Liberdade de imprensa sofre ameaças em sete
de cada dez países do mundo
Com a saída de Jair Bolsonaro do governo, cujo mandato foi marcado por forte hostilidade
contra jornalistas, o Brasil subiu
18 posições no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa 2023,
compilado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) que analisa o
quadro em 180 países e territórios.
O levantamento
mostra que a situação da liberdade de imprensa é “muito grave” em 31 países, “difícil” em 42, “problemática” em 55, e “boa”
ou “relativamente boa” em 52 países. Ou seja, as condições para o exercício do
jornalismo são ruins em sete de cada dez países, frisa o secretário-geral
da RSF, Christophe Deloire.
Pelo sétimo ano
consecutivo, a Noruega aparece no topo de lista dos países onde a
liberdade de imprensa é respeitada. Seguem a Irlanda, a Dinamarca,
os Países Baixos. Na parte inferior da tabela constam
o Vietnã (lugar 178), a China (179) e Coreia do
Norte (180). A China é descrita como a “maior prisão para jornalistas do
mundo e uma das principais potências exportadoras de conteúdo de propaganda”.
A edição do
Ranking deste ano destaca os efeitos fulminantes da indústria de conteúdos
falsos no ecossistema digital sobre a liberdade de imprensa. Em 118 países, o
levantamento apurou o envolvimento de atores políticos em seus países,
envolvidos em campanhas massivas de desinformação ou propaganda de maneira
regular ou sistemática.
“A diferença entre
verdadeiro e falso, real e artificial, fatos e artefatos é tênue, pondo em
risco o direito à informação. Capacidades de manipulação sem precedentes são
usadas para enfraquecer aqueles que personificam o jornalismo de
qualidade, ao mesmo tempo em que enfraquecem o próprio jornalismo”, relata o
texto. As plataformas “são areia movediça para o jornalismo”.
RSF alerta que “a
quinta versão da Midjourney, uma IA que gera imagens de altíssima definição,
está alimentando as redes sociais com
falsificações cada vez mais plausíveis e
indetectáveis, como mostram as fotografias incrivelmente realistas de uma
prisão brutal de Donald Trump, ou de Julian Assange em estado vegetativo,
vestindo uma camisa de força, que viralizaram”.
Esta foi a 21ª
edição do Ranking, divulgado a cada ano por ocasião do Dia Mundial da
Liberdade de Imprensa, 3 de maio.
¨ Também nos EUA, imprensa sofre hostilidade política
“A situação econômica
dos meios de comunicação social é desastrosa, as autoridades
governamentais não respondem aos obstáculos ao jornalismo quando os
líderes locais são cada vez mais hostis para com os profissionais da
informação”, denuncia Clayton Weimers, diretor da RSF.
Outro dado: de 1º de
setembro da 24 de outubro o candidato republicano à presidência da
república, Donald Trump, insultou, atacou ou ameaçou os meios de comunicação social pelo menos 108 vezes em discursos ou observações pública,
número que não inclui mensagens nas redes sociais.
Na avaliação
de Weimers, a falta de confiança nos meios de
comunicação social, um crescente sentimento de insegurança entre
jornalistas e as hostilidades de políticos são fatores que
contribuíram para que os Estados Unidos aparecessem em 55º lugar
entre 180 países no último ranking da liberdade de
imprensa a RSF.
A ONG
internacional instou os candidatos que disputam a presidência
do país, Donald Trump e Kamala Harris, a adotarem medidas
que fortaleçam a liberdade de imprensa e reposicionar os Estados
Unidos entre os 180 países no ranking mundial.
¨ Brasil sobe dez pontos no ranking da liberdade de imprensa
“Os Estados e as
forças políticas, independentemente de suas tendências políticas, desempenham
cada vez menos um papel na proteção da liberdade de imprensa”, fator que muitas vezes caminha de mãos dadas com o
“questionamento do papel dos jornalistas, ou mesmo a instrumentalização dos
meios de comunicação em campanhas de assédio ou desinformação”, expressa
a RSF.
O estudo lembra que
2024 é o maior ano eleitoral da história no mundo, e períodos eleitorais,
via-de-regra, são acompanhados de violência contra jornalistas.
