quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Beneficiários do Bolsa Família apostaram R$ 3 bi em bets

Beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões de reais em sites de apostas esportivas, as chamadas bets, somente no mês de agosto, segundo nota técnica produzida pelo Banco Central (BC) a pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM). O valor equivale a 21,2% dos recursos distribuídos pelo programa no mesmo mês.

De acordo com o documento, 5 milhões de beneficiários fizeram ao menos uma transferência Pix para uma casa de apostas esportivas. 70% do total são chefes de família, ou seja, os responsáveis por receber o benefício.

"Esses resultados estão em linha com outros levantamentos que apontam as famílias de baixa renda como as mais prejudicadas pela atividade das apostas esportivas", escreve o documento. "É razoável supor que o apelo comercial do enriquecimento por meio de apostas seja mais atraente para quem está em situação de vulnerabilidade financeira."

Se considerada toda a população brasileira, o lucro das empresas que operam este tipo de site é ainda maior. Casas de apostas e de jogos de azar receberam R$ 20,8 bilhões em transferências em agosto - valor mais de dez vezes superior ao acumulado por casas lotéricas.

O Banco Central estima que 15% desse valor é retido pelas empresas, ou seja, não é devolvido ao apostador, o que equivale a um lucro presumido de, ao menos, R$ 3,1 bilhões no mês.

Esta projeção é considerada subestimada pelo próprio BC, porque não contabiliza outros tipos de transferências eletrônicas diferentes do Pix.

•        Um a cada dez brasileiros já apostou em bets

Ainda segundo o banco, 24 milhões de pessoas fizeram ao menos uma transferência deste tipo no Brasil desde janeiro. A maioria dos apostadores tem entre 20 e 30 anos e gasta cerca de R$ 100 por aposta. Este valor sobe de acordo com a idade. Brasileiros acima de 60 anos gastam uma média de R$ 3 mil reais em bets.

Em evento do Banco Safra realizado nesta terça-feira (24/09), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que o nível de comprometimento da renda das famílias em sites de apostas é preocupante.

"O ticket médio de transferência para casas de apostas subiu mais de 200% e já está tendo um efeito na inadimplência", disse.

Também na terça-feira , o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil é "contra cassino" e defendeu regulamentação das bets. "Estamos percebendo no Brasil o endividamento das pessoas mais pobres, tentando ganhar dinheiro fazendo aposta. Esse é um problema que vamos ter que regular", afirmou ao participar de um fórum em defesa da democracia, em Nova York

Como a DW mostrou, dados do Ministério da Saúde mostram que o número de pessoas atendidas por jogo patológico no SUS aumenta a cada ano, e o vício em apostas já é visto como um problema de saúde pública.

 

•        As bets e seus riscos para a saúde financeira dos brasileiros

O crescimento das apostas online, conhecidas como bets, vem assumindo proporções gigantescas e alarmantes no Brasil. Não só pelos dados de movimentação financeira dessas empresas, muitas delas atuando de maneira irregular, mas também pela maneira como elas têm afetado a vida dos cidadãos.

“Estamos atentos e preocupados com o impacto no orçamento das famílias, no aumento do endividamento e também na piora da saúde financeira dos brasileiros”, afirma Isaac Sidney, presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). “Há repercussão também no sistema financeiro e na economia, já que o endividamento gera inadimplência e encarece o crédito”. Além disso, reforça Isaac, as famílias têm deixado nas casas de apostas recursos que seriam injetados na economia.

Os dados são, de fato, alarmantes. De acordo com projeções da Strategy&Brasil, consultoria da PwC, o setor de apostas online movimentou entre R$60 a R$100 bilhões em 2023, quase 1% do PIB. O Brasil já é o terceiro maior mercado de apostas online do mundo.

•        Os impactos já mensurados na saúde financeira dos brasileiros

De acordo com estudo feito pelo Instituto Locomotiva, cerca de 25 milhões de brasileiros realizaram apostas nos últimos 6 meses, sendo que 20% das pessoas de baixa renda apostam pelo menos uma vez ao mês. Cerca de 86% delas estão endividadas. Outra pesquisa, feita pelo Datafolha, revela que os jogadores gastam, em média, 20% do salário mínimo em bets todos os meses.

Ou seja, uma parte significativa do dinheiro que seria usado para pagar as contas e abastecer a dispensa das famílias está sendo direcionado para as apostas. Esse cenário pode levar por água abaixo os esforços que vêm sendo feitos pela sociedade para reduzir os níveis de endividamento da população.

A inadimplência vinha recuando lentamente nos últimos meses, a partir de ações como o Desenrola Brasil e os mutirões de negociação dos bancos e outras instituições. Além de possíveis reflexos no superendividamento, as perdas em apostas minam a capacidade de poupança do cidadão.

Esse risco é amplificado pela maneira como algumas casas de apostas online tentam fisgar os consumidores, promovendo, inclusive, a desinformação. Influenciadores contratados pelas bets chegam a apresentar as apostas como a “melhor maneira de investir”, na tentativa de confundir jogo e investimento, sem falar dos elevados riscos de perdas financeiras.

A 7ª edição da pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, divulgada em 2024 pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), capturou esse cenário muito bem. O estudo mostrou que o país já possui mais apostadores do que pessoas que aplicam nos principais produtos de investimento do país. Em 2023, 14% da população (22 milhões) fez pelo menos uma aposta online. Quando perguntados sobre o entendimento do que são as  bets, dois em cada dez apostadores afirmaram que elas são uma forma de “investimento financeiro”.

