África, ainda que menos de 10% da área esteja numa situação “muito grave”, quase metade dos países está numa situação “difícil”.

Os países onde a liberdade de imprensa está em boa forma permanecem todos localizados na Europa, mais precisamente dentro da União Europeia (UE) – que adotou a primeira legislação sobre a liberdade dos meios de comunicação (EMFA). A Irlanda não está mais entre os três primeiros, dando lugar à Suécia, e a Alemanha está agora entre os dez primeiros países do Ranking. No entanto, a liberdade de imprensa é colocada à prova pelas maiorias no poder na Hungria, em Malta e na Grécia – o último trio da UE. Mais à leste da Europa, as condições para o exercício do jornalismo estão se deteriorando diante da escala da desinformação e da censura aos meios de comunicação, sob falsas acusações de minar a segurança nacional ou de terrorismo. Este é o caso da Rússia (162º), da Bielorrússia (167º) e do Turcomenistão (175º), enquanto na Geórgia (103º, -26 posições) o partido no poder cultiva uma aproximação com Moscou. Devido à melhoria do seu indicador de segurança – menos jornalistas mortos – e político, a Ucrânia (61º) recuperou 18 posições.

Na região das Américas, a incapacidade dos jornalistas de cobrirem assuntos relacionados com o crime organizado, a corrupção ou o meio ambiente, por receio de represálias, é um problema grave. A porcentagem de países numa situação “relativamente boa” (amarelo) caiu drasticamente, de cerca de 36% em 2023 para 21% em 2024. Uma das maiores potências econômicas do mundo, os Estados Unidos perdeu dez posições. Em quase todos os países sul-americanos a situação da liberdade de imprensa é agora “problemática”. Uma deterioração que pode ser explicada, sobretudo, pela chegada ao poder de predadores da liberdade de imprensa , como Javier Milei, e pela incapacidade dos governos em conter a violência contra os jornalistas. O México continua a ser o país em situação de paz mais perigoso para os profissionais da comunicação, com 37 jornalistas mortos desde 2019.

África Subsaariana foi muito afetada em 2023 pela violência política durante grandes eventos eleitorais. Mais de 8% dos países africanos estão agora na situação "grave", o dobro de 2023. A Nigéria, o Togo e Madagascar foram atingidos por ondas de repressão aos jornalistas. A região é marcada pela deterioração da segurança em vários países do Sahel – NígerBurkina Faso e Mali

Na zona Ásia-Pacífico – a segunda região do mundo onde o exercício do jornalismo é mais difícil –, cinco países estão entre os dez mais perigosos do mundo para a profissão: Birmânia (171º), China (172º), Coreia do Norte (177º), Vietnã (174º) e Afeganistão (178º). Mas, diferente do ano passado, nenhum país da região está entre os quinze primeiros do Ranking.

No Oriente Médio e Norte da África, quase um em cada dois países está numa situação “grave”. Os Emirados Árabes Unidos juntaram-se aos outros 8 países da zona vermelha do mapa: IêmenArábia SauditaIrãPalestinaIraqueBahreinSíria e Egito. A Palestina, ocupada e bombardeada pelo exército israelense, o país mais letal para os jornalistas, também aparece entre os últimos lugares do Ranking. O Catar é agora o único país da região que não se encontra numa situação “difícil” ou “ grave”.

Em todas as regiões do mundo, as próximas eleições prevêem uma pressão muito forte sobre os jornalistas.

 

Fonte: Por Edelberto Behs em IHU/Repórter Sem Fronteiras

 

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