segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Estudo mostra como estresse pode levar à produção de glicose no fígado

Uma pesquisa liderada por brasileiros descreveu detalhadamente a morfologia dos nervos no fígado e como eles controlam a produção de glicose em situação de estresse do organismo. Esse processo, conhecido como gliconeogênese hepática, é vital na manutenção da glicemia durante o jejum e em ocasiões de alta demanda energética.

Publicado na revista científica Metabolism, o estudo foi feito em camundongos. Mostrou que, em resposta ao frio, os nervos simpáticos que liberam noradrenalina no fígado ajudaram a aumentar o açúcar no sangue ao ativar o processo de produção de glicose. Essa ativação envolveu moléculas específicas – a proteína CREB e seu ativador CRTC2 –, pouco estudadas nesse contexto.

A noradrenalina (ou norepinefrina) é um neurotransmissor fundamental na rápida resposta do corpo humano a situações de estresse ou perigo, aumentando a frequência cardíaca, a pressão arterial e a liberação de glicose a partir de reservas de energia. Atualmente, na literatura científica, a maior parte dos estudos sobre a regulação da produção de glicose pelo fígado tem como alvo a ação de hormônios do pâncreas e das glândulas adrenais.

A compreensão desses mecanismos é crucial para desvendar os processos fisiológicos desordenados que levam a doenças metabólicas, entre elas diabetes e obesidade. Por isso, os achados da pesquisa podem abrir caminhos para novos estudos focados no tema, especialmente em situações de alterações do sistema nervoso simpático, como a hipertensão e a esteatose (acúmulo de gordura) hepática.

“A originalidade do nosso trabalho foi mostrar que o sistema nervoso central, por meio de nervos simpáticos, pode controlar CREB e ativar de novo a produção hepática de glicose em uma situação de demanda energética. Descrevemos a anatomia da inervação que chega ao fígado usando uma metodologia inédita no Brasil”, explica à Agência FAPESP o professor Luiz Carlos Navegantes, do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), autor correspondente do artigo.

Os pesquisadores usaram uma técnica chamada 3DISCO (sigla em inglês para three-dimensional imaging of solvent-cleared organs) – um método histológico que torna as amostras biológicas mais transparentes usando uma série de solventes orgânicos, permitindo assim uma imagem tridimensional com os nervos em destaque.

O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio de um Projeto Temático e de bolsas de mestrado e doutorado (19/05900-6, 19/26583-9 e 21/05848-4) concedidas ao biólogo Henrique Jorge Novaes Morgan, primeiro autor do artigo, que venceu o Prêmio Álvaro Osório de Almeida, concedido pela Sociedade Brasileira de Fisiologia em 2021.

Também participaram do estudo pesquisadores da Universidade de Oxford (Reino Unido), do Instituto Francis Crick (em Londres) e o professor Marc Montminy, do Salk Institute for Biological Studies (Estados Unidos), que “descobriu” CREB e elucidou seu papel como regulador do metabolismo energético, revelando potenciais alvos de medicamentos para resistência à insulina, diabetes e obesidade.

Metodologia sobre o estudo sobre estresse e glicose no fígado

Usando o imunomapeamento em 3D, os cientistas analisaram a distribuição dos nervos simpáticos no fígado dos camundongos, observando-se uma densa inervação composta por fibras nervosas primárias espessas, que se ramificam, mas não alcançam diretamente o hepatócito (célula do fígado).

Para investigar o papel fisiológico da inervação, os animais foram expostos a baixas temperaturas (4°C) por até seis horas. O estresse pelo frio ativou CREB/CRTC2, por meio de um sinal de cálcio (Ca2+), para garantir o fornecimento de glicose para os músculos, ajudando a manter o corpo dos roedores aquecido.

