segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Riqueza é promessa distante na "cidade do lítio" na Bolívia

Quem anda pelas ruas da cidade de Uyuni, na Bolívia, porta de entrada da região que abriga as maiores reservas de lítio do mundo, se vê muito distante da discussão sobre os interesses do bilionário Elon Musk no mineral ou dos pontos de discórdia que afastam empresas alemãs e aproximam russos e chineses da exploração da commodity no local.

Estima-se que a região do maior deserto de sal do mundo, o Salar de Uyuni, localizado na província de Antonio Quijarro, no departamento de Potosí, contenha mais da metade da reserva global de lítio, matéria-prima usada, entre outras coisas, para a produção de baterias de carros elétricos, painéis solares e turbinas eólicas, e que dão o tom do mundo verde que o futuro promete.

Apesar de ser o ponto de partida para dias mais sustentáveis, o verde pouco se vê por aqui e a riqueza que a exploração do lítio poderia gerar ainda é distante da população local, que convive com a alta taxa de pobreza e pequena cobertura de saneamento básico, por exemplo.

·        Veias abertas

A região de Uyuni parece que jamais será aquilo que poderia ter sido. No século 19, o local era um importante centro de transporte dos minerais que saíam do Chile e da Bolívia e iam até o Pacífico – via que, com o tempo, caiu em desuso. Hoje, os trens abandonados fazem a alegria dos milhares de turistas, em sua maioria europeus, que correm para subir nas locomotivas antigas e tirar selfies.

Há três quilômetros do centro de Uyuni, um moderno aeroporto recepciona os visitantes e poucos profissionais estrangeiros que vêm à região conhecer o Salar, localizado a quase 4.000 metros de altitude, e que conta com cerca de 23 milhões de toneladas de lítio em suas profundezas.

A cidade de cerca de 40 mil habitantes possui ruas de terra batida, que geram um pó excessivo mesmo com o baixo movimento de veículos; modestas edificações sem reboco; e praças de ode àqueles trens do passado, que mostram que o futuro ainda não chegou por aqui.

"Claro que ouvimos falar do lítio, mas ainda não é algo que mude nossas vidas. Por aqui, ainda continuamos a depender dos estrangeiros que vêm visitar as belezas desse lugar ou da agricultura e da pequena pecuária", conta Oscar Ramirez, guia de turismo.

A riqueza do solo faz a contradição entre o presente e o futuro pretérito ser gritante. O departamento de Potosí, onde um milhão de bolivianos vivem, é um dos mais pobres da Bolívia. Por aqui, cerca da metade da população não tem acesso a água encanada e 60% dos habitantes vivem em situação de pobreza, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística da Bolívia.

O acesso à saúde e saneamento também é limitado. Segundo o órgão, na Bolívia, são cerca de 34 mil habitantes para cada hospital. Na região de Potosí, o número chega a 50 mil. Por aqui também, cerca de 35% não têm acesso a banheiros na residência, enquanto que no resto do país o número cai para 7%.

"Falam que a exploração do lítio é para o futuro, então, por enquanto, essa atividade não nos transformou em uma sociedade rica", diz José Martinez, que vende produtos na garagem de casa, no município de Colchani, que possui cerca de mil habitantes, localizado a 20 quilômetros de Uyuni.

·        Tentativa de industrialização

O tempo parece correr mais devagar por aqui. Apesar do hype recente que o lítio recebe, a exploração da commodity está na mira do governo boliviano há anos. O decreto 29.496, promulgado em 2008, declarou a industrialização do Salar de Uyuni como prioridade nacional. Dois anos mais tarde, o governo criou a estatal YLB (Yacimientos de Litio Bolivianos) para explorar o lítio da região.

