Nova Rota da Seda: Brasil poderia barganhar
apoio a iniciativas de reindustrialização, diz analista
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam que o ingresso do Brasil na Iniciativa
Cinturão e Rota é cobiçado pela China, pelo fato de o país ser um líder
regional com voz ativa em grandes debates internacionais. Em troca, os
investimentos gerados pela adesão preencheriam lacunas que historicamente
freiam e limitam o desenvolvimento nacional.
A China é o principal
parceiro comercial do Brasil em nível global desde 2009, quando desbancou os
EUA da posição. Em 2023, as exportações brasileiras para o país asiático
alcançaram um recorde de US$ 104,3 bilhões (R$ 625,8 bilhões), com superávit de
US$ 51,1 bilhões (R$ 306,6 bilhões), o maior da história do país, segundo dados
da Comex do Brasil.
Com a iminente adesão
à Nova Rota da Seda, estima-se que essa parceria se fortaleça ainda mais, e a
expectativa é que o tema seja discutido em reuniões após a Cúpula do G20 no Rio
de Janeiro, quando o presidente chinês, Xi Jinping, deve ser recepcionado pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, Renato Ungaretti, doutorando em estudos estratégicos e
especialista residente sênior na Observa China, afirma que o ingresso do Brasil
na iniciativa chinesa "sempre foi uma prioridade para a China", já
que o país é a maior economia da América do Sul, um líder regional e um grande
mercado da região.
Ademais, ele aponta
que o Brasil "é um dos últimos países sul-americanos que não entrou na
Nova Rota da Seda ainda", ao lado da Colômbia e do Paraguai, que não tem
relações diplomáticas com a China e reconhece Taiwan como Estado.
"Por essas
razões, a China também prioriza muito a entrada do Brasil, que também é um
parceiro no BRICS, que também é uma potência emergente. Então, por uma série de
fatores, não somente econômicos, comerciais, mas também simbólicos, a entrada
do Brasil é vista pela China como de grande relevância."
Marcos Cordeiro Pires,
professor de economia política internacional da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), no campus de Marília, enfatiza à Sputnik Brasil que o projeto da Nova
Rota da Seda se insere em uma estratégia internacional da China, "que
inclui as iniciativas de Desenvolvimento Global, Segurança Global e Civilização
Global". Nesse contexto, ele aponta que a Nova Rota da Seda é mais do que
"uma iniciativa econômica e um meio de potencializar o desenvolvimento dos
países do Sul Global", e há fortes motivos para Pequim ambicionar a adesão
do Brasil.
"O Brasil não
apenas é um importante ator no mundo em desenvolvimento, mas também nos grandes
debates internacionais como paz, meio ambiente, transição energética e
industrialização sustentável. O Brasil possui um mercado de 215 milhões de
habitantes, grande extensão territorial, uma grande oferta de minerais
críticos, água, irradiação solar etc. Por conta disso, a adesão do Brasil à BRI
[Iniciativa Cinturão e Rota, na sigla em inglês] seria um fator importante para
reforçar o papel dos países do Sul Global."
<><>
Adesão à iniciativa pode levar à retaliação do Ocidente?
A iminente adesão, no
entanto, deixa os EUA em alerta. Um dos indícios desse incômodo foi a recente
declaração da chefe de Comércio dos EUA, Katherine Tai, em um evento da
Bloomberg organizado em São Paulo, sugerindo que o Brasil deveria ter cautela
em aderir à iniciativa.
Sobre essa
desconfiança de Washington, Pires afirma que "o único consenso que existe
nos EUA atualmente é a contenção da China, principalmente na América Latina,
região onde Washington exerce a hegemonia há mais de 100 anos".
"Por conta disso,
as agências governamentais [dos EUA] e o Comando Sul agem para mitigar o
impacto da presença chinesa e reforçar os fundamentos da Doutrina Monroe."
Já Ungaretti destaca
que o incômodo faz parte do acirramento das disputas comerciais, tecnológicas e
sistêmicas entre China e EUA, processo que vem se desenrolando ao menos desde o
primeiro governo de Donald Trump (2017–2021), aprofundando-se durante a pandemia
e permanecendo durante o governo de Joe Biden.
Ele afirma que os EUA
vêm buscando estabelecer iniciativas para se contrapor à Nova Rota da Seda e
que, por ter uma projeção estratégica na América Latina, têm "receio de
que a região passe a ser cada vez mais incorporada à órbita de influência da China".
"Um processo [de
incorporação] que vem, na verdade, se dando principalmente na esfera comercial,
financeira, de investimentos, mas que também está se disseminando para
componentes políticos mais importantes", afirma.
Atualmente, o Brasil
se equilibra entre o Sul Global e o Ocidente, não desprezando parcerias
estratégicas com ambos os lados. Questionado se uma eventual adesão à Nova Rota
da Seda, em meio às desconfianças dos EUA, poderia desequilibrar essa balança,
Ungaretti afirma que a medida se daria sob um "não alinhamento
ativo", mas pontua que, embora não tenha potencial para desequilibrar as
relações do país com ambos os lados, a forma como a adesão seria recepcionada,
sobretudo pelos EUA, "poderia prejudicar, talvez, o papel de mediador que
o Brasil tenta se colocar em algumas ocasiões, em alguns eventos internacionais
importantes".