“Dando continuidade aos estudos pioneiros do professor Renato Hélios Migliorini, fundador de nosso laboratório, que na década de 1980 demonstrou que o sistema nervoso era capaz de ativar a gliconeogênese, precisávamos entender o que acontecia em nível molecular. Por isso, analisamos animais dos quais tiramos essa inervação do fígado por meio de dois métodos diferentes – um químico e um cirúrgico – e em camundongos transgênicos sem o CRTC2. Nesses casos, não houve a gliconeogênese em resposta ao frio, ou seja, sem os nervos ou sem o coativador de CREB o roedor não consegue produzir a glicose em situação de estresse. Com esses resultados, estamos acrescentando um novo componente nas pesquisas”, completa Navegantes.

 

•        Voz pode ser usada para monitorar glicose no sangue, aponta estudo

É possível monitorar os níveis de glicose a partir da voz? É o que pesquisadores tentam desvendar atualmente. Segundo um estudo publicado no final de agosto na revista Scientific Reports, da Nature, foi identificada uma relação entre mudanças nos níveis de glicose no sangue e alterações na voz.

Uma das hipóteses que pode explicar essa relação está baseada na Lei de Hooke. Estabelecida pelo inglês Robert Hooke (1635-1703), a lei descreve a deformação de corpos elásticos.

Sabe-se, atualmente, que a voz é produzida a partir de vibrações das chamadas pregas vocais, duas dobras de músculo e mucosa localizadas na laringe. Nesse sentido, variações nos níveis de glicose no sangue levariam a alterações nas propriedades elásticas dessas pregas, o que, consequentemente, alteraria também a frequência e o tom da voz.

Outra hipótese levantada é a de que complicações da diabete 2, como a formação de edemas na região das pregas vocais, possam impactar a vibração do som.

<><> Como foi realizada a pesquisa e resultados encontrados

Para entender melhor essas hipóteses, a pesquisa comandada por Jaycee Kaufman, cientista-chefe da Klick Health, analisou as vozes de 505 pessoas, entre homens e mulheres, que apresentavam pré-diabetes (89), diabetes tipo 2 (174) e os que não tinham a doença (242).

Ao longo de duas semanas, os participantes mediram a glicose a cada 15 minutos com monitores contínuos de glicose (CGM), um tipo de sensor instalado na pele do paciente.

Eles também gravaram, anonimamente, frases como: “olá, como vai? Qual é o meu nível de glicose neste momento?”, pelo menos seis vezes ao dia.

Após a análise dos conteúdos gravados, foi identificada uma pequena, mas significativa, relação linear entre níveis de glicose e tom da voz.

Isso significa que, quando a glicose no sangue aumenta, o tom da voz também tende a aumentar.

Para se ter uma ideia, uma elevação de 1 mg/dL de glicose correspondia a um aumento de 0,02 Hz da frequência vocal.

<><> Achados podem mudar o monitoramento de glicose

A pesquisa se mostra promissora para revolucionar o atual cenário de monitoramento da glicose.

Atualmente, esse monitoramento envolve a realização de teste de picada no dedo e o uso de CGM.

Entretanto, esses métodos são invasivos e apresentam limitações, além de causarem desconforto, especialmente na região onde é feita a picada com a agulha, e gerarem custos para a compra dos dispositivos.

“Os métodos atuais de monitoramento de glicose são invasivos e inconvenientes. Desse modo, o monitoramento baseado na voz poderia ser tão simples quanto falar em um smartphone, o que mudaria o jogo para 463 milhões de pessoas de todo o mundo que convivem com diabetes tipo 2”, diz Jaycee em comunicado da Klick Health.

É importante destacar, porém, que o estudo ainda apresenta limitações, especialmente porque fatores externos, como infecções respiratórias, saúde emocional e alergias, podem influenciar o tom de voz.

Dito isso, novos estudos devem ser realizados no futuro para comprovar se há ou não uma relação de causa e efeito entre a variação dos níveis de glicose e mudanças na voz.

 

Fonte: CNN Brasil

 

Nenhum comentário: