segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O que é o Mossad, agência de Israel que estaria por trás de explosões no Líbano

Em menos de dois dias, o Líbano foi palco de um acontecimento sem precedentes: milhares de pagers e walkie-talkies explodiram simultaneamente em todo o país, deixando cerca de 30 mortos e aproximadamente 3 mil feridos, segundo as autoridades locais.

Os dispositivos móveis eram usados ​​por membros do grupo armado Hezbollah para se comunicar entre si. Embora ninguém tenha assumido a responsabilidade pelo ataque, o governo do Líbano e o grupo islâmico atacaram imediatamente Israel e, em particular, sua agência de inteligência: o Mossad.

Uma tese que também foi repetida por autoridades de governos ocidentais.

O jornal americano The New York Times assegura que a operação teria sido orquestrada pelo governo israelense, cujos espiões teriam interceptado os dispositivos encomendados pelo Hezbollah, e conseguido introduzir explosivos nos aparelhos antes da sua chegada ao país.

Enquanto isso, Israel permanece em silêncio.

Mas, afinal, por que todas as atenções estão voltadas para o Mossad? Por que esta agência é tão temida?

A seguir, a BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, responde a estas e outras perguntas.

·        Nascido com o Estado

"O Mossad é a agência de inteligência de Israel com atuação no exterior, equivalente, de um modo geral, à CIA, dos EUA, ou ao MI6, do Reino Unido, mas com um mandato muito mais amplo”, explica o jornalista Frank Gardner, correspondente de segurança da BBC.

O Mossad, cujo nome oficial é Instituto de Inteligência e Operações Especiais, foi criado em 1949, poucos meses após a criação do próprio Estado de Israel por David Ben-Gurion, o primeiro governante do país.

A missão da agência é "reunir inteligência, frustrar ameaças e garantir a segurança do Estado de Israel e do povo judeu", diz seu site.

E ficou estabelecido que, para atingir este objetivo, "contará com os melhores de todos os níveis da sociedade, que deverão conduzir com coragem, sabedoria e astúcia a atividade secreta no exterior".

O sigilo em torno da organização era tanto que, até a década de 1990, os nomes das suas mais altas autoridades não eram divulgados até o fim de seus mandatos, lembrou Danny Yatom, que foi o primeiro chefe da agência cuja identidade foi revelada enquanto estava no cargo.

Embora o Mossad seja hoje a agência de inteligência de Israel mais conhecida internacionalmente, não é a única. O país também conta com o Shin Bet, serviço de segurança interna; e com a Direção de Inteligência Militar (Aman, na sigla em hebraico).

Diferentemente da CIA e do MI6, a agência desempenha um papel fundamental na diplomacia israelense e, especialmente, na normalização das relações com países de maioria muçulmana.

"A melhoria das relações com Marrocos e os outros países do norte da África (…) foi liderada pelo Mossad", afirmou Yatom, em entrevista à publicação Le Grand Continent.

·        Garibaldi e outros golpes

Com um orçamento anual de cerca de US$ 3 bilhões e uma equipe de aproximadamente 7 mil funcionários, o Mossad é considerado por especialistas em segurança e inteligência como a segunda maior agência de espionagem do Ocidente, depois da CIA.

No entanto, na década de 1960, a agência tinha apenas cerca de 80 funcionários na sua folha de pagamento, segundo seu site.

Isto não impediu o Mossad de realizar uma missão arriscada que tornou a agência conhecida internacionalmente — e que foi transformada em filme: o sequestro do ex-líder nazista Adolf Eichmann, na Argentina.

Eichmann, um dos arquitetos da chamada "solução final", conseguiu fugir da Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial, e se estabeleceu na Argentina, na década de 1950, sob a identidade falsa de Ricardo Klement.

Porém, em 1957, um sobrevivente de um campo de concentração que também migrou para o país sul-americano o reconheceu e o denunciou às autoridades israelenses, que passaram a segui-lo e lançaram a chamada Operação Garibaldi, nome da rua onde morava o ex-líder nazista em um subúrbio de Buenos Aires, diz o site do museu Yad Vashem.

