Robert Inlakesh: A verdadeira história de como o Hamas
foi criado
Após o ataque de 7 de
outubro, surgiram alegações sugerindo que o Hamas, o grupo palestino
responsável pelo ataque, foi financiado por Benjamin Netanyahu para obstruir um
acordo de paz com a Autoridade Palestina e que o Hamas foi, de fato, uma
criação de Israel. No entanto, Israel não criou o Hamas, e essa noção
representa uma interpretação exagerada dos eventos históricos. Então, de onde
vieram essas alegações, e há alguma base para elas?
Para entender
completamente as origens dessas alegações, precisamos voltar a 1973, quando o
Sheikh Ahmad Yassin, um membro palestino da Irmandade Muçulmana, fundou o
Mujamma al-Islammiyah. Essa organização social islâmica tinha como objetivo
promover uma interpretação conservadora do Islã sunita na Faixa de Gaza.
Na época, Israel
mantinha uma ocupação direta de Gaza e estava ativamente trabalhando para
suprimir grupos de resistência palestina alinhados com a Organização para a
Libertação da Palestina (OLP), que estava engajada em conflitos armados contra
Israel a partir de sua base no Líbano. Enquanto o Mujamma, frequentemente
referido como “Ikhwan” ou Irmandade, se concentrava na construção de uma
sociedade civil islâmica e pregava a não-violência contra os ocupantes
israelenses, também se posicionava em oposição a facções palestinas
nacionalistas-seculares, socialistas e comunistas. Israel, reconhecendo essa
divisão, viu uma oportunidade na postura do Mujamma.
·
Oportunismo Israelense
De acordo com
relatórios do Washington Post na época, as forças de ocupação israelenses
mostraram leniência em relação aos ativistas do Mujamma. O ex-general de
brigada israelense Yitzhak Segev afirmou que o governo israelense alocou um
orçamento de centenas de milhares de dólares para apoiar alguns dos projetos do
grupo. No entanto, a maior parte do financiamento do Mujamma supostamente veio
dos Estados do Golfo Árabe e da Irmandade Muçulmana do Egito. Em 1979, Israel
reconheceu formalmente o Mujamma como uma organização oficial, permitindo que
operasse livremente, sem interferência das autoridades israelenses.
Essa evidência tem
sido frequentemente citada como base para alegações de que o Harakat
al-Muqawama al-Islamiyya, ou Hamas, foi uma criação de Israel. Uma análise mais
detalhada sugere que essa conclusão provavelmente decorre de uma interpretação
equivocada dos eventos históricos. A noção de que Israel estabeleceu, controlou
ou ainda influencia o Hamas hoje parece ignorar as realidades complexas em
torno da formação e desenvolvimento do grupo.
Na realidade, enquanto
o Mujamma inicialmente operava sob a influência da Irmandade Muçulmana do
Egito, com o objetivo de estabelecer um ramo palestino para islamizar a
sociedade e fornecer serviços essenciais, o grupo enfrentou desafios
significativos. Esses obstáculos eventualmente levaram a uma mudança em sua
estratégia, afastando-o dos objetivos originais que ele havia sido criado para
perseguir. Com o tempo, essa evolução levaria ao surgimento de uma postura mais
militante, marcando um afastamento de seu foco anterior no conservadorismo
social e religioso. Essa transformação, impulsionada por pressões internas e
externas, preparou o cenário para a eventual transição do grupo para o Hamas.
·
A Ascensão da
Resistência Armada
O Mujamma teve sucesso
na construção de uma ampla infraestrutura social, incluindo escolas, mesquitas
e bibliotecas, e até desempenhou um papel fundamental na fundação da
Universidade Islâmica de Gaza. Juntamente com o estabelecimento de instituições
religiosas, ele operava clínicas médicas e orfanatos, além de fornecer ajuda
essencial, como alimentos e recursos, para os necessitados, conquistando uma
forte base de apoiadores.
