“É um problema nosso”: especialista em
manguezais fala sobre a importância de preservá-los
Ainda criança, Mário
Soares explorou pela primeira vez um manguezal em Guaratiba, Rio de Janeiro,
lugar que permaneceu importante ao longo de sua vida. Após graduar-se em
Oceanografia e realizar uma pesquisa sobre uma espécie de caranguejo de
manguezal na Baía de Sepetiba, Soares decidiu mudar seu foco para a ecologia de
ecossistemas. Durante seu doutorado na Universidade de São Paulo, ele retornou
a Guaratiba para estudar os manguezais da região e, mais tarde, serviu como
chefe da Reserva Biológica de Guaratiba.
Hoje, com mais de 30
anos de pesquisa em manguezais, Soares é professor no departamento de
Oceanografia Biológica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
coordena o Núcleo de Estudos em Manguezais (Nema), onde conduziu pesquisas
pioneiras no Brasil sobre o impacto das mudanças climáticas sobre os manguezais
e seu papel no sequestro de carbono.
No Nema, ele adota uma
abordagem transdisciplinar na pesquisa dos manguezais, colaborando com áreas
como oceanografia química, geografia, ciência política e antropologia. Seu
trabalho busca produzir ciência aplicada, colaborando com gestores ambientais. Nos
últimos 15 anos, também investiga conflitos socioambientais em diversos
contextos no Brasil.
Soares conversou
recentemente com a Mongabay em uma chamada de vídeo. A seguinte entrevista foi
editada para maior concisão e clareza.
LEIA A ENTREVISTA:
• Qual a importância dos manguezais na
mitigação das mudanças climáticas?
Mário Soares: A
importância [dos manguezais] não é apenas na mitigação. Quando a gente fala de
mitigação pelos manguezais, a gente acaba falando muito em termos de sequestro
de carbono — que eles aprisionam muito carbono —, mas essa é uma das formas de
eles mitigarem. A outra forma é reduzir a vulnerabilidade das zonas costeiras.
Essa é uma das críticas que eu faço à questão do carbono. A gente acaba
generalizando o manguezal como um aprisionador de carbono, quando, na verdade,
ele tem diversas funções.
Por exemplo, eles
funcionam como protetores contra tempestades. A gente sabe que as áreas da zona
costeira que estão associadas aos manguezais são muito mais protegidas, mais
resilientes e menos vulneráveis a tempestades e a eventos extremos, que são algumas
das consequências das mudanças climáticas. Eles também são como uma mata
ciliar, funcionando como uma esponja e reduzindo a probabilidade ou os efeitos
de inundações na zona costeira.
Ainda há outras
funções relacionadas à redução da vulnerabilidade. Por exemplo, pelo fato de
propiciarem diversos serviços às comunidades que os exploram para pesca, os
manguezais fornecem bens e serviços fundamentais para manter essas pessoas
menos vulneráveis em cenários de escassez.
• E como as mudanças climáticas podem
impactar os manguezais?
Como ele é um sistema
natural, também é vulnerável às mudanças climáticas. Então, o que eu sempre
falo é que tem um ciclo que se retroalimenta: para que os manguezais possam
exercer o papel deles na redução da vulnerabilidade e na mitigação, a gente
precisa ajudá-los a ter a sua própria vulnerabilidade reduzida. Ou seja, se a
gente não trabalhar para que eles se perpetuem, o papel deles na redução de
vulnerabilidade vai ser perdido.
Então, a gente tem que
reduzir a vulnerabilidade deles para que eles reduzam a vulnerabilidade da zona
costeira. A gente está falando de um sistema de florestas na região que a gente
chama de entremarés — entre a maré baixa e a maré alta. Então, a primeira coisa
que a gente vê é que ele vai sofrer principalmente com a elevação do nível do
mar; se o nível do mar subir rapidamente, ou eles se afogam ou eles se adaptam.
