Além de fornecer armas e munição, CACs
treinaram integrantes do PCC para ataques de 'novo cangaço' em SP
Uma investigação da
Polícia Federal (PF) e do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apontou que
Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs) treinaram integrantes
do Primeiro Comando da Capital (PCC) para que aprendessem a manusear e atirar
com armas de fogo com alto poder de destruição. O treinamento tinha como
objetivo ataques conhecidos como "novo cangaço" ou "domínio de
cidades".
Nesse tipo de ação, os
criminosos usam violência e armamento pesado para fazer roubos a bancos, caixas
eletrônicos, carros-fortes e transportadoras de valores, normalmente
acompanhados de muita violência e terror social.
Colecionadores de
armas, atiradores e caçadores se tornaram fornecedores de armas e munições para
facções criminosas no país, de acordo com operações da PF e do Ministério
Público de São Paulo e da Bahia.
Em 2019, o governo de
Jair Bolsonaro (PL) flexibilizou as regras dos CACs e permitiu que mais pessoas
tivessem acesso a armas por meio dessa modalidade. Com as mudanças, o número de
novas armas registradas por ano saltou de 59 mil, em 2018, para 431 mil em 2022
– último ano de mandato do ex-presidente.
<><>
Treinamento com fuzil
Um vídeo obtido pelos
promotores e delegados mostra quando o investigado Otávio de Magalhães, que tem
registro como CAC, explica para dois integrantes do PCC - Elaine Garcia e seu
companheiro, Delvane Lacerda (vulgo Pantera) - como usar um fuzil.
De acordo com a PF e o
MP, Otávio responde por porte irregular de arma de uso restrito e tinha a
função de comprar e vender de maneira ilegal armamento e munição para a facção
criminosa. Quem é CAC pode comprar armas e munições legalmente, mas não revendê-las.
Na casa de Otávio
Magalhães, os investigadores relatam ter encontrado "verdadeiro arsenal
bélico, como dezenas de armas de fogo com e sem registro, milhares de munições,
acessórios, pólvora, artefatos explosivos de fabricação caseira e acionador, "objetos
comumente empregados na prática de roubos na modalidade “domínio de cidade”.
Na terça-feira (10), a
PF e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do
Ministério Público, deflagraram a segunda fase da Operação Baal e prenderam
três pessoas ligadas a ataques do “novo cangaço”.
<><> Foram
presos:
• JAKSON OLIVEIRA SANTOS (Dako):
integrante do PCC que permaneceu foragido de 2005 até 2024, quando foi preso em
outra investigação feita pelo Gaeco de Campinas (SP). Na ocasião, foram
apreendidas armas de fogo, acessórios, munições, roupas camufladas e outros
objetos usados na prática de crimes violentos (alvo já estava preso e foi
cumprido novo mandado de prisão preventiva na cadeia).
• LAINE SOUZA GARCIA: segundo a
investigação, fez o treinamento com o fuzil, e também tinha a função de
coordenar o tráfico de drogas, a execução de rivais, e o comércio ilegal de
armas de fogo e munição.
• DIOGO ERNESTO NASCIMENTO SANTOS: segundo
a investigação, ele foi preso pelo crime de receptação em Rondonópolis (MT).
Obteve a liberdade provisória, mas deixou de cumprir as medidas cautelares
judiciais e, por isso, teve novo pedido de prisão preventiva aceito. A apuração
indica que, além de exercer papel fundamental no núcleo financeiro da
organização criminosa, estava ligado inclusive à prática de execuções.
A GloboNews tentou
contato com os alvos citados na investigação, mas, até a última atualização
desta reportagem, as defesas não foram encontradas para comentar o assunto.
<><> 18
pessoas denunciadas
Desde o começo do ano,
18 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público a partir dessa
investigação. Na primeira fase da operação, os investigadores prenderam quatro
CACs que forneceram armas e munições para o PCC. Esse núcleo da facção
financiou pelo menos quatro "domínios de cidade": Criciúma (SC)
(2020), Guarapuava (PR) (2022), Araçatuba (SP) (2021) e Confresa (MT) (2023).
No ataque em Confresa,
foi identificado que um dos acusados morava em São Paulo e integrava o PCC. Os
elementos colhidos revelaram que essa e outras ações semelhantes foram
financiadas por integrantes da facção, que também atua no tráfico de drogas e
na lavagem de dinheiro.