As forças políticas,
analisa Anne Bocandé, diretora editorial da RSF, “desempenham
regularmente o papel de canais de disseminação, ou mesmo de instigadoras de
campanhas de desinformação”. É o que se verificou em mais de três quartos (138)
países avaliados pelo ranking. Em 31 países, campanhas de propaganda ou
desinformação foi qualificado como “sistemático”.
Dinamarca, Suécia e Irlanda são
os países que lideram o ranking no indicador político, os que mais respeitam a
liberdade de imprensa. Na ponta de
baixo, China, Vietnã e Coréia do Norte cederam suas
posições para o Afeganistão, a Síria e a Eritréia.
Jornalistas que se expressam nas redes sociais no Vietnã são quase
que sistematicamente presos. A China detém o título de ter em prisão
o maior número de jornalistas do mundo.
Num total de 180
países analisados, o Brasil está em 82º segundo lugar, subindo dez
posições depois da queda nas eleições do governo Bolsonaro. “A retórica agressiva adotada durante quatro anos pelo
governo Jair Bolsonaro para com os jornalistas e os meios de
comunicação contribuiu para aumentar a hostilidade e a desconfiança na
sociedade. O Brasil continua muito polarizado e os ataques contra a
imprensa, que se tornaram comuns nas redes sociais, abriram caminho para
práticas recorrentes de agressões físicas contra jornalistas, especialmente
durante as eleições de 2022 e durante os motins de 8 de janeiro de 2023, em
Brasília”, diz o relatório da RSF.
O governo Lula, destaca o relatório, “traz de volta uma normalização das
relações entre as organizações estatais e a imprensa, após o mandato
de Jair Bolsonaro marcado por uma hostilidade permanente ao
jornalismo”. Contudo, aponta o relatório da RSF, “os desafios e obstáculos para
garantir um ecossistema de informação livre, plural e confiável ainda são
numerosos. O país carece de uma política robusta para proteger os jornalistas,
uma prioridade quando se considera a história de violência contra a imprensa”.
¨
Ranking Mundial da
Liberdade de Imprensa 2024: jornalismo sob pressão política
Em escala global, uma
coisa é clara: a liberdade de imprensa está ameaçada pelas mesmas pessoas que
deveriam ser os seus garantidores: as autoridades políticas. Entre os cinco
indicadores que compõem a pontuação dos países, o indicador político foi o que
mais caiu em 2024, com queda global de 7,6 pontos. É o que revela esta nova
edição do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa elaborado pela Repórteres
sem Fronteiras (RSF).
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Os Estados não conseguem proteger o jornalismo
Um número crescente de
governos e autoridades políticas não cumpre o seu papel de garantidores de um
arcabouço exemplar para o exercício do jornalismo e do direito do público à
informação confiável, independente e plural. A RSF observa uma deterioração
preocupante no apoio e respeito à autonomia dos meios de comunicação e um
aumento na pressão exercida pelo Estado ou por outros intervenientes políticos.
Com mais
da metade da população mundial comparecendo às urnas em 2024, a RSF alerta para
um vasto fenômeno revelado pelo Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa de
2024: a queda do indicador político, um dos cinco do ranking. Os Estados e as
forças políticas, independentemente de suas tendências políticas, desempenham
cada vez menos um papel na proteção da liberdade de imprensa. Essa falta de
responsabilização às vezes caminha de mãos dadas com um questionamento do papel
dos jornalistas, ou mesmo a instrumentalização dos meios de comunicação em
campanhas de assédio ou desinformação. O jornalismo digno desse nome é, ao
contrário, um pré-requisito para um sistema democrático e para o exercício das
liberdades políticas. - Anne Bocandé, Diretora Editorial da RSF
Em âmbito
internacional, este ano é notável por uma clara falta de vontade política por
parte da comunidade internacional para fazer cumprir os princípios de proteção
dos jornalistas, especialmente a Resolução 2222 do Conselho de Segurança da
ONU. A guerra em Gaza tem sido marcada por um número recorde de abusos
cometidos contra jornalistas e meios de comunicação desde outubro de 2023: mais
de 100 repórteres palestinos foram mortos pelo exército israelense, incluindo
pelo menos 22 no exercício das suas funções. Neste Ranking RSF de 2024, a Palestina (157º), ocupada e sob bombardeios israelenses, tornou-se
um dos dez últimos países do mundo em termos de segurança para jornalistas (Acesse
a classificação de segurança do Ranking da Liberdade de Imprensa de 2024).