Uma das formas de eles se adaptarem é se reposicionar na zona costeira, como se
o sistema todo migrasse conforme o nível do mar vai subindo.
Isso tem ocorrido, e a
gente monitora a floresta de mangue com esse objetivo há 25 anos. Tem uma área
no Rio de Janeiro, na Reserva Biológica de Guaratiba, que não era um manguezal
há 25 anos e hoje é uma floresta de mangue; era uma área atrás do manguezal. Só
que, para isso acontecer, você precisa ter um planejamento de ocupação da zona
costeira em longo prazo. Não adianta construir uma estrada, uma cidade ou uma
indústria atrás, porque o manguezal não vai conseguir se adaptar. Então, a
gente tem que deixar essas áreas “reservadas” para que eles possam se acomodar
e aí a gente poder se beneficiar da existência deles.
E, da mesma forma que
ele protege a zona costeira de eventos extremos, ele é vulnerável a esses
eventos. Em áreas com furacões e tempestades, os manguezais muitas vezes são
destruídos, mas isso não quer dizer que eles não possam se recuperar. E, ao ser
destruído, na verdade, ele está dando a vida pela zona costeira, porque ele
amortece o efeito da tempestade, que encontra uma barreira e não bate de frente
com o que está atrás dos manguezais.
Pode haver um impacto
por alteração nas características climáticas em termos de distribuição e
intensidade de chuvas. Como uma floresta, ele precisa de água doce e uma dessas
fontes é a chuva. O clima pode ficar mais úmido, o que pode ser bom, mas ele pode
ficar mais seco, árido e mais quente. Então, ele também vai sofrer o impacto
dessas mudanças em termos de precipitação, de temperatura, de disponibilidade
de água doce nesta região.
• Um dos principais argumentos usados em
favor da conservação dos manguezais é ressaltar sua alta capacidade de retenção
de carbono. Quais poderiam ser as limitações e problemas dessa abordagem?
A primeira coisa que a
gente tem que ter clareza é que a gente está submetendo o sistema à lógica do
mercado. Eu me lembro que, quando comecei a estudar manguezais, o carbono era
carbono. Hoje, você abre o computador e encontra na internet várias cotações do
carbono. Ou seja, a gente está querendo resolver um problema aplicando a lógica
que criou o problema — a lógica do mercado — e ninguém resolve um problema
aplicando a mesma lógica que o criou.
A segunda questão é
que o mercado de carbono não ataca o problema; ele ataca o sintoma. Ou seja,
você não reduz as emissões. Na verdade, o que a gente tem visto é o aumento das
emissões, e o que acontece é que, de certa forma, você está dando uma autorização
para a manutenção de emissões a serem compensadas pelo sequestro em outro
sistema.
E com essa moda, houve
uma correria nos últimos editais de pessoas procurando áreas para plantar
mangue. Inclusive, eu tenho visto projetos de plantio de mangue em áreas que
não eram manguezais. Porque virou uma febre, virou um negócio e uma
possibilidade de projeção para o governo, para ONGs, pesquisadores e empresas.
Ou seja, é visibilidade, prestígio e acesso a recursos.
Além disso, eu tenho
observado um crescente assédio sobre as comunidades tradicionais. Ou seja,
comunidades sendo assediadas por empresas, ONGs, empresas de plantio de
florestas, empresas de crédito de carbono, de certificação. E alguns desses
projetos não respeitam o modo de vida dessas comunidades.
Por outro lado,
plantar sempre é bom, mas essa não é a solução do problema. Por isso, no policy
briefing [da COP 28, publicado em 2023] a gente fala que, antes de plantar, a
gente tem que reduzir as emissões. Mas a recuperação de áreas que devem ser
recuperadas sempre é bem-vinda.
Os manguezais do
Brasil, por mais que tenham tido redução histórica em algumas áreas, 80% estão
em unidades de conservação, então a gente precisa protegê-los.