No entanto, no final
dos anos 1970, outra organização começou a tomar forma — a Jihad Islâmica
Palestina (JIP), que declarou oficialmente sua presença em 1981. Fundada pelo
Dr. Fathi Shiqaqi, a JIP inspirou-se parcialmente na Irmandade Muçulmana e foi
fortemente influenciada pela Revolução Islâmica do Irã. Ao contrário da
abordagem inicial não-violenta do Mujamma, a JIP pregava a resistência armada
como solução para a ocupação. À medida que a ocupação israelense se
intensificava, culminando na invasão do Líbano em 1982, protestos em massa
irromperam em Gaza e na Cisjordânia, impulsionados pelas táticas cada vez mais
brutais de Israel nos territórios ocupados.
Após a derrota da OLP
no Líbano em 1982, durante a qual as ações militares de Israel tiraram a vida
de aproximadamente 20.000 libaneses e palestinos e supervisionaram atrocidades
como os massacres nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, o movimento de
resistência palestino enfrentou uma mudança significativa. Com os combatentes
da OLP tendo fugido para o Norte da África, muitos ex-apoiadores da OLP
transferiram sua lealdade para a Jihad Islâmica Palestina (JIP).
Enquanto o Mujamma
mantinha sua posição de que unir os muçulmanos e estabelecer uma sociedade
islâmica perfeita era um pré-requisito necessário para derrubar a ocupação
israelense, a mensagem da JIP se concentrava na necessidade imediata de
resistência armada. Essa divisão ideológica entre os dois grupos levou a
confrontos ocasionais, já que a JIP defendia uma abordagem mais militante da
resistência, em contraste com o foco do Mujamma na organização social e unidade
religiosa.
Em meados dos anos de
1980, sob a liderança do Sheikh Ahmad Yassin, o Mujamma estabeleceu um aparato
de segurança conhecido como “al-Majd”. Isso marcou uma mudança nas atividades
do grupo, que começou a se afastar de sua missão puramente social e religiosa
em direção a uma agenda mais militante. O al-Majd esteve envolvido no
contrabando de armas para Gaza, o que levou à eventual prisão de Sheikh Yassin
e de muitos outros associados à operação.
Esse desenvolvimento
sinalizou uma transformação significativa dentro do Mujamma, à medida que o
grupo começou a se envolver em atividades militares clandestinas juntamente com
seus projetos sociais, preparando o terreno para o que mais tarde se tornaria o
Hamas.
·
Os Erros de Cálculo de
Israel
Em 1987, em resposta à
ocupação ilegal de Israel, a primeira Intifada eclodiu na Cisjordânia e na
Faixa de Gaza. Esta revolta em massa, inicialmente caracterizada por protestos
não-violentos em grande escala, intensificou as tensões entre os palestinos e
as forças israelenses. Notavelmente, um confronto armado entre combatentes da
Jihad Islâmica Palestina (PIJ) e forças israelenses no bairro de Shujaiyeh, em
Gaza, precedeu a revolta mais ampla, ajudando a aumentar o apoio à PIJ, à
medida que o grupo continuava a defender a resistência armada.Ainda naquele
ano, uma mudança significativa ocorreu dentro do Mujamma. O xeque Ahmad Yassin,
que anteriormente liderava as iniciativas religiosas e sociais do grupo, junto
com outros, concluiu que havia chegado o momento de pegar em armas. Como
resultado, o Mujamma se transformou e o Hamas — Harakat al-Muqawamah
al-Islamiyyah, ou Movimento de Resistência Islâmica — foi oficialmente
fundado. A liderança do grupo adotou a resistência armada, marcando o início do
Hamas como uma força militante e política na luta palestina contra a ocupação
israelense.
O surgimento do Hamas
no final dos anos de 1980 deve ser entendido dentro de um contexto histórico e
político mais amplo de desilusão generalizada e mudanças ideológicas no Oriente
Médio. O grupo, juntamente com outros movimentos de resistência islâmica,
surgiu durante um período de profundo desespero e frustração entre os
palestinos, semelhante à maneira como vários movimentos marxistas palestinos,
como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), ganharam destaque
após a queda do presidente do Egito, Gamal Abdul-Nasser, e o colapso de sua
visão do nacionalismo árabe socialista.
