Sonho de produzir eletricidade a partir do ar pode estar mais perto
Ninguém no laboratório conseguia acreditar no que
estava vendo. Um dispositivo experimental, um sensor de umidade, começou a
gerar sinais elétricos.
Só que isso não deveria ser possível.
"Por alguma razão, o aluno que estava
trabalhando no dispositivo esqueceu de ligar a energia", lembra Jun Yao,
da Universidade de Massachusetts Amherst.
"Esse é o começo da história."
Desde aquele momento, cinco anos atrás, Yao e seus
colegas desenvolveram uma tecnologia que pode obter eletricidade a partir do ar
úmido, o que é chamado de higroeletricidade.
É uma ideia que existe há muitos anos. O famoso inventor
Nikola Tesla (1856-1943) e outros investigaram essa possibilidade no passado,
mas nunca alcançaram resultados promissores. Mas finalmente isso pode estar
prestes a mudar.
Vários grupos de pesquisa em todo o mundo estão
descobrindo novas maneiras de extrair eletricidade de moléculas de água que
flutuam naturalmente no ar.
Isso é possível porque essas moléculas podem
transferir pequenas cargas elétricas entre si — um processo que os
pesquisadores querem dominar.
O desafio é obter eletricidade suficiente para que
a tecnologia seja minimamente útil. Mas os cientistas agora acreditam que
conseguem obter o suficiente para alimentar pequenos computadores e sensores.
A higroeletricidade traz a perspectiva tentadora de
uma nova forma de energia renovável cuja fonte pode estar flutuando ao nosso
redor.
Em 2020, Yao e seus colegas publicaram um artigo
científico que descrevia como minúsculos nanofios de proteína, produzidos por
uma bactéria, conseguiam coletar eletricidade do ar.
O mecanismo exato ainda está em discussão, mas os
minúsculos poros do material parecem ser capazes de prender moléculas de água.
À medida que se esfregam contra o material, as moléculas parecem fornecer uma
carga.
Yao explica que, em tal sistema, a maioria das
moléculas fica perto da superfície e gera muita carga elétrica, enquanto outras
penetram mais profundamente. Isso cria uma diferença de carga entre as partes
externa e interna do material.
"Com o tempo, você vê que há uma separação de
carga acontecendo", diz Yao. "Isso é o que acontece em uma
nuvem."
Em uma escala muito maior e mais dramática, as
nuvens de tempestades também incorporam um acúmulo de cargas elétricas opostas
que eventualmente descarrega na forma de um raio.
Assim, ao controlar o movimento das moléculas de
água e criar as condições certas para a separação de cargas, seria possível
gerar eletricidade.
"O dispositivo pode funcionar literalmente em
qualquer lugar da Terra", diz Yao.
Yao e seus colegas publicaram um novo estudo em
maio de 2023, no qual criaram o mesmo tipo de estrutura, preenchida com
nanoporos, mas usando uma variedade de materiais diferentes – de flocos e
polímeros de óxido de grafeno, a nanofibras de celulose derivadas da madeira.
Todos eles funcionaram, embora com algumas pequenas
diferenças. Isso sugere que a estrutura é o que importa, e não o material em
si.
Nos experimentos até agora, dispositivos mais finos
que um fio de cabelo humano geraram quantidades muito pequenas de eletricidade,
equivalentes a uma fração de volt.
Yao afirma que, com material mais volumoso, é
possível começar a obter cargas úteis, com vários volts.
Ele sugere que até mesmo um líquido a ser
pulverizado com spray em superfícies poderia fornecer uma fonte de energia
instantânea.
"Acho que é realmente empolgante", diz
Reshma Rao, engenheira de materiais do Imperial College London, no Reino Unido,
que não participou do estudo.
"Há uma enorme flexibilidade no tipo de
materiais que você pode usar."
No entanto, pode não ser realista imaginar tal
tecnologia alimentando edifícios inteiros ou máquinas que consomem muita
energia como carros, adverte Rao.
