sábado, 21 de setembro de 2024

Por que os caçadores de alien passaram 60 anos buscando novas soluções para equação de Drake

Os alienígenas, ou somente “alien”, se tornaram um foco de estudos e de curiosos no mundo inteiro que buscam respostas sobre se há realmente ou não vida inteligente em outro planeta além da Terra. Presentes em diversos filmes de ficção, documentários e pesquisas científicas, o que não falta é material para os interessados em extraterrestres.

A jornalista científica norte-americana Nadia Drake é filha do famoso astrônomo e astrofísico Frank Drake, o autor da famosa equação que leva o seu nome e que levou muitos a buscar por aliens. Antes de seu falecimento, em 2022, Nadia o entrevistou para a National Geographic dos Estados Unidos.

Santa Cruz, Califórnia – "Pai, você já imaginou que sua fórmula se tornaria tão famosa?" pergunto à pessoa de 91 anos, de olhos bondosos, que está ao meu lado no pátio.

Meu pai, Frank Drake, ficou quieto por um momento. Talvez ele estivesse se lembrando do dia de novembro há mais de 60 anos, quando redigiu sem cerimônia uma fórmula que acabou moldando a busca por civilizações extraterrestres. "Não", diz meu pai após a pausa. "Eu nunca imaginei que isso se tornaria de interesse tão amplo. Também esperava que pudessem ser feitas alterações nele, mas isso não aconteceu."

Agora conhecida como “equação de Drake”, a fórmula de papai fornece uma estrutura para os cientistas que procuram vida inteligente além da Terra. Ao considerar uma série de variáveis, a equação permite que os cientistas estimem o número de civilizações alienígenas detectáveis que podem estar espalhadas pela Via Láctea.

Desde então, a fórmula se tornou uma das equações mais reconhecidas na ciência. É uma tatuagem comum. É uma cerveja. Está escrita na lateral de caminhões U-Haul. Sua lógica foi emprestada e parodiada em desenhos animados sobre como encontrar um par ou calcular o número de avistamentos de alienígenas aparentemente confiáveis.

Muitos cientistas ainda hoje são guiados pela equação, e as últimas descobertas sobre outros planetas, tanto dentro quanto fora do nosso Sistema Solar, estão ajudando os pesquisadores a preencher as variáveis. É um legado notável, considerando que ele só escreveu a equação em 1961, quando estava com pouco tempo e precisava organizar uma reunião.

"Foi o melhor começo de conversa de todos os tempos", disse o astrobiólogo David Grinspoon, do Planetary Science Institute. "Ele estava tentando iniciar uma conversa e, de certa forma, fez um trabalho tão bom que a conversa ainda está acontecendo."

•        Sonhos com a vida alienígena

Meu pai começou a se perguntar se os seres humanos estão sozinhos no Cosmos quando estava crescendo em Chicago na década de 1930 e seu pai mencionou um dia que "há outros mundos lá fora".

Meu avô estava falando sobre os outros planetas do Sistema Solar – na época, eram os únicos planetas que os humanos conheciam – mas Frank, de oito anos, não sabia disso. Para ele, "outros mundos" significava "outros mundos como a Terra", lugares povoados por seres inteligentes e exóticos. A ideia fazia sentido para papai e ele começou a pensar em como detectar esses mundos.

"Descobrir a existência de criaturas inteligentes que são conscientes – isso seria muito empolgante", disse meu pai na entrevista. "Eu me pergunto o quanto essa situação está disseminada no universo."

Quando jovem, ele era um dos poucos cientistas que levava a sério a busca por aliens. Em 1960, ele teve sua primeira chance de procurar transmissões alienígenas no turbilhão de ondas de rádio que cruzam a galáxia. Ele projetou um experimento para detectar sinais de qualquer civilização que orbitasse duas estrelas próximas semelhantes ao sol, Tau Ceti e Epsilon Eridani.

Ele batizou o experimento de Projeto Ozma e, durante três meses, apontou o Telescópio Tatel do Observatório Green Bank para essas duas estrelas. Na época, não se sabia que nenhuma delas abrigava planetas, embora mundos em órbita de ambas as estrelas viessem a ser descobertos quase meio século depois.

O Projeto Ozma atraiu tanta atenção que, em 1961, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos pediu ao papai que convocasse uma reunião em Green Bank, Virgínia Ocidental, para discutir a busca científica por inteligência extraterrestre, ou SETI.

Frank Drake, a primeira pessoa a usar um radiotelescópio moderno para procurar vida extraterrestre, precisava de uma maneira de descrever a busca por alguns dos principais cientistas do mundo e justificar o esforço.

•        O início da SETI moderna

Meu pai convidou cerca de uma dúzia de pessoas para ir a Green Bank, incluindo o astrônomo Carl Sagan, que na época estava recém-saído de seu programa de doutorado; o líder do Projeto Manhattan, Philip Morrison, que havia projetado de forma independente um experimento para procurar vida extraterrestre; e o bioquímico Melvin Calvin, que, segundo rumores, estava na lista de candidatos ao Prêmio Nobel de Química daquele ano.

