quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Quem são os Lobos Cinzentos, organização extremista turca banida em vários países

Os Lobos Cinzentos, um movimento político turco de direita radical, recebe cada vez mais atenção no mundo todo, assim como o gesto que o representa, que forma uma cabeça de lobo.

A "saudação do lobo" provocou, recentemente, forte polêmica no campeonato de futebol Euro 2024, quando o jogador turco Merih Demiral fez o gesto após marcar um gol na partida da Turquia contra a Áustria, vencida por seu time por 2 a 1.

"Os símbolos dos extremistas de direita turcos não têm lugar em nossos estádios", disse a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, em um post no X. Demiral foi posteriormente suspenso pela UEFA por duas partidas.

A Turquia reagiu acusando Berlim de "xenofobia" pelas críticas à saudação do lobo, e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan saiu em defesa de Demiral, dizendo:

"Alguém pergunta por que a camisa nacional alemã tem uma águia ou a camisa francesa tem um galo? Merih (Demiral) mostrou sua emoção com esse gesto."

Para muitos, a saudação do lobo está diretamente associada à organização Lobos Cinzentos, também conhecida pelo nome de Idealist Hearths. É a ala jovem ultranacionalista do Partido do Movimento Nacionalista (MHP) na Turquia, aliado do AKP, partido de Erdogan.

Nem a saudação do lobo, nem a organização Lobos Cinzentos são proibidas na Alemanha. Áustria e França tomaram medidas mais duras: a primeira proibiu o gesto e a última proibiu todas as atividades da organização.

·        'Um grupo extremista de direita'

"Quando falamos do movimento Lobos Cinzentos na Alemanha estamos falando de um ecossistema mais amplo de clubes, de cafés, de associações locais de bairro", diz Burcu Ozcelik, pesquisador sênior de Segurança do Oriente Médio no Royal United Services Institute (RUSI), um think tank do Reino Unido.

Ela destaca que existem vários graus de associação com os Lobos Cinzentos na Alemanha - de apego, filiação ou comprometimento com o grupo - e eles são, em sua maioria, fluidos.

O escritório federal alemão para a proteção da constituição (BfV, na sigla em alemão) classifica os Lobos Cinzentos como um grupo extremista de direita com 18.500 a 20.000 membros no país.

Os turcos constituem a maior minoria étnica na Alemanha, com cerca de 3 milhões de cidadãos turcos e cidadãos alemães de ascendência turca. A Alemanha tem uma população de 84 milhões.

“Entre a maioria da diáspora turca na Europa, tendências e símbolos nacionalistas são bastante fortes”, diz o jornalista Kemal Can, especialista em nacionalismo na Turquia.

“Os islamistas e nacionalistas na Europa são organizados. Então os governos europeus estão geralmente preocupados que essas organizações políticas, ou estruturas criminosas, possam ter o potencial de causar tensão”, diz.

“Eles querem introduzir mecanismos para restringir não apenas seus próprios grupos extremistas de direita, mas também aqueles dentro das comunidades migrantes.”

·        Ação violenta

Os Lobos Cinzentos são acusados ​​de vários atos de violência na Turquia e na Europa desde a década de 1970.

Um dos casos de maior destaque envolvendo a organização foi a tentativa de assassinato do Papa João Paulo 2º, em 1981, por Mehmet Ali Agca, integrante dos Lobos Cinzentos. O chefe da igreja católica foi baleado e ferido no ataque.

O grupo também se envolveu em confrontos de rua na Turquia nas décadas de 1970 e 1980, quando seus membros participaram de guerrilhas urbanas com militantes de esquerda.

Acredita-se que os Lobos Cinzentos tenham ligações com o "estado profundo turco", uma suposta rede de coalizões poderosas e antidemocráticas dentro das estruturas políticas e burocráticas turcas.

Também houve vários confrontos de rua envolvendo os Lobos Cinzentos em cidades europeias nos últimos anos.

O analista político Burcu Ozcelik diz que esses incidentes criaram um ambiente de medo, levantando um debate mais amplo sobre como lidar com o grupo.

Na Alemanha, embora controversos, os Lobos Cinzentos não são um grupo ilegal. Mas a Áustria proibiu o uso do gesto do lobo em 2019, e a França proibiu todas as atividades dos Lobos Cinzentos em 2020.

Em 2021, o Parlamento Europeu aconselhou adicionar os Lobos Cinzentos à lista de terroristas da União Europeia.

A polêmica em torno da organização vai além das fronteiras da Europa.

No Azerbaijão, um país com laços históricos e linguísticos próximos à Turquia, o grupo tentou capitalizar o fortalecimento do nacionalismo após o colapso da União Soviética em 1991.