A partir de 2018, um empreendimento conjunto entre Berlim e La Paz deveria dar o pontapé inicial na produção de lítio, o que dava grandes esperanças para a Alemanha como país produtor de automóveis. No entanto, a turbulência política interna na Bolívia enterrou o projeto, que agora tem empresas da Rússia e China como parceiros, e que prometem investir 450 milhões de dólares e 1,4 bilhão, respectivamente.

Segundo a socióloga e mestre em Energia pela Universidade Federal do ABC, Elaine Santos, que integra o Grupo de Estudios en Geopolítica y Bienes Naturales, que tem como seu tema foco a exploração de lítio na América Latina, a parceria com os dois países tem a pretensão de usar o lítio como um modelo de desenvolvimento da Bolívia, fomentando toda a cadeia produtiva dentro do país, o que ainda não foi alcançado.

"À época, a parceria com os alemães gerou uma série de protestos de movimentos sociais e indígenas porque eles entendiam que ia repetir aquele ciclo de exportação, de levar os recursos e essas comunidades no entorno, ou mesmo o país, não iam ter vantagem com isso", diz.

"Por isso, a Bolívia acabou fazendo um acordo com a China e Rússia para tentar utilizar essa expertise na fabricação de baterias. Ao mesmo tempo, a gente não sabe ainda se isso vai de fato acontecer e em que ponto, porque esse acordo foi fechado em 2021 e, até o momento, a gente não tem uma bateria de lítio produzida no país", completa.

Além disso, para Santos, o fato de o lítio estar localizado próximo a comunidades tradicionais na Bolívia dificulta o já penoso processo de uma exploração que pouco demanda do capital humano.

"No caso boliviano, uma questão central é o lítio estar localizado em comunidades tradicionais, que têm um modo de vida e uma forma específica de girar a economia local. Isso já gera uma dificuldade de um impacto direto. A outra coisa é que a indústria de mineração do lítio tem um trabalho bastante técnico, que não envolve normalmente as pessoas dessas comunidades, e que também não emprega muita gente", afirma.

Para o economista Jaime Dunn De Avila, formado pela Universidade Católica Boliviana, apesar de o presidente Luis Arce ter reafirmado o compromisso com o desenvolvimento da indústria do lítio, está mais difícil atrair investimentos estrangeiros após o preço da tonelada cair de 80 mil dólares para cerca de 10 mil dólares.

"Na Bolívia, esta queda de preços agravou os desafios existentes. Embora os preços baixos afetem a rentabilidade, as questões mais cruciais vão além do preço. Não se sabe exatamente quanto das reservas de lítio são comercialmente exploráveis, e a eficácia da tecnologia de extração direta de lítio, que ainda está em fase experimental, permanece sem comprovação", diz.

·        Brasil, semelhanças e diferenças

O Brasil, que possui a quinta maior reserva de lítio do mundo, também passa por sua tentativa de desenvolvimento econômico e sustentável. Assim como na Bolívia, a região do "Vale do Lítio", localizada no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, é uma das mais pobres do Sudeste.

Para Giorgio de Tomi, chefe do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da USP, tal qual a Bolívia, a riqueza da exploração do lítio ainda deve demorar décadas para gerar um desenvolvimento real à região.

"Isso é gradual. Em operações de mineração, os royalties não são tão expressivos como petróleo e os investimentos são mais graduais. Vai uma década para uma mina começar a operar e, mesmo assim, da descoberta até a operação vai muito tempo, até o royalty só vem com produção, então o crescimento é gradual, não é tão rápido quanto gostaríamos", diz.

 

¨      Maduro fala em 'vergonha alheia' após opositor González acusar governo de coerção

O presidente reeleito da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou nesta quinta-feira (19) que o candidato que representou a coalizão opositora na eleição de julho, Edmundo González, lhe pediu "clemência" para sair do país.

Alvo de mandado de prisão, por não ter comparecido à justiça e explicado o que o fez fazer o que fiz, Gonzalez figura como um "asilado" na Espanha.