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Jornalismo contra a desinformação em ano eleitoral
Embora 2024 seja o
maior ano eleitoral da história mundial, 2023 também foi o momento de eleições
decisivas, especialmente na América Latina, com a chegada ao poder de
predadores assumidos da liberdade de imprensa e da pluralidade de informação,
como Javier Milei na Argentina (66º, - 26
posições), que, num preocupante ato simbólico, fechou a maior agência de
notícias do país.
Os períodos eleitorais
são regularmente acompanhados de violência contra jornalistas, como na Nigéria (112º) e na República Democrática do Congo (123º).
Quanto às juntas que tomaram o poder no Sahel, sobretudo no Níger (80º, -19 posições), em Burkina
Faso (86º, -28 posições) e no Mali (114º, -1 posição), elas continuam a reforçar o seu
controle sobre os meios de comunicação e a dificultar o trabalho dos
jornalistas. A reeleição do partido de Recep Tayyip Erdogan na Turquia gera preocupações: o país, no 158.º lugar, continua a
perder pontos no Ranking.
No arsenal da
desinformação para fins políticos, o uso de IA generativa num contexto de não
regulamentação é preocupante. As deepfakes ocupam agora uma
posição de liderança na influência do curso de uma eleição. Como evidenciado
pelo deepfake em áudio do qual a jornalista Monika Todova foi
vítima durante as eleições legislativas na Eslováquia (29º, -12 posições), um dos primeiros casos documentados
desse tipo de ataque a um jornalista com o objetivo de influenciar uma eleição
democrática.
Muitos dos governos em
vigor exercem um controle mais forte sobre as redes sociais e a Internet:
restringem o acesso, bloqueiam contas ou eliminam mensagens informativas. Os
jornalistas que se expressam nas redes sociais no Vietnã (174.º) são quase sistematicamente presos. Na China (172.º), além de prender o maior número de jornalistas do
mundo, o governo continua a exercer um controle rigoroso sobre os canais de
notícias, implementando políticas de censura e vigilância para regular os
conteúdos online e limitar a divulgação de informações consideradas sensíveis
ou contrárias à narrativa do partido.
Certos grupos
políticos alimentam o ódio e a desconfiança em relação aos jornalistas,
insultando-os, desacreditando-os ou ameaçando-os. Outros operam uma tomada de
controle do ecossistema midiático, sejam meios de comunicação públicos, que
passaram a estar sob o seu controle, ou privados, através da aquisições
por empresários amigos. A Itália de Giorgia Meloni (46.º), onde um deputado da maioria
tenta adquirir a segunda agência de notícias do país (AGI), perdeu cinco
posições este ano.
As forças políticas
desempenham regularmente o papel de canais de disseminação, ou mesmo de
instigadoras de campanhas de desinformação. Em mais de três quartos dos
países do mundo avaliados pelo Ranking (138 países), a maioria daqueles que
responderam ao questionário relatam o envolvimento regular de intervenientes
políticos no seu país em campanhas de propaganda ou desinformação. Um
envolvimento qualificado como "sistemático" em 31
países.
Na Europa Oriental e
na Ásia Central, a censura aos meios de comunicação se intensificou, numa
imitação espetacular das ações de repressão russas, seja na Bielorrússia (167.º, -10 posições), na Geórgia (103º), no Quirguistão (120º) ou no Azerbaijão (164º, -13 posições). A influência se propagou até
a Sérvia (98º, -7 posições), onde os meios de
comunicação pró-governamentais disseminam propaganda russa
e onde as autoridades ameaçam jornalistas
russos exilados. A Rússia (162º), onde, sem surpresa, Vladimir
Putin foi reeleito em 2024, continua a travar uma guerra na Ucrânia (61º), impactando consideravelmente o ecossistema
midiático e a segurança dos jornalistas.
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Os piores e os melhores!
O declínio geral do
indicador político também afeta os três primeiros colocados neste Ranking
Mundial da Liberdade de Imprensa. A Noruega, que permanece em primeiro lugar,
teve sua pontuação reduzida nesta área, e a Irlanda (8.º), onde a intimidação judicial por parte de grupos
políticos atinge os meios de comunicação, perdeu sua posição de liderança na
União Europeia para a Dinamarca (2.º), seguida
pela Suécia (3º).