"Os Lobos Cinzentos tornaram-se polêmicos no Azerbaijão após seu suposto envolvimento em uma tentativa de golpe fracassada em 1995 contra Heydar Aliyev, o pai do atual presidente, Ilham Aliyev", diz Könül Khalilova, editora da BBC News Azerbaijani.

"Heydar Aliyev, um ex-general da KGB, via o grupo como uma ameaça ao seu regime. Como resultado, os Lobos Cinzentos foram banidos do Azerbaijão, e seu líder foi morto durante a tentativa de golpe."

Em 2005, o Cazaquistão, um país da Ásia Central, também com múltiplas conexões históricas com a Turquia pela língua e cultura, também declarou a organização ilegal, classificando-a como um "grupo terrorista".

A Turquia diz que não há um movimento chamado Lobos Cinzentos e que a proibição da saudação do lobo é inaceitável.

·        O lobo como figura orientadora

"O símbolo do lobo é um dos símbolos mais importantes dos turcos", disse Ahmet Tasagil, professor do Departamento de Língua e Literatura Turca da Universidade Yeditepe de Istambul à agência de notícias Anadolu.

"Todas as tribos turcas que viviam na Ásia Central usaram o símbolo durante os séculos 4 e 5", disse.

Ele também apontou para as fontes dos séculos 12 e 13 que mencionam que os turcos, ao chegarem à Anatólia, seguiram um lobo, de acordo com lendas armênias, siríacas, entre outras do Oriente Médio.

"Para os turcos, o lobo é uma figura orientadora, que representa sabedoria", disse ele.

Durante o período otomano, no final do século 19, o símbolo do lobo foi usado de várias formas, e nos primeiros anos da Turquia moderna ele apareceu em notas e selos.

A saudação do lobo em si é muito mais recente. Ela surgiu no Azerbaijão durante o início dos anos 1990, em meio a protestos em massa, diz Könül Khalilova.

“Esses protestos contribuíram para a independência do país e para o colapso da União Soviética. Esse gesto, mesmo que não seja amplamente usado, tornou-se um símbolo da identidade turca para algumas pessoas”, diz ela.

“Para elas, simbolizava a identidade cultural e étnica que havia sido suprimida durante o regime soviético”, explica.

Acredita-se que o fundador do Partido do Movimento Nacionalista na Turquia testemunhou o uso da saudação do lobo durante um comício no Azerbaijão em 1992 e adotou-a como um símbolo para os Lobos Cinzentos na Turquia.

·        'Não é um símbolo nacional'

“Na década de 1990, os Lobos Cinzentos estavam na onda geral do sentimento nacionalista e tinham uma identidade que se declarava sobre a exclusão da minoria curda”, diz o especialista em nacionalismo Kemal Can.

Ele enfatiza que, na Turquia, muitos líderes políticos dos diferentes espectros usaram a saudação do lobo para se mostrarem simpáticos aos eleitores nacionalistas.

"No entanto, essa saudação nunca foi aceita como um símbolo nacional na Turquia", diz.

Burcu Ozcelik concorda.

"Muitos turcos, embora muito abertos sobre seu sentimento e identidade nacionalista turcos, e muito orgulhosos disso, não se associam aos Lobos Cinzentos", ela diz.

"Portanto, não é um símbolo unificador, nem representa um senso universal mais amplo de ser turco."

 

¨      Ultradireita avança entre eleitores jovens no Leste alemão

Eleitores do estado de Brandemburgo, no Leste alemão, foram às urnas neste domingo (22/09) para escolher a nova composição do Parlamento local e consequentemente a liderança do novo governo estadual.

Segundo as primeiras projeções, o Partido Social Democrata (SPD), a sigla do chanceler federal Olaf Scholz, deve conquistar a maior fatia dos votos e garantir a primeira posição na disputa, com 30,07%, pouco à frente da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que aparece com 29,5%. Na sequência, aparece a Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW), um partido de esquerda com viés socialmente conservador criado em janeiro, com 13,3%.

Mas, se dependesse apenas dos eleitores jovens, os ultradireitistas da AfD terminariam em primeiro lugar, bem à frente de qualquer rival.

Segundo uma pesquisa divulgada ela emissora ARD após o fechamento das urnas, a AfD garantiu os votos de 32% dos eleitores entre 16 e 24 anos; e 34% entre aqueles de 25 a 34 anos.

São percentuais bem à frente de outras siglas.

Em 2019, a AfD havia conquistado 18% votos dos eleitores entre 16 e 24 anos.

O SPD, o segundo partido mais bem posicionado nesses dois grupos na eleição deste domingo, obteve 18% dos votos entre os eleitores entre 16 e 24 anos e 20% daqueles entre 25 e 34 anos.