Há alguns meses, ele vinha pensando nos vários fatores que influenciam nossa capacidade de detectar vida na galáxia, começando pela taxa de nascimento das estrelas em torno das quais os mundos giram. Ele pensou que cada um de seus fatores forneceria um tópico rico para discussão, então anotou tudo e viu que havia criado uma fórmula viável, dependendo, é claro, dos números que você inserisse nela.

"É uma ótima maneira de organizar nossa ignorância", diz Jill Tarter, do SETI Institute, uma pioneira no campo.

No dia 1º de novembro, na abertura da reunião, papai escreveu sua fórmula em um quadro negro no salão do observatório e, nos dois dias seguintes, ele e seus colegas discutiram cada uma das variáveis, embora tenham feito uma pausa no segundo dia para "tomar champanhe", como lembrou Sagan, quando Calvin ganhou o Prêmio Nobel por seu trabalho sobre fotossíntese.

•        A equação de Drake

De acordo com meu pai, a natureza da equação é que tudo é igualmente importante. Está tudo escrito na primeira potência — sem expoentes, sem logaritmos, nada extravagante.

Insira os valores de cada termo, multiplique-os e obterá um número para N: o número de civilizações detectáveis na Via Láctea. Pergunte ao meu pai sobre o valor de N e ele dirá que muda a cada vez que ele pensa sobre o assunto. Mas, em geral, diz ele com uma piscadela, o número está provavelmente  entre um e um bilhão, talvez próximo de 10 mil.

Mesmo que a equação possa ser “resolvida”, ela nunca foi planejada para fornecer valores concretos como a fórmula E=mc^2 de Einstein na teoria da relatividade especial ou a segunda lei de Newton, F=ma.

“As pessoas vão criticar todo o campo da SETI ao criticar a equação”, diz Jason Wright, da Universidade Estadual da Pensilvânia. “Isso é bobagem.  Frank disse que nunca pretendeu que ela fosse precisa. A fórmula simplesmente é mal compreendida e mal utilizada.”

A equação é um experimento mental, um argumento probabilístico e uma estrutura para pensar sobre a vida no cosmos. Ela define cuidadosamente as variáveis para que a fórmula respondesse a uma pergunta específica sobre a detecção de sinais de rádio de civilizações alienígenas. E ele observa que a equação faz algumas suposições importantes – como a que as civilizações permanecem no mesmo lugar em vez de se movimentarem pela galáxia.

Ao longo dos anos, vários cientistas propuseram fatores ausentes ou tentaram modificar a equação, mas Grinspoon diz que essas são, na verdade, apenas tentativas de dividir as variáveis de forma um pouco diferente ou de fazer uma pergunta ligeiramente diferente.

"Vi muitas tentativas de melhorar a Equação de Drake ou criticá-la de várias maneiras, todas bem-vindas e interessantes, mas não vi nenhum argumento ou artigo que a tornasse obsoleta", revela Grinspoon. "Ela resistiu ao teste do tempo. Qualquer tentativa de melhorá-lo está apenas validando seu valor."

•        Perseguindo a vida extraterrestre

Quando meu pai criou a fórmula, ele conhecia apenas um valor aproximado para uma variável: a taxa de nascimento de estrelas. Para estrelas semelhantes ao Sol, essa taxa é de aproximadamente uma por ano. O restante era um completo mistério.

Em  1961, não havia planetas conhecidos fora do Sistema Solar, mas na década de 1990, os astrônomos finalmente observaram os primeiros planetas que orbitavam estrelas distantes. Desde então, os caçadores de planetas detectaram milhares de exoplanetas na Via Láctea e, usando observações acumuladas na última década, a missão Kepler da Nasa revelou que, em média, cada estrela abriga pelo menos um planeta.

"Passamos da completa ignorância para um conhecimento realmente substancial, no que diz respeito a planetas, desde que a equação foi colocada", afirma Grinspoon. "Essa é uma grande mudança."

Esses sistemas estelares alienígenas podem não ser bem diferentes do nosso, com planetas enormes localizados perto de suas estrelas, mundos que orbitam os polos de uma estrela em vez de seu equador ou inúmeros planetas com tamanhos que simplesmente não vemos orbitando o Sol.

Mas o Kepler também revelou que os mundos potencialmente habitáveis são comuns. Pode haver até 300 milhões de mundos semelhantes à Terra na Via Láctea, definidos como mundos rochosos em órbitas temperadas ao redor de estrelas semelhantes ao Sol. Esse número aumenta se forem incluídos os mundos que orbitam estrelas não semelhantes ao Sol, e fica ainda maior se o termo "mundos" for ampliado para incluir luas, além de planetas.

Agora também sabemos que cerca de metade dos sistemas planetários que orbitam estrelas semelhantes ao Sol têm pelo menos um planeta habitável – e essa é uma estimativa muito conservadora.

Os cientistas trabalham no restante das variáveis com certa pressa. Em breve, a sondas serão lançadas em luas geladas no sistema solar externo, onde podem ser encontrados todos os aspectos necessários para a vida como a conhecemos. E os cientistas estão se preparando para estudar a atmosfera de outros planetas em busca de moléculas que possam sugerir a presença de metabolismos alienígenas.