A partir da
investigação de Mato Grosso, a PF e os promotores também descobriram outros
ataques com financiamento de CACs. Os criminosos também são investigados por
diversas execuções em Avelino Lopes (PI) e disputa de ponto de venda de drogas
em Osasco, na Grande São Paulo, além de outras relações com o crime organizado
na lavagem de dinheiro.
"A aquisição de
armas pelo PCC não é novidade. Mas a partir do momento em que os CACs conseguem
essa facilidade de ter acesso ao armamento, aquisição de munição e acabam não
usando e cedendo para os criminosos, isso facilita as ações de domínio de cidade
e novo cangaço", explica o delegado da PF Jeferson Di Schiavi.
"O grupo também é
investigado por diversas execuções em Avelino Lopes (PI) e pela disputa de
território para o comércio de drogas em Osasco, na Grande São Paulo. É um grupo
que atua em todo país, mas com base em São Paulo e com grupos bem atuantes no
Norte e no Nordeste do país", complementou o promotor de Justiça Eduardo
Veloso.
• Candidatos ignoram adaptação climática
em cidades do litoral de SP assoladas pelas chuvas. Por Laís Martins
Não faz nem dois anos
que a terra veio abaixo na Vila Sahy, litoral norte de São Paulo, deixando 64
mortos e mais de mil desabrigados. Mas a memória recente da tragédia não está
refletida nos planos de governo dos candidatos à prefeitura de São Sebastião,
município onde está localizada a comunidade.
Dos cinco candidatos
no município, apenas dois apresentaram em seus planos de governo a proposta de
elaborar um plano municipal de adaptação às mudanças climáticas: Reinaldinho,
do Republicanos, e Vinicius Jardim, representante da candidatura coletiva do
Partido Comunista do Brasil. Os outros três – Dr. Nil, do Solidariedade, Juan
Garcia, do PSD, e Prof Gleivison, do PP, não fazem nenhuma menção à adaptação
climática em suas propostas.
A situação não
acontece só em São Sebastião. O Intercept Brasil analisou os planos de governo
de Bertioga, Guarujá, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilhabela, os outros cinco
municípios que, assim como São Sebastião, tiveram situação de calamidade
pública decretada após as fortes chuvas de fevereiro de 2023.
Em Ilhabela, por
exemplo, nenhum dos cinco candidatos fala em adaptação às mudanças climáticas
ou a eventos climáticos extremos em seus planos de governo. A cidade teve uma
de suas mais famosas praias, a da Feiticeira, completamente destruída por uma
enxurrada causada pelas fortes chuvas, em 2023.
“As candidaturas esse
ano ainda não assumiram o tópico de clima como prioritário”, disse ao Intercept
Henrique Frota, diretor-executivo do Instituto Pólis, organização de sociedade
civil que atua pelo desenvolvimento de cidades mais justas, sustentáveis e
democráticas.
Desde fevereiro de
2023, pouca coisa mudou na Vila Sahy. Uma obra para o desassoreamento do Rio
Sahy e a construção de um molhe, semelhante a um paredão, na foz dele na praia
está embargada na Justiça desde abril deste ano.
De um lado, a
população da Vila Sahy apoia a obra, que, segundo a prefeitura, poderia evitar
novas enchentes e deslizamentos. Do outro, proprietários da Barra do Sahy são
contrários à construção do molhe pelos possíveis impactos ambientais ao mangue
e à fauna na foz do rio. Eles também apontam para irregularidades na
contratação da empresa que realizaria a obra, feita sem licitação.
O governo do estado
também construiu um conjunto habitacional na Praia da Baleia para abrigar
famílias que perderam suas casas. Mas segundo Frota, do Instituto Pólis, que
acompanha as comunidades afetadas de perto, o empreendimento foi instalado numa
zona de mangue, onde há grandes chances de alagamento.
“Pode não ter
deslizamento, mas vai ter alagamento porque é uma região onde o solo, o lençol
freático é superficial”, disse ao Intercept. “Região de mangue nem deveria ter
construção pela legislação ambiental”.
Mas ainda há famílias
morando na Vila Sahy, em pontos do bairro que resistiram aos deslizamentos.”As
pessoas enfrentam um grau de risco enorme em nome daquilo que foi o esforço da
vida delas, para construir suas casas”, disse Frota. Na avaliação dele, existem
outras medidas de adaptação que não a remoção, como obras de contenção e de
drenagem urbana.