"Então, talvez o
problema ou o receio da tomada de decisão brasileira seja justamente como esse
possível gesto de entrada à Nova Rota da Seda poderia repercutir em outros
países. Mas acho que é perfeitamente alinhável uma entrada do Brasil à Nova Rota
da Seda com uma estratégia de inserção internacional autônoma e de não
alinhamento ativo, à medida que o Brasil também poderia ingressar em
iniciativas lideradas pelos EUA ou por outros países ocidentais."
Pires, por sua vez,
desconsidera que possa haver desequilíbrio nas relações do Brasil com o Sul
Global e o Ocidente, e ressalta que "há mais de uma centena de países que
aderiram à BRI, inclusive da Europa".
"Como disse o
economista Paulo Nogueira Batista Jr., o Brasil é muito grande para ficar no
quintal de qualquer país. Mas isso não implica que os EUA não irão reclamar.
Penso que a adesão ao BRI seja mais problemática dentro da estrutura do Estado
brasileiro, já que muitos funcionários públicos temem desagradar a elite de
Washington", afirma.
<><> Que
setores seriam mais beneficiados com a adesão à iniciativa?
Pires afirma que se
fôssemos eleger uma área prioritária para os investimentos derivados da adesão
à Nova Rota da Seda, seriam os "relacionados ao Novo PAC" [Novo
Programa de Aceleração do Crescimento].
"O Brasil tem uma
demanda muito grande por investimentos em infraestrutura de transportes,
energia limpa, cidades inteligentes, saúde pública etc.", afirma o
professor.
Ungaretti também
destaca o investimento em infraestrutura, que aponta ser uma lacuna histórica
tradicional, que "limita e freia o desenvolvimento brasileiro sob diversas
perspectivas".
"Investimentos em
infraestrutura de transportes, rodovias, ferrovias e portos. A China também
poderia contribuir bastante com a questão da transição energética,
investimentos em usinas solares, usinas eólicas, sistemas de transmissão
modernos, que confiram sistemas de energia com maior confiabilidade e
resiliência, que permitam maior incorporação de fontes intermitentes, como a
eólica e solar."
Ele acrescenta ainda
que o Brasil poderia barganhar "programas de cooperação técnica de
transferência de tecnologia em tecnologias de baixo carbono, que a China
atualmente é líder global em vários segmentos".
"O Brasil poderia
barganhar também suporte, apoio financeiro, técnico, para as iniciativas de
reindustrialização da economia brasileira. O segmento de veículos elétricos é
um segmento importante, que tem contado com investimentos chineses, por exemplo.
O Brasil poderia também barganhar programas de investimento em novas
tecnologias ligadas ao desenvolvimento sustentável, como hidrogênio verde, como
captura e armazenamento de carbono", conclui o especialista.
• Realidade ou sonho distante? Exército
Brasileiro discute produção de obuseiro nacional
Em um workshop
realizado em São Paulo, o Exército Brasileiro reuniu empresas nacionais que
possam estar interessadas em produzir obuseiros. Para analistas, o agravamento
da instabilidade no cenário internacional e a política de sanções tornam a
nacionalização dos aparatos militares um tema urgente.
De acordo com a
revista Tecnologia e Defesa, o evento realizado pelo Departamento de Ciência e
Tecnologia (DCT), por meio de sua Diretoria de Fabricação (DF), busca
apresentar o projeto de produção de obuseiros no país no contexto do sistema de
fabricação do Exército Brasileiro, de forma a discutir alternativas reais para
a produção desse sistema de armas no país e identificar companhias nacionais
que possam se tornar parceiras e participar do processo.
A iniciativa de
aproximação entre o governo e o setor privado é vista com bons olhos pelo
doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia
(ISAPE), Fabrício Ávila, que afirma que a produção nacional de armamentos é
importante por uma série de motivos, por exemplo:
# gerar empregos
diretos e indiretos;
# movimentar a
economia local;
# desenvolver a
tecnologia;
# reduzir a
dependência de importação;
# deixar o país menos
vulnerável a embargos.
Outra vantagem também
seria o aproveitamento do desenvolvimento de determinadas expertises no âmbito
da sociedade civil.
"Nós perdemos
competência em uma série de áreas relativas ao reator nuclear. Produção de
tubos sem costura, de válvulas, perdemos essa competência. Parte dessa
competência adquirida por um obuseiro poderia ser repassada para essa
área", comenta Pedro Paulo Rezende, especialista em assuntos militares.
<><> Em
quais problemas o Brasil esbarra para avançar com o tema?
Por outro lado, para
avançar nesse aspecto, o Brasil esbarra em problemas de infraestrutura e
tecnologia.
"A grande
dificuldade do Brasil será remontar o corpo técnico e ter o escopo dos projetos
nacionais que existiram na década de 1980, como foi a antiga Engesa
[Engenheiros Especializados S.A.]", pondera Ávila.