O objetivo da missão era capturá-lo vivo e levá-lo a Israel para julgamento. Tudo isso sem avisar as autoridades da Argentina, no intuito de evitar a fuga de Eichmann, acrescenta o site do museu criado em memória das vítimas do Holocausto.

Em 23 de maio de 1960, Ben-Gurion anunciou que agentes israelenses haviam prendido Eichmann — e que ele seria julgado por crimes contra o povo judeu e a humanidade.

Em 1961, o ex-oficial alemão foi considerado culpado e condenado à morte.

A fama do Mossad foi reforçada anos depois pela caçada que lançou contra os líderes da organização palestina Setembro Negro, autores do sequestro da delegação israelense que participava dos Jogos Olímpicos de Munique em 1972.

Depois que a tentativa de resgatar os atletas e seus treinadores fracassou — e 11 deles foram mortos —, a então primeira-ministra israelense, Golda Meir, ordenou que o Instituto, como é conhecido no país, identificasse os responsáveis pelo ataque, os localizasse e liquidasse, contou o jornalista Fergal Keane, da BBC, em um podcast sobre a agência israelense publicado em 2014.

Entre 1972 e 1973, pelo menos sete membros da organização palestina foram assassinados em diferentes países da Europa. Mas alguns autores acreditam que a operação continuou por décadas.

Anos depois, o Mossad realizou uma operação para resgatar judeus que sofriam perseguições na África. Entre 1984 e 1985, uma das suas equipes retirou centenas de refugiados judeus etíopes do Sudão por meio de um falso centro de mergulho.

"Aqueles que entram para o Mossad são muito patriotas", disse à BBC um ex-agente que concordou em ser entrevistado para um documentário de 2010.

·        Vizinhos na mira

O caso Eichmann colocou o Mossad entre as principais agências de espionagem, mas a caça aos criminosos nazistas nunca foi a prioridade da organização — mas, sim, neutralizar as ameaças representadas pelos vizinhos árabes de Israel.

Assim, nas últimas décadas, a agência realizou várias operações contra países vizinhos considerados "inimigos".

O assassinato de líderes de organizações que Israel classifica como "terroristas"; atos de sabotagem de instalações científicas e militares; e até mesmo o estabelecimento de relações com grupos étnicos ou políticos que se opõem às autoridades no poder; são algumas das medidas tomadas pelo Mossad na região.

"Tínhamos que procurar amigos onde quer que fosse", afirmou, em 2010, à BBC Eliah Safriya, que foi agente do Mossad e, na década de 1970, foi enviado secretamente para apoiar os curdos em sua luta pela independência do Iraque, governado por Saddam Hussein.

Em relação a assassinatos e sabotagem, em 2021, o ex-diretor do Mossad, Yossi Cohen, admitiu que a agência estava por trás do roubo de milhares de documentos sobre o programa nuclear iraniano em 2018.

Além disso, ele deu a entender que seus agentes participaram do ataque cibernético contra a central nuclear de Natanz, no centro do Irã, e do assassinato de Mohsen Fakhrizadeh, o cientista mais importante do programa nuclear do país persa, em novembro de 2020.

Mais recentemente, o governo iraniano acusou a agência de estar por trás da morte do líder do HamasIsmail Haniya, em 31 de julho, ao norte da capital iraniana, Teerã.

E, embora Israel não tenha assumido a responsabilidade por este assassinato, reconheceu que estava por trás do ataque que matou Fouad Shukur, um alto comandante do Hezbollah, em Beirute, capital do Líbano.

Estes eventos explicam por que todos os olhares se voltaram para o Mossad como o suposto autor das milhares de explosões de pagers e walkie-talkies que abalaram o Líbano.

·        Sem limites

A atuação do Mossad é controversa e, em mais de uma ocasião, causou problemas a Israel.

Por exemplo, a captura de Eichmann, na Argentina, levou a um grave conflito diplomático com o país sul-americano.

A Operação Ira de Deus, na qual um garçom foi assassinado na Noruega após ser confundido erroneamente com um membro da organização Setembro Negro, também prejudicou as relações com os aliados ocidentais.

No entanto, as operações do Mossad revelam que seu mantra parece ser "os fins justificam os meios".

