Ecpirose. Nenhuma política pode renunciar
ao dom do fogo e o mundo arde
Günther Anders o chama
de vergonha prometeica. O titã não previu o que a humanidade faria com o dom do
fogo. Não previu que o fogo, transportado pelo carro do sol até a terra, se
tornaria um enorme incêndio, que consumiria o mundo em uma miríade de fornos.
(Peter Sloterdijk, Il rimorso di Prometeo, Venecia, Marsilio, 2024, p. 39.)
Há um mês, o calor se
prolonga ininterruptamente, dia e noite, com picos de 38 graus. Lembro-me que
às vezes, quando eu era criança, a temperatura chegava aos 40 graus. Tenho uma
vaga lembrança. Contudo, isto acontecia por um ou dois dias. Agora, o verdadeiro
problema é a persistência pavorosa deste sol imóvel, deste calor que paira
sobre a cidade e parece eterno.
Estou deitado na cama
ou então me acomodo nesta cadeira com o desumidificador ligado. E leio. Nesses
dias, talvez para me prejudicar, estou lendo um pouco sobre o aquecimento
global ou o colapso climático, chame como quiser. Talvez se trate da ecpirose, a
dissolução do mundo no fogo, como a chamava Heráclito, o filósofo que pensou o
mundo como uma transformação ininterrupta.
Então, leio Falso
Alarme (Falso allarme, Roma, Fazi Editore, 2024), o livro de Bjorn Lomborg, um
dinamarquês que dirige o Copenhagen Consensus Center e é pesquisador da
Instituição Hoover, na Universidade de Stanford, que tenta me convencer de que
não existe problema algum a esse respeito. Eu suspiro, mas ele me garante que
está tudo bem, que é melhor ignorar os alarmes. Pode ser que o clima lá em
Copenhague seja diferente em relação ao de Bolonha, mas inicialmente pensei que
Lomborg era simplesmente um imbecil. Não é.
A tese de Falso Alarme
é sensata: Lomborg não nega o aquecimento global, embora desaconselhe chamá-lo
de colapso climático, para evitar dramatismos. Também não nega que seja um
efeito da ação humana. Sua tese, no entanto, é que o fenômeno é controlável, ainda
que provocará forçosamente alguns danos, mas nada comparável aos enormes
benefícios econômicos e de saúde que a modernidade nos trouxe. O que precisa
ser feito é simples: investir recursos em geoengenharia capaz de conter o
aquecimento com chuvas artificiais de água do mar e iniciativas semelhantes.
Tento ignorar meu
estado ofegante, que me levaria a jogar o livro pela janela, que também está
estritamente fechada para evitar que o ar incandescente penetre na penumbra do
meu quarto. Na primeira parte do livro, Lomborg explica que os incêndios não
aumentaram em absoluto ao longo do último século, apenas se tornaram mais
desastrosos, porque a população aumentou e nas áreas urbanas os danos se
multiplicam.
Vá e explique aos
atenienses que lutam contra as chamas nesses dias que a culpa é deles, porque
não deveriam ter se aglomerado em um só lugar. Porém, a parte mais interessante
(e infelizmente aceitável) é a dedicada à inutilidade das energias renováveis e
das políticas de transição energética em geral.
Apesar dos enormes
gastos, as energias renováveis, em conjunto, fornecem apenas 1% das
necessidades energéticas mundiais [...]. Acabar com a dependência dos
combustíveis fósseis custará centenas de bilhões de dólares. Os países que
tentassem enfrentar semelhante volume de gastos enfrentariam enormes convulsões
políticas e, por isso, contentam-se em simplesmente gastar centenas de milhares
de milhões de dólares em projetos de energia solar e eólica, sem
consequentemente conseguir grande coisa. Os países pobres não têm milhares de
milhões de dólares para gastar. Para eles, a perspectiva de obter energia a
partir de combustíveis fósseis continua sendo muito mais atraente (p. 148 da
edição italiana).
É difícil negar que as
tentativas políticas de atenuar a ecpirose foram, em geral, ineficazes, ao
ponto de toda a máquina política parecer cada vez mais impotente para enfrentar
o maior dos problemas da humanidade. No entanto, é necessário voltar à raiz da
impotência atual: quando ocorreu a primeira cúpula mundial sobre o clima, em
1992, o presidente dos Estados Unidos, George H. W. Bush, pronunciou uma frase
que explica tudo: “O nível de vida dos estadunidenses não é negociável”, o que
significa o seguinte: não nos importamos bulhufas com a catástrofe, porque
pretendemos continuar consumindo quatro vezes mais eletricidade do que a média
planetária.
Como sabemos, os
estadunidenses não mudaram de opinião e pode ser que em breve tenham um
presidente para quem o global warming parece uma piada estúpida, porque os
estadunidenses querem continuar comendo hambúrgueres. Assim como George H. W.
