Beneficiários do Bolsa Família apostaram R$
3 bi em bets
Beneficiários do Bolsa
Família gastaram R$ 3 bilhões de reais em sites de apostas esportivas, as
chamadas bets, somente no mês de agosto, segundo nota técnica produzida pelo
Banco Central (BC) a pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM). O valor equivale a
21,2% dos recursos distribuídos pelo programa no mesmo mês.
De acordo com o
documento, 5 milhões de beneficiários fizeram ao menos uma transferência Pix
para uma casa de apostas esportivas. 70% do total são chefes de família, ou
seja, os responsáveis por receber o benefício.
"Esses resultados
estão em linha com outros levantamentos que apontam as famílias de baixa renda
como as mais prejudicadas pela atividade das apostas esportivas", escreve
o documento. "É razoável supor que o apelo comercial do enriquecimento por
meio de apostas seja mais atraente para quem está em situação de
vulnerabilidade financeira."
Se considerada toda a
população brasileira, o lucro das empresas que operam este tipo de site é ainda
maior. Casas de apostas e de jogos de azar receberam R$ 20,8 bilhões em
transferências em agosto - valor mais de dez vezes superior ao acumulado por
casas lotéricas.
O Banco Central estima
que 15% desse valor é retido pelas empresas, ou seja, não é devolvido ao
apostador, o que equivale a um lucro presumido de, ao menos, R$ 3,1 bilhões no
mês.
Esta projeção é
considerada subestimada pelo próprio BC, porque não contabiliza outros tipos de
transferências eletrônicas diferentes do Pix.
• Um a cada dez brasileiros já apostou em
bets
Ainda segundo o banco,
24 milhões de pessoas fizeram ao menos uma transferência deste tipo no Brasil
desde janeiro. A maioria dos apostadores tem entre 20 e 30 anos e gasta cerca
de R$ 100 por aposta. Este valor sobe de acordo com a idade. Brasileiros acima
de 60 anos gastam uma média de R$ 3 mil reais em bets.
Em evento do Banco
Safra realizado nesta terça-feira (24/09), o presidente do BC, Roberto Campos
Neto, afirmou que o nível de comprometimento da renda das famílias em sites de
apostas é preocupante.
"O ticket médio
de transferência para casas de apostas subiu mais de 200% e já está tendo um
efeito na inadimplência", disse.
Também na terça-feira
, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil é "contra
cassino" e defendeu regulamentação das bets. "Estamos percebendo no
Brasil o endividamento das pessoas mais pobres, tentando ganhar dinheiro fazendo
aposta. Esse é um problema que vamos ter que regular", afirmou ao
participar de um fórum em defesa da democracia, em Nova York
Como a DW mostrou,
dados do Ministério da Saúde mostram que o número de pessoas atendidas por jogo
patológico no SUS aumenta a cada ano, e o vício em apostas já é visto como um
problema de saúde pública.
• As bets e seus riscos para a saúde
financeira dos brasileiros
O crescimento das
apostas online, conhecidas como bets, vem assumindo proporções gigantescas e
alarmantes no Brasil. Não só pelos dados de movimentação financeira dessas
empresas, muitas delas atuando de maneira irregular, mas também pela maneira
como elas têm afetado a vida dos cidadãos.
“Estamos atentos e
preocupados com o impacto no orçamento das famílias, no aumento do
endividamento e também na piora da saúde financeira dos brasileiros”, afirma
Isaac Sidney, presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). “Há
repercussão também no sistema financeiro e na economia, já que o endividamento
gera inadimplência e encarece o crédito”. Além disso, reforça Isaac, as
famílias têm deixado nas casas de apostas recursos que seriam injetados na
economia.
Os dados são, de fato,
alarmantes. De acordo com projeções da Strategy&Brasil, consultoria da PwC,
o setor de apostas online movimentou entre R$60 a R$100 bilhões em 2023, quase
1% do PIB. O Brasil já é o terceiro maior mercado de apostas online do mundo.
• Os impactos já mensurados na saúde
financeira dos brasileiros
De acordo com estudo
feito pelo Instituto Locomotiva, cerca de 25 milhões de brasileiros realizaram
apostas nos últimos 6 meses, sendo que 20% das pessoas de baixa renda apostam
pelo menos uma vez ao mês. Cerca de 86% delas estão endividadas. Outra pesquisa,
feita pelo Datafolha, revela que os jogadores gastam, em média, 20% do salário
mínimo em bets todos os meses.
Ou seja, uma parte
significativa do dinheiro que seria usado para pagar as contas e abastecer a
dispensa das famílias está sendo direcionado para as apostas. Esse cenário pode
levar por água abaixo os esforços que vêm sendo feitos pela sociedade para reduzir
os níveis de endividamento da população.
A inadimplência vinha
recuando lentamente nos últimos meses, a partir de ações como o Desenrola
Brasil e os mutirões de negociação dos bancos e outras instituições. Além de
possíveis reflexos no superendividamento, as perdas em apostas minam a
capacidade de poupança do cidadão.
Esse risco é
amplificado pela maneira como algumas casas de apostas online tentam fisgar os
consumidores, promovendo, inclusive, a desinformação. Influenciadores
contratados pelas bets chegam a apresentar as apostas como a “melhor maneira de
investir”, na tentativa de confundir jogo e investimento, sem falar dos
elevados riscos de perdas financeiras.
A 7ª edição da
pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, divulgada em 2024 pela Anbima
(Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais),
capturou esse cenário muito bem. O estudo mostrou que o país já possui mais
apostadores do que pessoas que aplicam nos principais produtos de investimento
do país. Em 2023, 14% da população (22 milhões) fez pelo menos uma aposta
online. Quando perguntados sobre o entendimento do que são as bets, dois em cada dez apostadores afirmaram
que elas são uma forma de “investimento financeiro”.