No meu ponto de vista,
o fato do manguezal ter uma alta quantidade de carbono quando comparado a
outros sistemas, mostra a importância da conservação dos manguezais. A gente
tem um sistema com uma grande quantidade de carbono; se a gente destroi esse
sistema, essa quantidade de carbono é colocada para a atmosfera. Então, o foco
é nas emissões evitadas. A gente tem que mostrar que é importante ter recurso e
financiamento para conservação dos sistemas ou para recuperar os que têm que
ser recuperados.
• Atualmente, quais são as principais
ameaças aos manguezais e às comunidades que dependem desses ecossistemas?
Quando a gente fala de
comunidades associadas aos manguezais, normalmente, a gente fala de comunidades
tradicionais e de uma enorme diversidade de grupos, porque os manguezais
ocorrem no Brasil desde Laguna, em Santa Catarina, até Oiapoque, no Amapá. Uma
comunidade tradicional que vive no Pará é totalmente diferente de uma
comunidade tradicional que vive em Laguna. Você tem desde os caiçaras no Sul e
no Sudeste até quilombolas, povos originários das regiões costeiras,
ribeirinhos e um monte de gente que vive associada aos manguezais.
Mas os manguezais não
estão beneficiando só essas comunidades; eles estão beneficiando a gente
também. Quando eles sequestram carbono, estão sequestrando para todo mundo;
quando eles protegem a linha de costa, estão protegendo não só a comunidade
tradicional, mas também a cidade próxima. E quando alguém pesca, pesca não só
para subsistência, mas para você também, que come o peixe.
Muita gente diz: “isso
não é meu problema”. É um problema nosso, tanto é que, quando você destrói um
sistema natural como a Caatinga ou o manguezal, e a comunidade que depende dele
passa a ficar vulnerável, essa comunidade pode migrar e se tornar uma subsociedade
dentro de um centro urbano próximo, afetando você indiretamente, ou ela pode
ser atendida por programas sociais que saem dos nossos impostos. Então, diz
respeito a todos nós.
Então, quando a gente
fala de ameaça a essas comunidades, estou falando das grandes ameaças aos
manguezais do Brasil: expansão urbana — e aí todo o litoral brasileiro sofre
disso — esgoto, lixo, exploração de petróleo. E, quando eu falo de exploração
de petróleo, estou falando de toda a cadeia do petróleo, desde a exploração e o
transporte (seja por navio, seja por dutos) até a manipulação e o refino. A
gente já teve acidentes com navio, com plataforma e com duto. Então, esse é um
problema generalizado.
Quando eu falo de
expansão urbana, a gente pode incluir também o setor de turismo nesta conta. E
no Nordeste a gente tem um problema extremamente sério, que é a exploração e
destruição de manguezais para a implantação de fazendas para a criação de
camarão marinho, o que chamamos de carcinicultura. É o mesmo problema que a
gente observa no interior do Brasil, porque é um estilo de agronegócio que não
só destrói o ambiente, mas também cria fortes conflitos socioambientais. A
gente tem trabalhado muito com essas pessoas desde a década de 90. É um setor
problemático, porque tem um forte lobby; é um setor de concentração de terra e
que gera conflitos socioambientais.
Ou seja, são diversos
problemas que afetam os manguezais, porque a gente está falando de um ambiente
que ocorre na zona costeira, que é uma área valorizada para a ocupação de
empreendimentos turísticos e, muitas vezes, também é a mesma área onde você vai
ter cidades, grandes centros urbanos, portos e polos industriais, porque o
manguezal ocorre em áreas abrigadas — em lagoas, baías e desembocaduras.
• Como o Nema envolve as comunidades
locais na resolução de problemas ambientais?
