Quem tem medo dos movimentos sociais?
Em artigo publicado no
jornal Folha de S. Paulo no domingo, 15/09, o professor Rodrigo Perez Oliveira,
nosso colega da UFBA, argumenta que professores universitários têm sido alvos
de ataques à direita e à esquerda. Segundo Rodrigo Perez Oliveira, em meio às
guerras culturais, os professores universitários seriam as vítimas, porém
capazes de enfrentar os ataques da extrema direita, que vem de fora da
academia.
Contudo, estariam
vulneráveis frente à investida de movimentos sociais que, no interior da
universidade, “agenciam a justa pauta da defesa dos direitos das minorias
sociais para dar verniz de reparação histórica às suas ofensivas”. O colega
elenca quatro casos, bastante distintos entre si, para exemplificar “práticas
de cancelamento à revelia de qualquer processo administrativo”.
O argumento de Rodrigo
Perez Oliveira não é exatamente uma novidade. Na verdade, a “acusação” de
fragmentar lutas coletivas por meio da mobilização de identidades está presente
há décadas para os movimentos feminista, LGBTQIA, negro, mas se intensifica conforme
há uma agudização das disputas políticas na sociedade, como a que vivemos
atualmente.
Mais recentemente, em
2021, a revista Piauí publicou artigo intitulado “Parece revolução, mas é só
neoliberalismo”, que partia do mesmo pressuposto utilizado hoje pelo professor
Rodrigo Perez Oliveira. O texto de 2021 pretendia denunciar as investidas de
militantes organizados pelo “identitarismo” que tornavam impossível a vida do
pobre professor universitário.
Argumentando nos
mesmos termos do colega da UFBA, Benamê Kamus Albudrás, na verdade o pseudônimo
de um provável professor que estaria sob risco de ser cancelado pela esquerda
universitária, partia da mesma tese sobre a necessidade de combater a direita,
para alvejar o movimento estudantil e as maiorias minorizadas que tornam-se uma
ameaça quando se organizam e agem em função de interesses coletivos.
Não vamos entrar no
mérito dos casos citados por Rodrigo Perez Oliveira, porque nos parece óbvio
que eventualmente excessos são cometidos e colegas são vitimados por gente mal
intencionada e disposta a destruir reputações com interesses, no mais das vezes,
inconfessáveis. Ademais, o clima de fascistização social presente hoje no país
inevitavelmente contamina todas as esferas da vida cotidiana, incluindo nossas
relações interpessoais e também os movimentos sociais.
Não obstante, é
impossível supor que a universidade seja um espaço da harmonia e que os
docentes são intocáveis e incólumes à crítica e à contestação, mesmo do
alunado, de modo que não deveria ser motivo de melindre de nossa parte as
formas de interpelação e questionamento.
O conhecimento
acadêmico e a universidade são regidos por normas hierárquicas e por formas de
meritrocracia que distinguem o conjunto dos membros da comunidade
universitária, isso não está em questão. Entretanto, sendo um espaço que abriga
o conflito e a contradição, que são a essência do conhecimento que precisa ser
crítico, não se pode desejar que as universidades não produzam barulho.
É justamente esse
barulho, ou “balbúrdia”, como disse o ex-ministro Weintraub, que ouvido
parcialmente pela sociedade é usado de forma distorcida pela extrema direita
para lhe atacar.
Dito isso, parece-nos
que ao estabelecer uma falsa equivalência entre esquerda e direita quanto ao
tema da universidade, o professor Rodrigo Perez Oliveira questiona a
legitimidade de estudantes que se organizam e se movem no sentido de combater
as opressões de que são vítimas fora da universidade e também em seu interior.
Dizemos falsa equivalência, porque na maioria das vezes não vemos o movimento
estudantil se organizar para atacar docentes apenas porque esses cumprem o seu
dever.
São raros os casos de
“cancelamentos” de professores e professoras que não ajam cotidianamente de
forma opressiva e intimidadora, de modo que muito dificilmente vemos docentes
que não sejam reincidentes serem alvos dos movimentos sociais. Quando mulheres,
negras e negros, pessoas LGBTs e Pessoas com Deficiência se movem para acusar
alguém a quem enxergam como opressor/assediador/autoritário, é improvável que o
façam sem critério.
É preciso notar ainda
que, na última década, com a adoção efetiva da política de cotas, o perfil da
universidade pública mudou no Brasil: temos hoje instituições mais diversas,
com um corpo estudantil que traz diferentes experiências de vida, e isso reverbera
na sala de aula. Há, por parte do alunado, uma reivindicação para
diversificação de epistemologias e didáticas, que tem contribuído para uma
universidade mais aberta, crítica e plural. Seria ingênuo pensar que tal
transformação não viria sem conflito por parte daqueles que estão acomodados em
suas certezas.
No momento em que a
universidade, em seu conjunto, é mais uma vez atacada pela extrema direita,
inclusive com o questionamento ao direito a cotas, parece ser um grave erro
apontar o dedo para quem comumente é a vítima.
Podemos não ter a
universidade que desejamos, mas uma instituição pautada por variadas formas de
hierarquia e meritocracia, não precisa enrijecer suas relações emulando tensões
e dourando a pílula para quem torna o ambiente universitário insalubre. A educação
precisa ser um caminho e uma prática para a liberdade e isso não combina com
assédio e nenhuma forma de preconceito.
Fonte: Por Carlos
Zacarias de Sena Júnior e Maíra Kubík Mano, em A Terra é Redonda
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