Após a esmagadora
derrota do Egito na Guerra dos Seis Dias de junho de 1967, durante a qual
Israel lançou um ataque surpresa, a ideologia antes dominante de Nasser começou
a perder credibilidade em todo o mundo árabe. Esse vácuo ideológico estimulou o
crescimento de movimentos revolucionários alternativos. Um desses resultados
foi que George Habbash, que liderava o Movimento Nacionalista Árabe, formou a
FPLP marxista, que buscava a libertação palestina por meio de ideais de
esquerda. Da mesma forma, o Hamas surgiu dos remanescentes do Mujamma, em um
momento em que os movimentos islâmicos começaram a ressoar mais fortemente com
muitos palestinos, oferecendo tanto resistência religiosa quanto armada como um
caminho alternativo para alcançar a independência.
Uma mudança ideológica
estava em andamento na Palestina após a derrota de 1982, quando as operações
militares de Israel no Líbano devastaram as forças de resistência palestinas.
Nesse ambiente de crescente desespero e repressão israelense intensificada, um
grupo social que havia surgido como o braço palestino da Irmandade Muçulmana
aproveitou a oportunidade para se estabelecer como a força líder em uma nova
onda de movimentos de resistência islâmica. Isso ocorreu enquanto a brutalidade
israelense se intensificava, e a liderança secular da Organização para a
Libertação da Palestina (OLP) era vista como enfraquecida.
A sugestão de que
Israel criou o Hamas ao explorar as atividades do Mujamma nas décadas de 1970 e
1980 ignora o contexto mais amplo da resistência palestina. Esse argumento
diminui a importância do grupo na luta de libertação nacional e simplifica
demais seu surgimento como uma força importante contra a ocupação israelense.
Embora o papel do Hamas como entidade política tenha sido contestado dentro da
sociedade palestina — especialmente em Gaza —, a sua ala armada goza de amplo
apoio por seu papel na resistência à ocupação israelense. Esse apoio
reflete o desejo mais amplo dos palestinos pela autonomia e pelo direito de
resistir à ocupação, mesmo em meio a diferenças políticas internas.
Apesar dos esforços de
Israel para construir órgãos administrativos palestinos localizados — parte de
uma estratégia mais ampla para aliviar o fardo administrativo da ocupação e
minar a influência da OLP —, a sua posição mudou drasticamente uma vez que as
armas entraram na equação. Inicialmente, grupos como o Mujamma foram
incentivados a ajudar nesses esforços, mas no momento em que o grupo começou a
se armar, as autoridades israelenses reconheceram a ameaça e responderam de
acordo. Essa mudança ilustra como o apoio de Israel era condicional, com o
objetivo de enfraquecer a OLP sem antecipar o potencial de resistência armada
por facções palestinas.
O erro de cálculo de
Israel sobre os efeitos de sua guerra de 1982 no Líbano, juntamente com a
crença de que derrotar a OLP levaria ao colapso da resistência armada,
sustentou a sua incapacidade de antecipar o surgimento de grupos como Hezbollah
e Hamas. Essa crença foi articulada pelo então primeiro-ministro israelense
Benjamin Netanyahu, que declarou em 1982: “Se você eliminar a União Soviética e
seu principal procurador, a OLP, o terrorismo internacional colapsaria.” No
entanto, a invasão israelense do Líbano não levou à desintegração da
resistência, mas sim criou espaço para grupos como o Hezbollah no Líbano e o
Hamas na Palestina crescerem e preencherem o vazio deixado pela derrota da OLP.
Essa mudança
demonstrou que os movimentos de resistência se adaptaram ao cenário geopolítico
em mudança, com grupos islâmicos assumindo o papel onde as organizações de
esquerda e nacionalistas seculares anteriormente lideravam a luta. O apoio
inicial de Israel a certas facções palestinas, como o Mujamma, não considerou o
surgimento desses movimentos de resistência islâmica, que mais tarde se
tornaram atores poderosos na luta palestina contra a ocupação.
O argumento de que a
posição de Israel sobre a resistência palestina permaneceu consistente —
simplesmente trocando "Irã" pela "União Soviética" e
"Hamas" pela "OLP" — destaca uma continuidade na retórica
israelense contra a resistência armada. Esse argumento sugere que o Hamas, como
os seus predecessores, surgiu como uma resposta à ocupação e agressão
israelense, mas também aponta para a realidade mais ampla de que as ações de
Israel, particularmente na repressão a várias formas de resistência palestina,
inadvertidamente moldaram o surgimento desses grupos.
No entanto, a história
não termina aqui. Fatores como os Acordos de Oslo, as ondas de atentados
suicidas, a guerra civil palestina interna e o papel de Israel na formação
dessas dinâmicas também devem ser considerados. Além disso, o fluxo de dinheiro
de ajuda do Catar para Gaza desempenhou um papel significativo no complexo
equilíbrio de poder da região. Para uma exploração mais profunda sobre se
Israel ajudou ativamente a criar e sustentar o Hamas, fique atento às partes 2
e 3 desta investigação [a seguir futuramente].
¨ Houthis estão se concentrando na fronteira da Síria com Israel
A mídia israelense tem
divulgado relatos de que combatentes do grupo xiita Ansar Allah, do Iêmen,
também conhecido como os houthis, começaram a entrar lentamente no sul da
Síria, possivelmente para abrir uma nova frente contra Israel, em meio a
tensões regionais que pioraram com as recentes explosões no Líbano.
O escritório do
porta-voz das Forças de Segurança de Israel (FDI) não comentou os relatos
transmitidos pela emissora israelense i24NEWS, que citou fontes sírias e
iemenitas que afirmam que combatentes houthis estão se concentrando na
fronteira com as Colinas de Golã ocupadas por Israel.
A Kan News, também de
Israel, afirma que há "milhares" de forças especiais houthis na
Síria, sob o comando de um general. O Centro de Pesquisa e Educação Alma, outra
fonte de relatos israelense, avaliou na semana passada que "há uma presença
houthi na Síria", mas que sua extensão é desconhecida.
Na semana passada, uma
fonte informou à Sputnik que uma "força do tamanho de uma brigada
pertencente ao Ansar Allah foi enviada à Síria, através da Jordânia, em
pequenos grupos". A pessoa informante indicou que os combatentes estão
treinados para operar veículos blindados, artilharia e drones.
Abed al-Thawr, um
general de brigada iemenita aposentado e especialista militar próximo aos
houthis, disse à Sputnik que embora muitos iemenitas estejam ansiosos para
participar de uma batalha terrestre contra o Exército israelense, os países da
região que separam o Iêmen de Israel estão determinados a impedir sua passagem,
com medo de uma escalada do conflito.
Os houthis
"anunciaram formalmente uma confrontação militar entre eles e o inimigo
sionista, assim como com os Estados Unidos, em 19 de outubro de 2023, mas até
agora nenhuma força foi enviada à Síria. Se houvesse uma possibilidade [de
fazê-lo], o Iêmen teria tomado a iniciativa imediatamente", disse
Al-Thawr.
Ele afirmou que a
iniciativa dos houthis de "impor domínio sobre o mar Vermelho" é
"em si uma operação militar poderosa", provando a capacidade da
milícia de "neutralizar" o potencial de ataque dos aliados americanos
e britânicos de Israel, além de "impor a eles novas regras de engajamento,
com a retirada do porta-aviões USS Roosevelt como evidência disso".
O observador iemenita
também enfatizou que o Exército da Síria é forte o suficiente e não precisa do
apoio das forças iemenitas para lidar com o inimigo.
Os EUA, aliados de
Israel, começaram a atacar alvos dentro do Iêmen em janeiro. Na semana passada,
um comandante aposentado da Marinha Real [Britânica] disse à mídia que os
houthis estavam "alcançando todos os seus objetivos, enquanto nós não
estamos alcançando nenhum dos nossos. Estamos gastando milhões e milhões de
dólares sem ganhar. É um problema real".
No início desta
semana, um alto oficial houthi afirmou que Washington havia oferecido
reconhecimento formal em troca da interrupção de seus ataques marítimos.
Funcionários americanos chamaram a informação de mentirosa.
Em outubro passado, o
Ansar Allah anunciou que apoiaria grupos palestinos em seu confronto com o
Exército israelense na Faixa de Gaza por meio de ataques aéreos e mísseis.
Desde então o grupo tem atacado navios que vem e vão para Israel no mar
Vermelho.
Em meio aos ataques,
algumas empresas decidiram suspender o transporte pela via marítima. Mais
tarde, uma fonte disse à Sputnik que o Ansar Allah havia começado a transferir
suas unidades paramilitares para a Síria.
Fonte: MintPress News/Brasil
247/Sputnik Brasil
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