Bush, assim como Donald Trump, Lomborg também não considera o fato de que o
consumo de energia fóssil não pode ser reduzido sem o abandono do modelo
econômico existente, baseado na acumulação de capital e na constante expansão
do consumo.
Lomborg não esconde,
no entanto, que o aquecimento é assustador e iminente. E após desmantelar todo
o castelo dos Acordos de Paris e demonstrar que “a totalidade dos grandes
países industrializados não cumpre os seus compromissos de redução das emissões
de gases do efeito estufa”, conclui que “o século XXI verá o planeta aquecer
4,1 graus (p. 170). Por esta razão, é necessário investir em geoengenharia, em
tecnologias que permitam sobreviver em um planeta superaquecido, enquanto os
processos que provocam o aquecimento permanecem sem mudanças: cada vez mais
petróleo, cada vez mais mercadorias, cada vez mais guerras. E uma chuvinha
artificial para proteger alguma área privilegiada da Terra.
Gaia Vince (o nome soa
como um pseudônimo feliz, mas, na verdade, é o nome real de uma jornalista
britânica especializada em questões climáticas) também propõe um diagnóstico,
se não exatamente otimista, ao menos tranquilizador ao seu modo. A humanidade superará
a crise climática, diz Gaia em um livro intitulado Il secolo nomade (Turim,
Bollati Boringhieri, 2023), graças às grandes migrações, que concentrarão a
população planetária em torno de Londres e Edimburgo.
Na primeira parte do
livro, a autora descreve o efeito devastador das mudanças climáticas nas zonas
tropicais do planeta e anuncia que, nos próximos cinquenta anos, o aumento das
temperaturas, combinado com uma umidade mais intensa, impossibilitará que 3,5
bilhões de seres humanos sobrevivam nas áreas onde vivem atualmente. Fugindo
dos trópicos, das zonas costeiras e das terras antes cultiváveis, enormes
massas de população terão de buscar novos lugares para viver. Como os seres
humanos são uma espécie nômade, explica Gaia, poderemos evitar o apocalipse nos
deslocando todos acima do paralelo 45, ou seja, para entendermos, acima do rio
Pó. Todos na Lombardia, então.
O delicado equilíbrio
climático que permitiu a sobrevivência da espécie humana foi destruído pelo
efeito de algumas poucas décadas de uso intensivo de combustíveis fósseis e não
existe qualquer programa realista capaz de uma reversão. Tanto que o sistema
produtivo nem sequer insinua reduzir o uso de combustíveis fósseis e, no final
das contas, do jeito como as coisas estão, é melhor desfrutar de todo o
petróleo disponível no momento. E então?
A solução proposta por
Gaia Vince seria genial, se não fosse completamente irrealista, como demonstra
a experiência dos últimos anos. Três bilhões e meio de migrantes se deslocando
dos trópicos para o Polo Norte, diz a engenhosa jornalista. Infelizmente, como
sabemos, bastam algumas dezenas de milhões de migrantes para provocar uma
violenta reação de xenofobia ao longo da linha do paralelo 45.
A onda negra que está
transtornando a política é a reação dos predadores que colonizam e poluem o
planeta há cinco séculos e que não têm qualquer intenção de compartilhar o seu
perigoso privilégio. O genocídio que ocorre ao longo da linha divisória que corre
entre o Norte e o Sul globais – campos de concentração para migrantes,
afogamentos em massa no Mediterrâneo, encarceramentos – é a prova de que as
hipóteses e conjecturas apresentadas por Gaia Vince são uma utopia. A grande
migração no delírio de Vince está sem dúvida acontecendo e continuará
acontecendo, mas coincide com uma guerra mundial travada entre os brancos ricos
e superarmados e uma população imensa, desarmada e imparável, que deve fugir de
lugares agora convertidos em desertos e, portanto, inabitáveis.
Para voltar à
realidade, após as fantasias de geoengenharia de Lomborg e dos delírios
geomigratórios de Vince, basta ler Fire Weather: A True Story from a Hotter
World, 2023 (L’età del fuoco, Milão, Iperborea, 2024), do canadense John
Vaillant, que relata o incêndio mastodôntico que arrasou, em 2016, a cidade
canadense de Fort McMurray, centro de produção de petróleo betuminoso. “O
incêndio de Fort McMurray, o desastre natural mais caro da história do Canadá,
não foi extinto após dias, mas meses” (p. 17 da edição italiana).
O livro de Vaillant
relata, como se fosse um romance, os dias em que milhares de bombeiros, que
chegaram a Fort McMurray provenientes de todo o país, tentaram conter o fogo,
conseguindo salvar seus habitantes, mas não a cidade. Porém, não se trata de um
romance, pois a fantasia não tem nada a ver com o que se conta.