•        População mais vulnerável em risco

As pesquisas sinalizam outra crueldade associada ao crescimento das bets: elas têm um importante foco no público vulnerável. Temos assistido, nos últimos anos, à proliferação de bingos e caça níqueis, que atingiram inclusive idosos, crianças e adolescentes. Eles foram proibidos, mas basta fazer uma rápida busca na internet para encontrar vários sites sediados em outros países.

As apostas online chegaram com ainda mais voracidade. Além da facilidade de acesso pelo celular, as bets investem massivamente em publicidade, com o uso de influenciadores, patrocínio de times de futebol e jogos. As principais marcas investiram mais de R$2 bilhões em mídia em 2023, de acordo com pesquisa feita pela Propmark, com dados do Ibope Monitor.

Buscando contribuir com a minimização desses efeitos, a Febraban reforçou as ações de educação financeira sobre o tema, por meio do portal e da plataforma Meu Bolso em Dia e de suas redes sociais, com conteúdos e orientação para que os consumidores não caiam nas armadilhas dos jogos online.

•        Mecanismos planejados para viciar o consumidor

Os truques para atrair o consumidor vão além da publicidade. Alguns cassinos e caça níqueis, por exemplo, oferecem crédito gratuito para começar a jogar. A primeira fisgada vem acompanhada de um prêmio e a promessa de ganhos maiores. Até que, em determinado momento, a pessoa começa a perder, mas vai sendo estimulada a ir adiante para recuperar o dinheiro e ter lucro.

A lógica, no caso das bets, é um pouco diferente, já que elas são caracterizadas pelas apostas de quota fixa, premiando quem acerta alguma condição prevista no jogo ou o resultado de uma partida. Mas o resultado acaba sendo o mesmo, ou seja, elas podem levar ao desenvolvimento de comportamento compulsivo.

O vício, além de impactar as finanças, pode levar a problemas emocionais, como o estresse e a ansiedade ligados às perdas constantes ou grandes movimentações de dinheiro, e o isolamento social. Esses impactos podem ser ainda mais graves em crianças e adolescentes, que não possuem a maturidade necessária para tomar decisões financeiras responsáveis.

Outro risco importante: o ambiente online está repleto de sites fraudulentos que prometem ganhos fáceis ou sistemas infalíveis de apostas para roubar dados pessoais e financeiros dos apostadores. Portanto, é preciso estar atento aos golpes e fraudes que usam do universo das bets.

•        Regulamentação das bets no Brasil

O mercado das bets no Brasil está sendo regularizado no Brasil. No final de 2023, foi sancionada pelo Senado a Lei 14.790/2023, que regulamentou as apostas esportivas online. E, no início de 2024, foi criada a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) para regulamentar e monitorar esse mercado.

Até 20 de agosto de 2024, o governo federal havia recebido 113 solicitações de empresas interessadas em atuar no mercado de bets no Brasil. Se autorizadas, elas poderão atuar legalmente no país a partir de janeiro de 2025, quando começam a valer as regras. A partir do próximo ano, com o encerramento do período legal de adequação, que vai até 31 de dezembro, somente poderão operar as empresas autorizadas e que cumprirem a totalidade da regulação.

Nos últimos meses, foram publicadas várias regras e condições, criando alicerces fiscais e jurídicos para o funcionamento das bets no país. Foram estabelecidos, por exemplo, requisitos técnicos e de segurança que devem ser adotados por agentes operadores dos sistemas de apostas e suas plataformas de apostas esportivas e de jogos online, assim como as regras e condições para obtenção da autorização para exploração comercial da modalidade no país.

Além da habilitação jurídica, regularidade fiscal e trabalhista, idoneidade, qualificação econômico-financeira e qualificação técnica, as empresas ficam obrigadas a pagar à União R$30 milhões para funcionar por cinco anos, com até três marcas comerciais.

•        Cartão de crédito não pode ser usado em apostas online

A portaria SPA/MF 615, publicada em abril de 2024, determinou que o pagamento dos jogos só pode ser feito por meio de transferência eletrônica (Pix, TED, cartão de débito ou pré-pago, por exemplo). Foi proibido, expressamente, o pagamento de apostas com cartão de crédito, dinheiro em espécie, boleto, cheque ou criptoativos.

Na sequência, foram estabelecidas regras e diretrizes para o jogo responsável e para as ações de publicidade, propaganda e marketing, definindo que operadores de apostas poderão ser responsabilizados por publicidade abusiva.

•        Cuidados ao fazer apostas online

Participar de jogos de apostas online e bets pode ser divertido, mas é preciso ter cautela e planejamento para não se deixar levar pela emoção. Para evitar perdas que comprometam o orçamento familiar, a dica é definir um valor máximo que você irá gastar ao mês, independente dos resultados obtidos.

O valor desse gasto deve ser considerado no seu orçamento destinado ao lazer, sem comprometer o pagamento de contas essenciais ou a poupança. Ao atingir o limite estabelecido, interrompa as apostas, mesmo que esteja em prejuízo ou tenha obtido algum lucro.

Nunca recorra a empréstimos para participar de apostas esportivas. Outra dica é ficar atento a fraudes que usam as apostas para enganar o consumidor, prometendo lucros exorbitantes. Por fim, lembre-se: se algo parece bom demais para ser verdade, provavelmente, não é.

 

Fonte: DW Brasil/Meubolsoemdia

 

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