No final do ranking,
países asiáticos como China, Vietnã e Coreia do
Norte dão lugar a três países que viram o
seu indicador político despencar: Afeganistão (-44 posições no quesito político), que continua a
reprimir o jornalismo desde o regresso ao poder dos talibãs; Síria (-8 posições em política) e Eritreia (última classificação geral e última classificação em
política, -9 posições) – dois países que se tornaram zonas sem lei para os
meios de comunicação, com um número recorde de jornalistas detidos,
desaparecidos ou reféns.
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O Ranking por regiões
A região Magreb
– Oriente Médio é onde a situação é mais grave
no Ranking da liberdade de imprensa 2024. Em seguida, vem a região Ásia-Pacífico,
onde o jornalismo está sufocando sob o peso de regimes autoritários. Na África,
ainda que menos de 10% da área esteja numa situação “muito grave”, quase metade
dos países está numa situação “difícil”.
Os países onde a
liberdade de imprensa está em boa forma permanecem todos
localizados na Europa, mais precisamente dentro da União Europeia (UE) – que adotou a
primeira legislação sobre a liberdade dos meios de comunicação (EMFA). A Irlanda não está mais entre os três primeiros, dando lugar à Suécia, e a Alemanha está agora entre
os dez primeiros países do Ranking. No entanto, a liberdade de imprensa é
colocada à prova pelas maiorias no poder na Hungria, em Malta e na Grécia – o último trio da UE. Mais à leste da Europa, as
condições para o exercício do jornalismo estão se deteriorando diante da escala
da desinformação e da censura aos meios de comunicação, sob falsas acusações de
minar a segurança nacional ou de terrorismo. Este é o caso da Rússia (162º), da Bielorrússia (167º) e do Turcomenistão (175º), enquanto na Geórgia (103º, -26 posições) o partido no poder cultiva uma
aproximação com Moscou. Devido à melhoria do
seu indicador de segurança – menos jornalistas mortos – e político, a Ucrânia (61º) recuperou 18 posições.
Na região das Américas, a incapacidade dos jornalistas de cobrirem assuntos
relacionados com o crime organizado, a corrupção ou o meio ambiente, por receio
de represálias, é um problema grave. A porcentagem de países numa situação
“relativamente boa” (amarelo) caiu drasticamente, de cerca de 36% em 2023 para
21% em 2024. Uma das maiores potências econômicas do mundo, os Estados
Unidos perdeu dez posições. Em quase todos
os países sul-americanos a situação da liberdade de imprensa é agora
“problemática”. Uma deterioração que pode ser explicada, sobretudo, pela
chegada ao poder de predadores da liberdade de imprensa , como Javier Milei, e
pela incapacidade dos governos em conter a violência contra os jornalistas.
O México continua a ser o país em situação de
paz mais perigoso para os profissionais da comunicação, com 37 jornalistas
mortos desde 2019.
A África
Subsaariana foi muito afetada em 2023 pela
violência política durante grandes eventos eleitorais. Mais de 8% dos países
africanos estão agora na situação "grave", o dobro de 2023. A Nigéria, o Togo e Madagascar foram atingidos por ondas de repressão aos jornalistas. A
região é marcada pela deterioração da segurança em vários países do Sahel
– Níger, Burkina
Faso e Mali.
Na zona Ásia-Pacífico – a
segunda região do mundo onde o exercício do jornalismo é mais difícil –, cinco
países estão entre os dez mais perigosos do mundo para a profissão: Birmânia (171º), China (172º), Coreia do
Norte (177º), Vietnã (174º) e Afeganistão (178º). Mas, diferente do ano passado, nenhum país da
região está entre os quinze primeiros do Ranking.
No Oriente
Médio e Norte da África, quase um em cada
dois países está numa situação “grave”. Os Emirados Árabes Unidos juntaram-se
aos outros 8 países da zona vermelha do mapa: Iêmen, Arábia
Saudita, Irã, Palestina, Iraque, Bahrein, Síria e Egito. A Palestina, ocupada e bombardeada pelo
exército israelense, o país mais letal para os jornalistas, também aparece
entre os últimos lugares do Ranking. O Catar é agora o único país da região que
não se encontra numa situação “difícil” ou “ grave”.
Em todas as regiões do
mundo, as próximas eleições prevêem uma pressão muito forte sobre os
jornalistas.
Fonte: Por Edelberto
Behs em IHU/Repórter Sem Fronteiras
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