A gente tem trabalhado
muito com as comunidades, não só na produção de conhecimento, mas no apoio a
algumas lutas. Um exemplo bastante emblemático para entender é o derramamento
de óleo na costa do Nordeste em 2019. O governo não se mostrou nem um pouco sensibilizado
para enfrentar o problema. Então, o enfrentamento estava sendo feito pelas
populações tradicionais, pelos moradores, pelas ONGs e alguns cientistas.
Enquanto via alguns colegas querendo pegar dados e já pensando em publicar
artigos, eu fui a um fórum geral e articulei um projeto com as comunidades de
uma reserva extrativista na Bahia.
A gente colocou à
disposição das comunidades um laboratório de geoquímica orgânica que é nosso
parceiro dentro da faculdade de Oceanografia, porque eu falei para eles: a
gente tem que tentar conter o óleo, mas em pouco tempo vocês vão enfrentar um
problema de segurança alimentar. Então, a gente já tem que pensar nisso lá na
frente: vão proibir vocês de consumirem peixe e vão proibir vocês de
comercializarem pescado porque não sabem se está contaminado.
Então eu falei: a
gente vai colocar à disposição de vocês um laboratório que faz essa análise.
Cederemos o laboratório, os pesquisadores e os técnicos. E aí eu falei: só que
quem vai fazer o desenho de amostragem são vocês. Então eles definiram: a gente
tem esses peixes, esses moluscos, esses crustáceos. Uma equipe fez a coleta com
eles e trouxe o material. A gente fez a análise com a participação dos
pescadores e, graças a Deus, não estava nada contaminado; eles podiam consumir
e comercializar.
Passaram-se dois anos,
a gente escreveu o artigo e um dos pescadores é coautor do artigo. Óbvio, ele
não vai ficar discutindo química analítica. Mas ele teve um papel no
desenvolvimento do estudo. Então, é um exemplo de como a gente encara. O que eu
prego muito para os meus alunos é que não existe um conhecimento mais
importante que o outro — eles se complementam.
• Porque os manguezais são particularmente
vulneráveis a derramamentos de óleo?
Existe uma tabela que
foi desenvolvida na década de 70 e foi utilizada pela NOAA [Administração
Nacional Oceânica e Atmosférica, com sede nos Estados Unidos] com uma escala de
sensibilidade de 1 a 10. O manguezal é o 10, sendo o sistema considerado mais sensível
ao óleo. São vários motivos. Em primeiro lugar, é um sistema extremamente
relevante em termos de importância ecológica, produtividade e manutenção da
diversidade biológica. Além disso, uma vez atingido, não há nenhuma estratégia
eficaz de remoção do óleo. É uma floresta com lama. Você não consegue entrar
com maquinário e, se entrarem ali, vão pisotear e fazer com que o óleo penetre
ainda mais na lama. Diferente do que acontece na praia, onde a areia é removida
e jogada fora, ou no costão rochoso, onde se faz um jateamento.
Quando o óleo entra no
manguezal, ele pode permanecer lá por décadas. Existem duas formas de remoção
do óleo: pela lavagem das marés e pela degradação pela microbiota. O óleo nada
mais é do que matéria orgânica. E como qualquer matéria orgânica, ele é passível
de ser degradado por bactérias. Isso faz com que haja a possibilidade de uma
remoção biológica pela degradação. O que acontece no manguezal é que a lama tem
muito pouca concentração de oxigênio, então a degradação da matéria orgânica é
mais lenta. Além disso, aquela lama já possui muita matéria orgânica. Quando a
gente entra no manguezal e sente um cheiro de ovo podre, é a matéria orgânica
sendo degradada de forma anaeróbica.
Esse óleo vai competir
com a matéria orgânica natural pela degradação pela comunidade microbiana.
Então, além de ser um ambiente sensível pela sua importância, e de não
existirem métodos eficazes de limpeza do óleo que cai no manguezal, o óleo
tende a ser degradado de forma muito lenta. Uma aluna de doutorado fez a tese
dela com hidrocarbonetos de petróleo; coletou colunas de sedimento na Baía de
Guanabara, fez análise dos hidrocarbonetos do óleo e datação. Assim,
conseguimos reconstituir os últimos 100 anos. Ela encontrou no meio desse
testemunho óleo de um derramamento que ocorreu na Baía de Guanabara em 1975.