Independentemente do que diga o negligente Lomborg, que considera que o volume
de incêndios diminuiu no último século, embora as temperaturas tenham
aumentado, o que Vaillant afirma é mais convincente, porque corresponde à
experiência contemporânea (enquanto escrevo, em meados de agosto, o céu de
Atenas está escuro pelos gigantescos incêndios que cercam a metrópole).
Fort McMurray é um dos
mais importantes centros de produção de petróleo do Canadá, o que explica o
petróleo ter invadido todos os espaços da própria cidade, dificultando os
trabalhos de extinção, já que as casas dos empregados do setor eram feitas de
derivados do petróleo. As telhas eram de alcatrão, presente também nos
revestimentos exteriores, as janelas eram de vinil, a madeira estava saturada
de colas e resinas, os pisos continham linóleo, as tapeçarias eram de
polipropileno, os laminados eram revestidos com esmaltes e lacas inflamáveis,
somando-se também eletrodomésticos, roupas, o mobiliário, móveis de jardim,
cobertores, colchões e embalagens de alimentos, enfim, praticamente tudo vinha
do petróleo (p. 197).
Vaillant fala sobre o
Petroceno e explica o seguinte: Em 2019, o PIB mundial subiu para 90 trilhões
de dólares e obteve praticamente toda a sua energia (84%) dos combustíveis
fósseis. Estamos utilizando este fundo fiduciário de energia como se nunca fosse
acabar: todos os dias os seres humanos consomem em torno de 100 milhões de
barris de petróleo bruto e movimentam 40 milhões deles por todo o planeta. Mais
de um terço do transporte global total é petróleo (p. 90).
Consequentemente, há
poucas esperanças de deter o incêndio.
O planeta demorou
milhões de anos para acumular a energia fóssil que aproveitamos ao longo do
último século e meio. Queimá-la em apenas algumas décadas está provocando e
provocará consequências dramáticas […] o confronto entre o dióxido de carbono e
os seres humanos está dando apenas os seus primeiros passos e trará uma carga
mais pesada para as gerações futuras do que para nós […]. O castigo recairá
sobre todos nós, mas especialmente sobre os jovens, os inocentes, os não
nascidos. Enquanto isso, a vida continuará [...] (p. 470).
A resiliência aparece
aqui como o que é: uma maldição da qual só há uma maneira de escapar:
suspendendo a reprodução da raça humana, que parece condenada pelo que Peter
Sloterdijk chama de “niilismo extrativo”.
As florestas
primordiais de um passado muito distante, fossilizadas e liquefeitas, foram
devolvidas ao tempo histórico e atualizadas no momento presente da era
industrial por inúmeros incêndios gerados por máquinas. O que consideramos
civilizações modernas são, na realidade, os efeitos dos incêndios florestais
que o nosso presente provoca nas relíquias da antiguidade da Terra. A
humanidade moderna é um grupo de incendiários que lança fogo em florestas e
charnecas subterrâneas (P. Sloterdijk: Il rimorso di Prometeo, cit., p. 27).
Em seu opúsculo,
Sloterdijk reconstrói a gênese do Petroceno em termos marxianos: o aumento da
composição orgânica do capital (a introdução de máquinas que reduzem o peso
relativo do trabalho humano na produção de mercadorias) foi possível graças à
revolução técnica da qual a eletricidade e o petróleo são os instrumentos
essenciais. “O resultado [da aplicação destas tecnologias] para cada indivíduo
adulto corresponde à capacidade que seria obtida de um contingente de vinte a
cinquenta escravos domésticos e, em alguns casos, de um grupo muito maior” (p.
60).
Por isso, nenhuma
política pode induzir os cidadãos do mundo contemporâneo a renunciar ao dom do
fogo ou, pelo menos, a limitá-lo de forma compatível com a salvaguarda de um
clima habitável. Não há, pois, nenhuma possibilidade “política” de deter a
autodestruição, que Sloterdijk define, citando Heráclito, como ecpirose
(dissolução do mundo no fogo).
Provavelmente, só uma
tecnologia hoje inimaginável (talvez a nanotecnologia) poderia interromper esta
corrida, mas é improvável, senão impossível, que alguém seja capaz de investir
os recursos necessários para empreender esta reconversão, especialmente quando
a ecpirose já está em curso e os recursos que dispomos estão sendo investidos
em apagar os incêndios florestais e em sempre acender novos fogos em uma guerra
que os humanos, presas do pânico, estão iniciando em todos os cantos do
planeta.
Fonte: Por Franco
“Bifo” Berardi, no Diario Red, tradução do Cepat, para IHU
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