A umidade pode ser suficiente apenas para alimentar
dispositivos do tipo "internet das coisas" (internet of things, em
inglês, que se refere a objetos do cotidiano que são conectados à internet),
como sensores ou pequenos eletrônicos.
A equipe de Yao está longe de ser a única que
investiga o ar úmido como uma potencial fonte de energia. Em 2020, um grupo de
Israel publicou que conseguiu coletar eletricidade passando ar úmido entre duas
peças de metal.
Esse tipo de fenômeno foi registrado pela primeira
vez em 1840, quando um maquinista de uma mina de carvão ao norte de Newcastle,
na Inglaterra, sentiu uma estranha sensação de formigamento na mão enquanto
operava o trem.
Depois, ele notou uma pequena faísca saltando entre
seu dedo e uma das alavancas do veículo. Os cientistas que investigaram o
ocorrido concluíram que o atrito do vapor contra o metal da caldeira do motor
causou o acúmulo de carga.
Colin Price, pesquisador em ciências atmosféricas
da Universidade de Tel Aviv, em Israel, coautor do artigo de 2020, diz que as
cargas geradas em experimentos de laboratório com pequenos pedaços de metal
foram muito baixas.
No entanto, ele afirma que ele e seus colegas estão
trabalhando para melhorar o sistema. Ainda assim, uma limitação pode ser que o
grupo trabalha com uma umidade mínima de 60% nos experimentos, enquanto os
dispositivos do grupo liderado por Yao começam a gerar eletricidade a uma
umidade relativa de cerca de 20%.
Enquanto isso, uma equipe em Portugal está
trabalhando em um projeto financiado pela União Europeia chamado CATCHER, que
também visa aproveitar o ar úmido como fonte de energia.
Svitlana Lyubchyk, cientista de materiais da
Universidade Lusófona de Lisboa, em Portugal, coordena o projeto e é
cofundadora de uma empresa chamada CascataChuva.
"Acho que o protótipo estará pronto até o
final deste ano, mais ou menos", diz Lyubchyk, enquanto seu filho Andriy
Lyubchyk, que também é cofundador da empresa, apresenta um vídeo de uma pequena
luz LED sendo ligada e desligada.
Ele segura um disco cinza de cerca de 4 cm de
diâmetro, feito de óxido de zircônio, explicando que esse material pode
capturar moléculas de água do ar úmido e forçá-las a fluir por canais
minúsculos.
Ele diz que um único disco gera carga elétrica
suficiente para fornecer cerca de 1,5 volts. Apenas dois discos são suficientes
para alimentar a luz de LED, afirma ele, acrescentando que muito mais peças do
material podem ser encadeadas para produzir ainda mais.
No entanto, embora algumas informações sobre o
trabalho estejam disponíveis online, detalhes completos sobre os experimentos
mais recentes da equipe ainda precisam ser publicados ou revisados por pares.
O grupo também não quis compartilhar qualquer
material mostrando como os discos são conectados ao LED para alimentá-lo.
Muitas questões permanecem sobre os mecanismos por
trás de todos essas invenções higroelétricas, diz Rao.
"Há muito mais a ser investigado em termos dos
fundamentos de por que isso funciona."
Há também a questão da comercialização. Qualquer
pessoa que pretenda vender uma tecnologia como essa precisará provar que esta
forma de produção de energia é competitiva, autossuficiente e economicamente
vantajosa em comparação com outras fontes renováveis, diz Sarah Jordaan,
engenheira civil da Universidade McGill, no Canadá.
Jordaan estuda os aspectos ambientais e econômicos
das fontes de energia.
As tecnologias de energia renovável mais
estabelecidas, como a eólica e a solar, claramente saem em vantagem. Elas
provavelmente serão ainda mais importantes na próxima década, uma época em que
o distanciamento dos combustíveis fósseis será particularmente urgente.
Apesar desses desafios, Rao afirma que ainda há um
"raio de esperança" de que novas tecnologias surgirão das pesquisas
com higroeletricidade.
Fonte: BBC Future
Nenhum comentário:
Postar um comentário