Está lá; a gente vê o derramamento de 1975, o de 1997 e o de 2000 ainda no
sedimento. Então, pode levar décadas para o manguezal se recuperar e o óleo
continua lá.
• Recentemente, você participou de um
projeto de pesquisa nos manguezais da costa norte do Brasil. O que caracteriza
e torna tão especial essa faixa de manguezais?
Na verdade, ela não é
mais especial que os outros manguezais — todos são especiais e importantes. Em
uma escala nacional, 80% dos manguezais brasileiros estão na costa norte.
Então, é a maior área de manguezais do Brasil, uma área extensa; do Maranhão até
a foz do Amazonas, a gente tem a maior área contínua de manguezais do planeta.
Além disso, a gente
tem várias reservas extrativistas ali, ou seja, várias comunidades tradicionais
que utilizam aqueles manguezais, mas não só elas, existe toda uma cadeia
produtiva da pesca que depende deles. Então, eles têm um papel econômico muito
forte, existe turismo associado a esses manguezais. Se você for em algumas
áreas do Pará, tem uma cadeia de pesca esportiva enorme, tem passeios, turismo,
educação, ou seja, existe uma diversidade muito grande de usos nesses
manguezais.
• Você poderia explicar, de forma geral, a
proposta do projeto no qual você participou na costa norte do Brasil?
Foi um projeto que
envolveu muitos laboratórios e foi coordenado por uma empresa de oceanografia.
A gente foi estudar manguezais do Maranhão ao Amapá, e tem áreas no Amapá que,
saindo do Rio de Janeiro, leva uns quatro dias para chegar na área onde você vai
trabalhar.
A gente realizou
estudos de campo que consistiram em medir vegetação, colocar sensores de coleta
de dados de maré e de circulação, sensoriamento remoto por satélites com
imagens de alta definição e LiDAR [sensor remoto de detecção e alcance de luz].
E a gente fez uma modelagem nova no país.
O objetivo do projeto
era propor uma nova metodologia de vulnerabilidade dos manguezais a
derramamento de óleo. Toda a análise dos manguezais com petróleo é em cima
dessa tabela de sensibilidade [da NOAA], onde os manguezais têm a sensibilidade
10. E o que a gente prega é que os manguezais não são homogêneos, eles são
únicos. Então se você sobrevoa os manguezais, você vai ver uma floresta
homogênea, mas se você for lá dentro, ele é totalmente diferente. A
sensibilidade dele é diferente se o manguezal está próximo do mar, se o
manguezal está mais próximo da terra, se ele é mais lavado pelas marés.
Então, o primeiro
desafio do projeto era fazer uma abordagem que a gente chamou de
infrassistêmica. É dizer que os manguezais, naquela escala, têm sensibilidade
10, que é alta, mas o que a gente defendia é que existem manguezais que têm
sensibilidade maior ainda. Então a gente já partiu nessa escala de alta
sensibilidade: muito alta e extremamente alta, foi o que a gente chegou. A
gente queria mostrar que ele não era homogêneo. Esse era o primeiro ponto.
O segundo ponto: a
gente quis mostrar que a vulnerabilidade, muitas vezes, é usada conceitualmente
de formas diferentes e equivocadas. Às vezes você está falando de
vulnerabilidade, mas na verdade está falando de sensibilidade ou
suscetibilidade. Então, a gente defendia que a vulnerabilidade é dividida em
três componentes. Mas é importante primeiro entender que a vulnerabilidade diz
respeito a algum agente. As pessoas muitas vezes falam “é vulnerável à mudança
climática”, isso é um vazio porque a mudança climática pode ser elevação no
nível do mar, pode ser mudança de chuva, pode ser ao mesmo tempo vulnerável à
elevação do nível do mar e não ser vulnerável a tempestades.