"O céu é o limite" para o Mossad, afirmou à BBC o jornalista israelense Yossi Melman.

"Mesmo que provocássemos nações amigas, cometêssemos crimes em seu território ou violássemos o direito internacional ou nacional, sentíamos que tínhamos de fazer isso para garantir nossa segurança", acrescentou o coautor do livro Spies Against Armageddon ("Espiões contra o Armagedom", em tradução livre).

"E sabíamos que conseguiríamos nos safar por causa da compaixão ainda gerada pelo Holocausto e por sermos um país pequeno", concluiu.

 

¨      Os riscos da guerra se espalhar após ataques de Israel ao Líbano

Nas ruas de Beirute, a capital libanesa, as pessoas usam seus celulares e outros dispositivos eletrônicos com inquietação, temendo um novo ataque. Mas uma ameaça maior paira sobre a região: a de uma guerra total entre Israel e o Hezbollah, do Líbano, e seu apoiador Irã.

Ao todo, 37 pessoas morreram e outras 2.600 ficaram feridas depois que milhares de pagers explodiram no Líbano na última terça-feira (17/9) e novas detonações foram registradas em walkie-talkies na quarta-feira (18) - em ataques direcionados contra membros do Hezbollah.

Acredita-se que Israel esteja por trás dos ataques, embora o país não tenha confirmado a informação.

O Ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou "uma nova fase na guerra" na quarta e, nesta sexta-feira (20/9), as forças do país conduziram um ataque nos subúrbios de Beirute.

Os relatos são de que Israel tinha como alvo o comandante de operações do Hezbollah, Ibrahim Aqil, que foi morto. Ao todo, o Ministério da Saúde do Líbano diz que oito pessoas morreram e 59 ficaram feridas.

Analisamos, a seguir, os possíveis cenários do que pode acontecer no Líbano após uma semana de relatos de violência.

<><> 1. Novos ataques israelenses

Antes mesmo do ataque a Beirute nesta sexta, o ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, já afirmava que o Líbano precisava se preparar para o pior.

"Acho que precisamos nos preparar para o pior cenário", disse ele. "Os dois ataques do último dia mostram que a intenção [Israel] não é uma solução diplomática", disse sobre as explosões dos aparelhos de comunicação.

"O que eu sei é que a posição do meu governo é clara. Desde o primeiro dia, acreditamos que o Líbano não quer guerra."

Para o analista veterano especialista em política israelense e palestina, Ehud Yaari, os ataques aos pagers e walkie-talkies criaram uma "rara oportunidade" para Israel agir decisivamente contra o Hezbollah e seus vastos estoques de mísseis guiados de precisão.

Os sistemas de comunicação do grupo estão fora de serviço e um grande número de seus comandantes de campo foram feridos, alguns gravemente.

"Esta situação atual não se repetirá tão cedo", escreveu Yaari em um artigo no site de notícias israelense N12 antes do bombardeio desta sexta.

"Simplificando, o Hezbollah está atualmente no pior estado em que esteve desde o fim da segunda guerra do Líbano em 2006."

O correspondente de defesa da BBC, Paul Adams, diz que o foco militar israelense agora mudou para o norte, onde fica o Líbano, mesmo com a guerra em Gaza em andamento.

Mas ainda não está claro como Israel pretende explorar esse raro momento de oportunidade e se um conflito maior está se aproximando, opina.

<><> 2. Ataque do Hezbollah a Israel e retaliação com invasão terrestre no Líbano

O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, reagiu publicamente aos ataques na quinta-feira (19/9), dizendo que Israel havia excedido "todos os limites, regras e linhas vermelhas".

Ele reconheceu que as detonações foram um golpe sem precedentes para o grupo armado, mas disse que sua capacidade de comandar e se comunicar permaneceu intacta.

Uma investigação sobre como os ataques aconteceram foi iniciada, ele acrescentou.

"Pode ser chamado de crimes de guerra ou uma declaração de guerra - seja qual for o nome que você escolher, é merecedor e se encaixa na descrição. Essa era a intenção do inimigo", disse ele.

Nasrallah também prometeu uma punição justa, mas não deu indicações de qual seria essa resposta.