Entretanto, para
solucionar esse problema, o analista considera que o workshop poderia ser um
condutor para "aproximar as indústrias automobilísticas e de siderurgia do
Instituto Militar de Engenharia (IME)", a fim de começar o núcleo de
projetos viáveis em curto prazo.
Rezende, por sua vez,
considera a ausência de tecnologia como fator que pode atrapalhar a
desenvoltura de um obuseiro totalmente nacional em um primeiro momento.
"Um obuseiro não
é só o tubo. O tubo já é problemático porque nós não temos o conhecimento tecnológico
em metalurgia necessário para isso." Dessa forma, segundo ele, seria
impossível neste momento falar em um obuseiro 100% brasileiro.
"Precisaríamos conseguir parceiros estrangeiros que topassem nos
transferir essa tecnologia", acrescenta.
'Obuseiro nacional
pode representar uma possibilidade de salvação para a Avibras'
Segundo Ávila, citando
o The Military Balance 2024, o Exército Brasileiro possui 109 unidades de
artilharia autopropulsada dentro de uma necessidade mínima de suporte em três
regimentos de artilharia autopropulsada.
"Um tubo de
obuseiro aguenta em torno de 2 mil disparos. Se um autopropulsado carrega em
torno de 40 projéteis de 155 mm, depois de 50 missões o armamento está
inapropriado ao uso. Deve ser substituído ou reusinado. Nesse sentido, em caso
de combate, ficaria difícil depender de fornecedores externos, até pelo simples
fato das dimensões do território nacional e da distância da América do Sul à
Eurásia", comenta.
Como desde o final da
Primeira Guerra Mundial os exércitos se movimentam a partir de caminhões e a
mecanização é uma realidade das forças terrestres que deve perdurar, mesmo com
a digitalização dos armamentos há possibilidade de parcerias que podem ser benéficas,
sobretudo para a Avibras, considera o analista.
"No início do
século XXI surgiram modelos onde existe um canhão de disparo digital em cima de
chassis de caminhão que melhoram a manutenção e produção, como o ATMOS 2000 de
Israel — que inclusive viria para repor os M-109 que o Brasil possui", relembra.
Nesse sentido, o
especialista destaca que, como temos várias fábricas de caminhões civis, elas
"poderiam fornecer a base para os canhões de 155 mm que poderiam vir da
Avibras. Seria um projeto viável que poderia ser um avanço para a artilharia do
Brasil", destaca.
• Ucrânia suaviza posição e considera os
planos do Brasil e da China para resolução, diz mídia dos EUA
Nas últimas semanas, a
Ucrânia tem suavizado sua posição em relação à proposta de Brasil e China para
a resolução do conflito e busca combinar o movimento com o chamado "plano
de vitória" de Vladimir Zelensky, afirmou nesta quarta-feira (6) o jornal
New York Times.
"A Ucrânia, nas
últimas semanas, suavizou sua posição em relação ao plano do Brasil e da China,
que Zelensky inicialmente rejeitava. Estão em andamento esforços diplomáticos
silenciosos para alinhar esse plano com as propostas ucranianas de dez pontos",
diz a publicação.
O jornal destaca que,
nos últimos meses, ocorrem discussões "delicadas e multilaterais"
sobre a resolução do conflito na Ucrânia por meio de negociações. No entanto,
ainda não se sabe como a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA poderia
influenciar o processo.
O ministro das
Relações Exteriores da China, Wang Yi, chegou a afirmar que China, Brasil e
outros países do Sul Global planejam criar uma plataforma aberta chamada
"Amigos da Paz" para a resolução da crise ucraniana. No fim de
setembro, após a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
ministros e representantes de diversos países se reuniram para discutir a
proposta.
Após o encontro,
Argélia, Bolívia, Brasil, China, Colômbia, Egito, Indonésia, Cazaquistão,
Quênia, México, África do Sul, Turquia e Zâmbia publicaram um comunicado
conjunto. A França, Suíça e Hungria também participaram das discussões.
<><> Plano
de Brasil e China para a paz na Ucrânia
Em maio deste ano, a
China e o Brasil publicaram em conjunto um consenso de seis pontos para a
resolução política da crise ucraniana, que recebeu avaliações positivas de mais
de 100 países.
O documento propõe que
todas as partes envolvidas sigam três princípios para a desescalada: não
expandir o campo de batalha, não intensificar os combates e evitar provocações.
Em segundo lugar, o documento enfatiza que o diálogo e as negociações são a única
solução viável para a crise ucraniana.
A proposta ainda pede
um aumento na ajuda humanitária para as regiões afetadas e a proteção de civis
e infraestruturas civis. China e Brasil também apoiaram a troca de prisioneiros
entre as partes em conflito.
O quarto ponto destaca
a proibição do uso de armas de destruição em massa e a necessidade de evitar
uma crise nuclear. No quinto ponto, China e Brasil se opõem a ataques contra
usinas nucleares e outras instalações atômicas civis. Por fim, o documento pede
que o mundo não seja dividido em blocos políticos ou econômicos fechados.
Fonte: Sputnik Brasil
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