"Me dá vergonha alheia que o senhor González, que me pediu clemência, não tenha palavra com o que se empenhou e alegue sua própria covardia para tentar salvar sei lá o quê. [...] Ninguém pode alegar sua própria covardia e sua própria traição a seus seguidores em defesa própria", disse Maduro.

Maduro se referiu às declarações feitas por González de que teria sido coagido a assinar uma carta no qual se compromete a acatar a sentença que confirmou sua derrota no pleito. O documento é assinado pelo ex-diplomata e pelo líder da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez.

Relações com a Espanha

Na quinta-feira (12), durante a apresentação de um livro em Madri, a ministra da Defesa espanhola, Margarita Robles, referiu-se ao governo do presidente Nicolás Maduro como uma "ditadura" e saudou os venezuelanos que deixaram o país "por causa disso".

Em uma publicação na plataforma de mensagens Telegram nesta sexta-feira (13), o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, classificou os comentários como "insolentes, intervencionistas e rudes", e que os mesmos resultaram na convocação da embaixadora, segundo a Reuters.

Gil disse que chamou Gladys Gutierrez para consultas e ao mesmo tempo convocou o embaixador espanhol na Venezuela, Ramon Santos, para comparecer ao seu ministério nesta sexta-feira (13).

O chanceler espanhol José Manuel Albares minimizou a atitude da Venezuela hoje (13).

"Convocar um embaixador, já o fiz em várias ocasiões, e chamá-lo para consultas são decisões soberanas de cada país e não há nada a comentar", disse ele à rádio RNE, acrescentando que estava trabalhando para "ter as melhores relações possíveis com o povo irmão da Venezuela".

Na quinta-feira (12), o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez se encontrou com o líder da oposição autoexilado da Venezuela, Edmundo González, em Madri, um dia após a câmara baixa do Parlamento espanhol votar para reconhecer González como o vencedor da eleição presidencial venezuelana.

 

¨      MST mantêm parceria histórica com Venezuela independente de crise entre Lula e Maduro, diz Stédile

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lança nova parceria com a Venezuela, independente da crise entre os governos Lula e Maduro. Para o dirigente do movimento, João Pedro Stédile, Itamaraty não respeita a vontade popular ao adotar postura controversa em relação às eleições na Venezuela.

Apesar da atual crise diplomática entre os governos Lula e Maduro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) firma nova parceria com a Venezuela. De acordo com o dirigente do MST, João Pedro Stédile, "nossa aliança com a Venezuela é histórica e permanente, independe de períodos eleitorais ou governos de plantão".

Em cerimônia que contou com a presença do líder venezuelano Nicolás Maduro, o MST inaugurou um projeto para a produção de alimentos em terreno de mais de 10 mil hectares no estado de Bolívar, reportou o movimento social.

"O MST tem uma experiência maravilhosa. Respeitam a terra, produzem na terra, praticam a solidariedade, os valores humanos. Bem-vindo, MST!", disse o presidente da Venezuela ao anunciar a parceria durante o programa "Com Maduro".

De acordo com o membro da coordenação nacional do MST, João Pedro Stédile, o projeto no estado de Bolívar é mais um capítulo de uma longa parceria com a Venezuela, que remonta ao governo Hugo Chaves.

"A nossa pauta nos acordos foi de ajudar a Venezuela a organizar uma escola de agroecologia chamada IALA [Instituto Agroecológico Latino-Americano] e desenvolver a produção de sementes de hortaliças antes compradas no exterior, inclusive de Israel", disse Sédile à Sputnik Brasil. "Do lado venezuelano, eles sempre nos ajudaram com vagas de estudantes de medicina na ELAM [Escola Latino-Americana de Medicina]. E nós sempre oferecemos vagas em nossas escolas políticas e técnicas do Brasil."

O dirigente do MST ainda nota a convergência política entre as partes, identificando uma "identidade ideológica com o governo chavista, por sua postura anti-imperialista e de construção de um projeto de libertação nacional".