Eles também estão em busca de sinais de tecnologia alienígena, como meu pai fez pela primeira vez com o Projeto Ozma. Definido originalmente na equação como a fração de civilizações que desenvolvem “tecnologia comunicativa”, muitos cientistas da SETI hoje consideram uma definição mais ampla que inclui qualquer manifestação de trabalho manual extraterrestre, como ondas de rádio, feixes de laser óptico ou megaestruturas para captação de energia.

Para refletir essa gama de possíveis sinais, Tarter cunhou o termo "tecnoassinaturas", e ela diz que essa detecção provavelmente seria muito menos ambígua do que extrair pistas de atmosferas alienígenas ou procurar micróbios fossilizados. À medida que a próxima geração de telescópios de visão aguçada da Terra entrar em operação, Tarter e outros cientistas do SETI esperam usar programas de computador para examinar os muitos dados recebidos, procurando por qualquer coisa incomum ou anômala.

Resolver as últimas variáveis — fração de mundos com vida, inteligência e tecnologia — exigirá mais do que uma única detecção. Tal como acontece com os exoplanetas, diversas observações serão necessárias para revelar o quanto é comum a vida na galáxia.

"Com a vida, tendemos a pensar: puxa, se a descobrirmos em um único lugar, isso será muito revolucionário. É claro que será, mas, novamente, se a encontrarmos em um único lugar, não passaremos da ignorância ao conhecimento substancial", explica Grinspoon.

“Portanto, mesmo se recebermos um sinal na próxima semana, não é como se não precisássemos mais da Equação de Drake.”

•        A variável mais difícil

Meu pai sempre disse que a última variável na Equação de Drake, L, é a mais complicada. O L é o tempo médio que as civilizações ficam detectáveis — uma definição que muitas vezes é confundida com sobrevivência ou extinção, mas que não está necessariamente ligada a nenhum desses dois conceitos.

“É uma pena que as pessoas se refiram ao termo longevidade como a longevidade de uma civilização tecnológica. Não é isso. É a longevidade do mecanismo de emissão”, explica Tarter. “Nós poderíamos construir algo, algum tipo de tecnoassinatura, que tenha uma longevidade muito além da de nossa civilização.”

Como L é uma média, até mesmo uma transmissão alienígena incrivelmente duradoura poderia mudar drasticamente seu valor. Por exemplo, se uma civilização encontrasse uma maneira de transmitir sua presença na galáxia por bilhões de anos, talvez com o único propósito de ajudar os outros na busca por companheiros cósmicos.

“Como tudo na equação tem o mesmo peso, eu sabia que a resposta seria tão boa quanto aquilo que menos sabemos”, meu pai me disse certa vez. “L é definitivamente a variante sobre a qual sabemos menos.”

Ao contrário das demais,  o valor de L também depende da capacidade de detecção da civilização que está fazendo a busca. Os humanos podem buscar por tecnoassinaturas estudando uma variedade de sinais eletromagnéticos. Se uma civilização como a nossa estivesse observando a Terra, ela veria primeiro os chilreios do radar militar emitidos no início do século 20. Mas uma civilização com recursos de detecção superiores poderia procurar pistas mais precisas.

Os alienígenas que descobriram como ler as assinaturas da tecnologia nas atmosferas planetárias, por exemplo, podem ter sido capazes de detectar as emissões realizadas durante a Revolução Industrial em meados de 1800 — uma tecnoassinatura detectável se você souber o que procurar e ter paciência para observar conforme um planeta muda lentamente.

As civilizações com tecnologia ainda mais avançada podem observar silenciosamente a vida surgir e se desenvolver em diversos planetas, às vezes fracassando, outras vezes prosperando.

A  humanidade ainda não tem essa capacidade, e não há garantia de que nossa espécie sobreviverá por tempo suficiente para aperfeiçoar a arte de encontrar vida alienígena. Mas um dia, se continuarmos, é possível que finalmente façamos contato.

•        A vida como ela é

A civilização humana avançada pode ser apenas um pontinho na idade do universo, mas meu pai achava que era apenas uma questão de tempo e de vontade suficiente para encontrarmos evidências de que a galáxia é povoada por mais seres inteligentes, seja qual for a forma que assumam.

“Não sabemos o que estamos procurando”, diz Wright. “Somos nosso único exemplo daquilo que temos certeza de que estamos procurando.”

No mínimo, o legado mais duradouro da equação de Drake não é uma solução numérica, mas um espelho: ele nos pede para pensar sobre a Terra e sobre a humanidade, a partir de uma perspectiva cósmica — considerar a fragilidade de nossa existência neste mar galáctico.

"Sua durabilidade, longevidade, persistência, a razão pela qual ela permanece, a razão pela qual continuamos a usá-la, a razão pela qual ela continua aparecendo é porque ela é um ótimo guia para todo o problema da vida no universo", afirma Wright. "É uma equação muito versátil, pois permite que você explore todos os tipos de aspectos da vida e da humanidade, dependendo do termo que você queira usar."

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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