Ao menos dois
candidatos em São Sebastião, Vinicius, do Partido Comunista do Brasil, e
Reinaldinho do Republicanos, propõem a remoção e reassentamento de pessoas em
áreas de risco. A candidatura do PCB também fala em obras de contenção nas
áreas que puderem ser recuperadas.
Juan Garcia, do PSD,
propõe retomar um programa de zonas de especial interesse social para acomodar
residentes de áreas de risco. Outras duas propostas não abordam o tema em
profundidade: o candidato Dr. Nil, do Solidariedade, fala apenas em construir
unidades habitacionais temporárias para acolher vítimas de deslizamento ou
alagamentos e Gleivison, do PP, propõe criar um departamento permanente de
projetos de contenção e drenagem.
Diosmar, do Iyaleta, é
a favor da remoção para a recuperação da restinga, da mata ciliar e das
encostas. Mas ele defende que a remoção seja para todos, não só para a
população de baixa renda. “Você precisa remover todos, inclusive os grandes
hotéis, as casas de luxo à beira da praia em áreas de restinga”, ele explicou.
• Como a adaptação climática salva vidas
Adaptação climática é
um conceito importante para o presente e para o futuro em que eventos
climáticos extremos – como as chuvas de fevereiro de 2023 e períodos de seca
prolongados – se tornam mais frequentes e mais intensos.
“Adaptação é sobre
como a gente pode adaptar os territórios para eles lidarem melhor com os
efeitos das mudanças climáticas”, explicou Frota. “Então, por exemplo, ampliar
a drenagem urbana. Eu adapto o território porque eu sei que vai chover mais no
futuro e com mais frequência”, disse.
Uma pesquisa publicada
em agosto mostrou que medidas de adaptação implementadas ao longo das últimas
duas décadas preveniram 80% de mortes por calor na Europa. No ano passado,
estima-se que 47 mil pessoas morreram dessa causa no continente europeu. Sem as
medidas de adaptação, o número poderia ter chegado a 85 mil, segundo o
Observatório do Clima.
Em Ubatuba, onde uma
pessoa morreu em decorrência das fortes chuvas em fevereiro de 2023, apenas
duas de 11 candidaturas trazem propostas ligadas à adaptação climática.
Cristina Prochaska,
candidata pelo PSOL, propõe estabelecer uma coordenadoria de Mudanças
Climáticas com diferentes secretarias. A prioridade da coordenadoria será a
elaboração de um plano para as mudanças climáticas.
Gerson Florindo, o
candidato do Partido dos Trabalhadores, apresentou ideia semelhante de
estabelecer uma governança climática interna apoiada em mecanismos de diálogo
com a sociedade civil.
Uma promessa que se
repete em dezenas de planos de governo é o fortalecimento da Defesa Civil.
Segundo os especialistas ouvidos pelo Intercept, a medida é importante – mas,
sozinha, é insuficiente.
“Os municípios estão
mais familiarizados com a questão da Defesa Civil e da atuação no pós-desastre,
porque é da cultura das políticas públicas brasileiras atuar pouco na prevenção
e mais na reação quando o episódio acontece”, disse Frota, do Pólis.
Para Diosmar Filho,
membro do Instituto de Pesquisa Iyaleta, que integra a rede do Observatório do
Clima, não basta fortalecer a Defesa Civil sem que haja um investimento maior
em outras estruturas que se conectam a ela. “Falar em Defesa Civil é quase uma
palavra fácil para dizer ‘eu estou responsável com o que aconteceu’”.
Diosmar defende que a
“melhor aposta” para a adaptação dos municípios aos eventos climáticos extremos
está na revisão dos planos diretores municipais. Para ele, obras de adaptação
na infraestrutura – drenagem, por exemplo – demandam um investimento que municípios
não podem fazer. Mas é através da revisão dos planos diretores que se cria o
caminho para captar recursos para viabilizar essas obras.
No entanto, das 38
candidaturas analisadas pelo Intercept, apenas 13 têm dentre as propostas a
revisão do plano diretor municipal.
Diosmar lembra ainda
que o Acordo de Paris prevê a participação dos estados nacionais e dos
subnacionais.
“A gente precisa pegar
na mão deles [eleitos] e dizer assim: você que vai assinar o termo de posse
para um mandato de quatro anos em 1º de Janeiro de 2025 e é responsável por
implementar o Acordo de Paris no Brasil, não é só o Presidente da República que
é responsável”, disse o pesquisador.
Fonte: g1/The
Intercept
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