O resultado nesses dois grupos é especialmente desalentador para o Partido Verde, que na última eleição estadual de Brandemburgo, em 2019, havia terminado em primeiro lugar na preferência do eleitorado entre 16 e 24 anos, com 27% da fatia desse voto.

Desta vez, os verdes amargaram apenas 6% entre o eleitorado mais jovem.

Os verdes, que perderam votos entre todas as faixas etárias, aparecem com apenas 4,2% dos votos gerais no pleito, e arriscam ficar abaixo da cláusula de barreira de 5% para garantir uma bancada no Parlamento de Brandemburgo.

O crescimento da AfD entre os jovens foi mencionado pelo colíder do diretório nacional da sigla, o deputado federal Tino Chrupalla, após a divulgação das primeiras projeções em Brandemburgo.

Ele lamentou que o partido não tenha conseguido terminar a disputa em Brandemburgo em primeiro lugar, mas celebrou o crescimento. "Obtivemos um apoio significativo e, acima de tudo, tivemos grandes ganhos entre os eleitores jovens”, disse ele.

Na Alemanha, o voto é facultativo. Nas eleições federais (que escolhem o Parlamento do país e consequentemente o chanceler) podem votar todos os cidadãos alemães acima de 18 anos.

Em eleições estaduais, no entanto, a regra varia. Na maior parte dos 16 estados o voto é reservado para cidadãos acima de 18, mas alguns permitem o voto a partir de 16 anos em pleitos estaduais. Entre eles estão Brandemburgo, Schleswig-Holstein, Bremen, Baden-Württemberg, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental e Hamburgo.

<><> Razões para o avanço da AfD entre jovens

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas.

Em abril, uma pesquisa mostrou que os jovens alemães estão hoje mais propensos a apoiar a AfD do que nos dois últimos anos.

Os autores do estudo Youth in Germany 2024 (Juventude na Alemanha 2024) afirmaram que os jovens com menos de 30 anos estão cada vez mais insatisfeitos com sua situação social e econômica, e que os temores sobre sua prosperidade futura têm feito eles se inclinarem à direita.

O tema mais emblemático da AfD é o discurso anti-imigração, e os dados mostraram que a migração está entre as principais preocupações dos jovens.

Cerca de 22% de 2.000 jovens alemães com idade entre 14 e 29 anos que responderam à pesquisa disseram que votariam na AfD se pudessem votar em eleições parlamentares naquele momento.

Esse percentual foi mais do que o dobro do registrado dois anos antes. Em 2022, apenas 9% dos jovens disseram que votariam na AfD, e em 2023, 12%.

Após os efeitos da pandemia, os autores disseram que as preocupações econômicas e políticas, por exemplo devido à inflação, aos altos aluguéis, às guerras na Ucrânia e no Oriente Médio ou à divisão da sociedade, assumiram o centro das atenções.

A preocupação com as mudanças climáticas diminuiu, segundo o estudo, mas os temores cresceram quando se trata de questões como inflação, economia e pobreza na velhice.

A pesquisa mostrou que os jovens estavam especialmente preocupados com a inflação (65%), moradias caras (54%), pobreza na velhice (48%), a divisão da sociedade (49%) e o aumento dos fluxos de migrantes e refugiados (41%).

"Podemos falar de uma clara mudança à direita na população jovem", disse o autor Klaus Hurrelmann. "Enquanto os partidos do governo [de coalizão] continuam a cair em popularidade, a AfD é particularmente popular." O atual governo federal alemão é governado por uma coalizão entre o SPD, os Verdes e liberais.

Outro fator que costuma ser creditado como responsável pelo avanço da AfD entre os jovens é o uso sistemático de redes sociais pela máquina de propaganda do partido, especialmente o TikTok. O uso do aplicativo pela sigla ganhou destaque na última eleição europeia, em junho, que também permitiu o voto a partir de 16 anos.

Na ocasião, o partido triplicou seus votos entre eleitores abaixo de 24 anos.

Inicialmente a AfD havia recebido mal os planos de reduzir a idade para votar para 16 anos nas eleições europeias e em alguns pleitos estaduais. Mas, depois de tentar barrar sem sucesso a medida, a AfD se voltou estrategicamente para os jovens como nenhum outro partido alemão. Por meio de campanhas direcionadas nas redes sociais, principalmente no TikTok e no Instagram, conseguiu atingir esse grupo com mensagens emotivas, diretas e fáceis de entender.

 

Fonte: Por Ege Tatlici e Selin Girit, do Serviço Mundial da BBC/DW Brasil

 

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