A crise instalada após o processo eleitoral venezuelano entre os governos Lula e Maduro não deve impedir a execução dos projetos do MST, asseverou Stédile. O Brasil ainda não reconheceu a vitória de Maduro nas últimas eleições presidenciais, por solicitar acesso a todas as atas eleitorais do país, ao invés de acatar a decisão do seu Tribunal Superior Eleitoral.

Segundo Stédile, a atual postura do Itamaraty "não cumpre com a nossa Constituição, segundo a qual o governo brasileiro deve sempre respeitar a autodeterminação dos povos e a soberania dos outros governos".

"Temos uma visão crítica do Itamaraty, que historicamente se comporta pautado pelos interesses medíocres de seus diplomatas, sem respeitar a vontade política do povo brasileiro", declarou Stédile. "A postura adotada esteve muito mais interessada em agradar a europeus e americanos [...] como se o povo brasileiro tivesse elegido o Lula por nada."

Apesar da proximidade do MST com o presidente Lula, Stédile não antecipa que o movimento atue como mediador entre os países vizinhos. De acordo com Stédile, "não cabe ao MST ser ponte para nada. Temos autonomia em relação aos governos, aos partidos e aos Estados. E achamos que a história vai nos ajudar a que as relações voltem à amizade natural. Ela já existe e está mantida entre os povos, suas organizações e partidos. Só faltam os dois governos".

<><> Itamaraty não é consenso

O descompasso entre a atual política externa e a posição de movimentos sociais de esquerda, como o MST, demonstram que a posição do Itamaraty em relação à eleição de Nicolás Maduro não é consensual. Para a professora e doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) Júlia Almeida da Silva, o Brasil interfere em assuntos internos da Venezuela ao não reconhecer a decisão do Tribunal Superior Eleitoral do país.

"Essa é uma mudança muito significativa do governo Lula, que constrói uma perspectiva de questionar processos internos, coisa que a diplomacia brasileira não tem histórico de fazer", disse Silva à Sputnik Brasil. "A partir do momento em que a Justiça venezuelana referenda a posição de Maduro, e Lula ainda assim a questiona, solicitando a divulgação das atas, ele está interferindo e questionando um processo interno."

Segundo ela, a insistência na publicação das atas não só tem afastado o Brasil de seus parceiros regionais de mediação, como Colômbia e México, mas também "valida, de forma não razoável, posições como a de Argentina e EUA nesse processo".

Silva nota que o governo Lula sofre pressão por parte da extrema direita, que associa a Venezuela a todos os supostos males das ideologias de esquerda. Em resposta, o Itamaraty de Lula tem antagonizado não só Caracas, mas também outros governos de esquerda taxados de autoritários, como a Nicarágua.

"O governo brasileiro tenta dizer que não referenda nenhum tipo de autoritarismo, [...] tentando se contrapor às ameaças democráticas que a extrema direita tem representado ao mundo", considerou Silva. "De certa maneira, [o governo brasileiro] reproduz o antagonismo que o Partido Democrata dos EUA tem feito entre democracia e autoritarismo."

Este novo paradigma, no entanto, tem gerado crises diplomáticas e modificado a postura historicamente universalista da política externa brasileira. Ao seguir este caminho, o Brasil "tem aberto mão de alianças importantes e do combate ao imperialismo".

Em contraste, o governo brasileiro tem reduzido o tom de suas críticas a Israel, e pouco teve a dizer sobre a recusa do presidente francês Emmanuel Macron em reconhecer o resultado das eleições no seu próprio país. Para Silva, testemunhamos "um realinhamento brasileiro com as grandes potências capitalistas".

"Nesse sentido, acho que a diplomacia brasileira tem menos altivez e autonomia do que já teve em períodos passados nessa capacidade de construção de um bloco que realmente consiga se opor ao imperialismo norte-americano", concluiu a especialista.

 

Fonte: DW Brasil/Sputnik Brasil

 

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