Então, você definindo
o agente, no nosso caso o derramamento de óleo, você tem a sensibilidade, que é
o quanto o sistema vai sentir o efeito desse agente se ele for atingido, ou
seja, o quanto eu sou sensível a esse agente. Esse é o primeiro componente.
O segundo componente é
a suscetibilidade, que é a probabilidade de ser atingido pelo agente, no caso
pelo óleo. A probabilidade a gente calculou através de modelagens. É um modelo
de probabilidade. Então, é a probabilidade de um óleo que sai de um ponto chegar
ao outro ponto. E o terceiro componente da vulnerabilidade é a resiliência, que
é a capacidade de você se recuperar. Ou seja, a sua resposta ao agente. Qual é
a capacidade de você se recuperar se você for atingido pelo óleo.
• Durante a sua palestra na Conferência
Nacional dos Manguezais, você menciona que na costa norte “você precisa se
curvar às forças da natureza que regulam todo seu processo de trabalho”. Quais
são os grandes desafios de se trabalhar em uma região como essa?
Quando você vai lá e
fica em um barquinho à deriva ao largo da Ilha de Marajó, na desembocadura do
Rio Amazonas, você vê que não é fácil. Além da gente estar falando de uma área
enorme, com milhares de quilômetros e um cinturão de manguezal que vai do Maranhão
até o Oiapoque, tem um sistema com uma corrente super forte que vem de leste
para oeste. A gente tem uma amplitude de marés extremamente alta, aquela que a
gente cresce ouvindo na escola, a pororoca.
A amplitude de marés,
que é a diferença entre a maré baixa e a maré alta, aqui no sul do Brasil é
menor que 2 metros, ou seja, a maré oscila menos de dois metros. Lá, a gente
está falando de 8 a 10 metros. Isso é muita energia. Além disso, tem aqueles rios
enormes desembocando e, dependendo da época, uma grande quantidade de chuva. A
época chuvosa no norte do Brasil é uma doideira, porque você tem um sistema de
corrente enorme, de repente sobe a maré, de repente a maré desce. No fim da
tarde, cai aquela chuva, você olha para o chão e vê aquela água evaporar — é
muita energia.
Quem defende a
exploração de petróleo naquela região fala: “Mas a tecnologia está melhor”. Não
é questão de tecnologia. São forçantes naturais, uma área enorme com grande
energia, e se a gente não consegue conter de forma decente um derramamento de
óleo dentro da Baía de Guanabara, um lugar confinado, sem nenhuma dessas
energias que eu mencionei, a gente nunca vai conseguir conter. A gente nem tem
equipamento suficiente para conter uma coisa dessa em uma extensão tão grande.
Ainda tem um
agravante: o sistema de correntes leste-oeste extremamente forte. Ele tem um
agravante forte de política internacional. Dependendo da área onde está sendo
explorado o petróleo, qualquer derramamento de óleo pode atingir os países
vizinhos, como Guiana Francesa, Guiana, Suriname, Venezuela e até alguns
estados da região do Caribe, por causa desse sistema de circulação oceânica.
Então, não é uma questão só do Brasil. É uma questão que envolve relações
internacionais, um problema sério em termos diplomáticos.
Não é uma questão de
se tiver um derramamento de óleo, é uma questão de quando tiver. É fato, sempre
tem. E tem muita coisa em risco. A gente está colocando vários outros setores
da economia e da sociedade em risco. A gente acha que a venda vai gerar riqueza.
Pode até gerar riqueza para alguns setores e de forma pontual, mas é só olhar
as áreas onde o setor de petróleo se colocou que a gente vê a quantidade de
problemas sociais e ambientais que vão junto.
Fonte: Mongabay
Nenhum comentário:
Postar um comentário