Os ataques transfronteiriços a Israel continuarão a menos que haja um cessar-fogo em Gaza, ele acrescentou, dizendo que os moradores do norte de Israel que foram deslocados por causa da violência não terão permissão para retornar.

De acordo com Amjad Iraqi, analista e membro associado do programa Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, com os ataques, Israel enviou ao Hezbollah "sinais provocativos" que podem aumentar a probabilidade de um conflito regional muito mais intenso.

"O Hezbollah agora está em uma situação em que está sob pressão para acelerar as coisas e isso, por sua vez, potencialmente dará ao exército israelense algum tipo de pretexto para tornar reais os rumores de ser uma invasão terrestre", disse Iraqi à BBC.

Israel "não teve sucesso em seus principais objetivos em Gaza", diz ele, o que resultou em uma situação em que o governo israelense sente que deve "reafirmar seu conceito de dissuasão na frente norte com o Hezbollah".

<><> 3. Hezbollah enfraquecido e menos chances de conflito

A correspondente persa da BBC no Oriente Médio, Nafiseh Kohnavard, está em Beirute e assistiu ao discurso de Hassan Nasrallah.

Ela enfatiza o faro de os ataques terem sido um golpe enorme para o Hezbollah - Nasrallah disse que eles foram significativos e os chamou de "grande teste" que o grupo nunca havia enfrentado antes.

Isso mostra o quão difícil é a situação para eles, acrescenta Kohnavard. Segundo ela, a maioria dos que foram feridos no ataque faz parte de grupos de elite de combatentes jovens, mas altamente treinados. E ainda hoje, a troca de tiros entre os dois países continua.

Tudo o que ocorreu não impedirá o grupo de tomar mais medidas, mas certamente teve um efeito, afirma a correspondente.

Mas é preciso também ter em mente que o Hezbollah tem aliados que asseguram que não apenas o grupo, mas o próprio Líbano, são uma linha vermelha que não pode ser cruzada por Israel.

E entre esses aliados estão o Irã, grupos paramilitares xiitas iraquianos e os houthis do Iêmen.

Um membro de um grupo paramilitar afirmou à correspondente recentemente que seus homens vêm e vão no Líbano e já têm seus agentes ajudando o Hezbollah.

Esses grupos lutaram lado a lado na Síria por anos e agora o Hezbollah pode contar com o apoio deles. Isso significa que, enquanto os ataques no Líbano foram eficazes, o Hezbollah como grupo tem profundo apoio regional, diz nNafiseh Kohnavard.

4. Os ataques aos 'pagers' do Líbano não fazem parte de uma estratégia mais ampla

Outra teoria levantada aponta que a agência de espionagem israelense Mossad havia instalado os explosivos nos dispositivos de comunicação para serem acionados apenas no caso de um conflito total no vizinho Líbano, explica o correspondente de segurança da BBC Gordon Corera.

Mas o Hezbollah teria ficado desconfiado sobre o plano, o que obrigou a Mossad a usar seu trunfo surpresa antes que perdesse a oportunidade e acionar em um dia os pagers e no dia seguinte os walkie-talkies.

A hipótese feita antes dos ataques desta sexta era de que se, de fato, Israel decidiu agir para não desperdiçar sua vantagem, não haveria certeza de um plano mais amplo por trás do lançamento do ataque, segundo Corera.

Essa possibilidade, porém, pode ser bastante questionada diante do bombardeio que parece ter sido planejado por Israel para matar um comandante do Hezbollah.

Amjad Iraqi, da Chatham House, sugere que a operação de transformar pagers e walkie-talkies em dispositivos explosivos levou meses, se não anos, para ser feita. Mas o porquê ela foi acionada agora tem sido objeto de especulação em várias reportagens.

"Algumas reportagens de notícias e mídia estão dizendo que o Hezbollah estava descobrindo que esses dispositivos podem ter sido adulterados de alguma forma", diz Iraqi.

“Outros dizem que houve um esforço mais estratégico e concentrado no sentido de que, à medida que os israelenses estão lentamente reduzindo suas operações em Gaza, eles agora estão se inclinando e se preparando cada vez mais em direção ao Líbano.”

 

Fonte: BBC News

 

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