• População mais vulnerável em risco
As pesquisas sinalizam
outra crueldade associada ao crescimento das bets: elas têm um importante foco
no público vulnerável. Temos assistido, nos últimos anos, à proliferação de
bingos e caça níqueis, que atingiram inclusive idosos, crianças e adolescentes.
Eles foram proibidos, mas basta fazer uma rápida busca na internet para
encontrar vários sites sediados em outros países.
As apostas online
chegaram com ainda mais voracidade. Além da facilidade de acesso pelo celular,
as bets investem massivamente em publicidade, com o uso de influenciadores,
patrocínio de times de futebol e jogos. As principais marcas investiram mais de
R$2 bilhões em mídia em 2023, de acordo com pesquisa feita pela Propmark, com
dados do Ibope Monitor.
Buscando contribuir
com a minimização desses efeitos, a Febraban reforçou as ações de educação
financeira sobre o tema, por meio do portal e da plataforma Meu Bolso em Dia e
de suas redes sociais, com conteúdos e orientação para que os consumidores não
caiam nas armadilhas dos jogos online.
• Mecanismos planejados para viciar o
consumidor
Os truques para atrair
o consumidor vão além da publicidade. Alguns cassinos e caça níqueis, por
exemplo, oferecem crédito gratuito para começar a jogar. A primeira fisgada vem
acompanhada de um prêmio e a promessa de ganhos maiores. Até que, em determinado
momento, a pessoa começa a perder, mas vai sendo estimulada a ir adiante para
recuperar o dinheiro e ter lucro.
A lógica, no caso das
bets, é um pouco diferente, já que elas são caracterizadas pelas apostas de
quota fixa, premiando quem acerta alguma condição prevista no jogo ou o
resultado de uma partida. Mas o resultado acaba sendo o mesmo, ou seja, elas
podem levar ao desenvolvimento de comportamento compulsivo.
O vício, além de
impactar as finanças, pode levar a problemas emocionais, como o estresse e a
ansiedade ligados às perdas constantes ou grandes movimentações de dinheiro, e
o isolamento social. Esses impactos podem ser ainda mais graves em crianças e
adolescentes, que não possuem a maturidade necessária para tomar decisões
financeiras responsáveis.
Outro risco
importante: o ambiente online está repleto de sites fraudulentos que prometem
ganhos fáceis ou sistemas infalíveis de apostas para roubar dados pessoais e
financeiros dos apostadores. Portanto, é preciso estar atento aos golpes e
fraudes que usam do universo das bets.
• Regulamentação das bets no Brasil
O mercado das bets no
Brasil está sendo regularizado no Brasil. No final de 2023, foi sancionada pelo
Senado a Lei 14.790/2023, que regulamentou as apostas esportivas online. E, no
início de 2024, foi criada a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) para regulamentar
e monitorar esse mercado.
Até 20 de agosto de
2024, o governo federal havia recebido 113 solicitações de empresas
interessadas em atuar no mercado de bets no Brasil. Se autorizadas, elas
poderão atuar legalmente no país a partir de janeiro de 2025, quando começam a
valer as regras. A partir do próximo ano, com o encerramento do período legal
de adequação, que vai até 31 de dezembro, somente poderão operar as empresas
autorizadas e que cumprirem a totalidade da regulação.
Nos últimos meses,
foram publicadas várias regras e condições, criando alicerces fiscais e
jurídicos para o funcionamento das bets no país. Foram estabelecidos, por
exemplo, requisitos técnicos e de segurança que devem ser adotados por agentes
operadores dos sistemas de apostas e suas plataformas de apostas esportivas e
de jogos online, assim como as regras e condições para obtenção da autorização
para exploração comercial da modalidade no país.
Além da habilitação
jurídica, regularidade fiscal e trabalhista, idoneidade, qualificação
econômico-financeira e qualificação técnica, as empresas ficam obrigadas a
pagar à União R$30 milhões para funcionar por cinco anos, com até três marcas
comerciais.
• Cartão de crédito não pode ser usado em
apostas online
A portaria SPA/MF 615,
publicada em abril de 2024, determinou que o pagamento dos jogos só pode ser
feito por meio de transferência eletrônica (Pix, TED, cartão de débito ou
pré-pago, por exemplo). Foi proibido, expressamente, o pagamento de apostas com
cartão de crédito, dinheiro em espécie, boleto, cheque ou criptoativos.
Na sequência, foram
estabelecidas regras e diretrizes para o jogo responsável e para as ações de
publicidade, propaganda e marketing, definindo que operadores de apostas
poderão ser responsabilizados por publicidade abusiva.
• Cuidados ao fazer apostas online
Participar de jogos de
apostas online e bets pode ser divertido, mas é preciso ter cautela e
planejamento para não se deixar levar pela emoção. Para evitar perdas que
comprometam o orçamento familiar, a dica é definir um valor máximo que você irá
gastar ao mês, independente dos resultados obtidos.
O valor desse gasto
deve ser considerado no seu orçamento destinado ao lazer, sem comprometer o
pagamento de contas essenciais ou a poupança. Ao atingir o limite estabelecido,
interrompa as apostas, mesmo que esteja em prejuízo ou tenha obtido algum lucro.
Nunca recorra a
empréstimos para participar de apostas esportivas. Outra dica é ficar atento a
fraudes que usam as apostas para enganar o consumidor, prometendo lucros
exorbitantes. Por fim, lembre-se: se algo parece bom demais para ser verdade,
provavelmente, não é.
Fonte: DW
Brasil/Meubolsoemdia
Nenhum comentário:
Postar um comentário