Tratamentos com células-tronco: por que são caros, sem comprovação e
podem ser perigosos
Clínicas clandestinas que vendem tratamentos com
células-tronco estão surgindo em toda parte. Há centenas delas em todo o mundo,
anunciando que podem curar de tudo, desde autismo até paralisia cerebral.
A maior concentração de clínicas de tratamento com
células-tronco encontra-se nos Estados Unidos, México, Índia e China. E as
pessoas estão viajando grandes distâncias para obter esses tratamentos, gerando
um fenômeno conhecido como turismo das células-tronco.
Apesar das advertências feitas por cientistas, pela
imprensa e por órgãos reguladores de que esses tratamentos não foram testados e
são potencialmente perigosos, pessoas desesperadas estão desembolsando milhares
de dólares para, basicamente, servirem de cobaias para tratamentos sem
comprovação científica.
Nos Estados Unidos, diversos pacientes perderam a
visão após serem submetidos a um tratamento com células-tronco para condições
degenerativas nos olhos.
Os pacientes, que foram atendidos em uma clínica
não regulamentada de tratamento com células-tronco na Flórida, pagaram até US$
20 mil (cerca de R$ 96 mil) para participar do "ensaio clínico".
Outros relatos destacaram danos graves associados a
tratamentos não regulamentados com células-tronco, incluindo febre, infecções,
tumores, inflamação cerebral, coágulos sanguíneos potencialmente mortais,
incapacidade e até morte.
• Como
as células-tronco funcionam
Algumas partes do corpo humano possuem a notável
capacidade de se regenerar e substituir células lesionadas ou perdidas.
A pele humana, por exemplo, se renova completamente
a cada quatro semanas. Já os glóbulos vermelhos do sangue são totalmente
substituídos em cerca de quatro meses. Mas, infelizmente, alguns órgãos são
menos eficientes ou incapazes de se regenerar.
Esta autorreparação ou regeneração é uma função
primária das células-tronco. Diferentemente das outras células do nosso corpo,
as células-tronco possuem a capacidade única de se transformar em diferentes
tipos de células, cada qual servindo a uma função específica.
No início do desenvolvimento humano, as
células-tronco são denominadas pluripotentes, o que significa que elas podem se
transformar em qualquer tipo de célula do corpo.
Mas, à medida que o embrião se desenvolve, as
células-tronco ficam mais especializadas e só conseguem se transformar em
certos tipos de células específicas. E, nos seres humanos adultos, essas
células-tronco especializadas são denominadas células-tronco adultas.
As células-tronco adultas não são tão versáteis
quanto as embrionárias porque só conseguem se transformar em tipos de células
similares à sua fonte. As células-tronco encontradas na medula óssea, por
exemplo, só podem se transformar em glóbulos sanguíneos, enquanto as
células-tronco do cérebro só conseguem substituir células cerebrais.
Além da sua função de substituir células
específicas, todas as células-tronco colaboram com a autocura das células e dos
órgãos, liberando substâncias benéficas armazenadas em pequenas gotículas de
lipídios, chamadas vesículas extracelulares.
As células-tronco possuem grande potencial para
pesquisas e tratamentos médicos, uma vez que são capazes de ajudar a reparar
tecidos e órgãos lesionados do corpo. De fato, milhares de testes clínicos
legítimos estão em andamento para explorar seu potencial de cura.
Mas ainda é cedo, e apenas poucos tratamentos com
células-tronco — para um número limitado de condições — já foram aprovados por
agências reguladoras de medicamentos, como a FDA, nos EUA, ou a EMA, na União
Europeia.
As terapias com células-tronco aprovadas nos EUA
incluem as voltadas a tipos específicos de câncer, retração gengival,
degeneração de cartilagens e atrofia muscular espinhal. Em todos estes
tratamentos aprovados, tipos muito específicos de células-tronco são usados
para cada condição.
De forma geral, o tratamento com células-tronco
ainda está em um estágio muito inicial e, certamente, não é uma terapia para
uso geral, nem uma cura milagrosa para todas as doenças ou condições.
Qualquer clínica que ofereça tratamentos com
células-tronco sem autorização dos órgãos reguladores estará vendendo terapias
sem comprovação científica e potencialmente perigosas.
• Brecha
legal
Na União Europeia e no Reino Unido, algumas
clínicas estão agindo de forma antiética e se aproveitando de uma brecha
regulatória.
Se as células-tronco não forem modificadas de
nenhuma forma após serem extraídas e depois forem reinseridas em uma pessoa,
estes procedimentos não estarão sujeitos à regulamentação dos chamados
medicamentos de terapia avançada (medicamentos baseados em genes, tecidos ou
células).
Como resultado desta falta de regulamentação, não
há padrões de controle de qualidade — se é que existe algum tipo de controle de
qualidade. Por isso, não é possível garantir a eficácia e a segurança desses
tratamentos com células-tronco.
Para convencer possíveis clientes de que suas injeções
de células-tronco funcionam, muitas dessas empresas evitam fazer referência a
evidências científicas confiáveis, como ensaios clínicos randomizados — o
padrão-ouro dos testes para novos tratamentos.
Em vez disso, elas recorrem a evidências que têm
alguma base médica e científica, mas foram retiradas de contexto.
Muitas vezes, essas clínicas usam testemunhos de
pacientes, por escrito ou em vídeo, que não podem ser verificados. Ou mencionam
celebridades que foram tratadas na clínica, usando sua fama e influência para
criar uma sensação de legitimidade, apesar da falta de evidências científicas
ou de supervisão dos órgãos reguladores.
Devido à falta de regulamentação e de medidas de
controle de qualidade não divulgadas nessas clínicas de células-tronco, os riscos
de efeitos colaterais perigosos e complicações são significativos.
Os tratamentos com células-tronco sem comprovação
científica também podem fazer com que os pacientes posterguem ou desistam de
tratamentos comprovadamente seguros e eficazes para suas condições. Estes
atrasos podem ter sérias consequências, uma vez que podem permitir a progressão
ou agravamento da condição subjacente, na falta de intervenção médica
apropriada.
* Darius Widera é professor de biologia de
células-tronco e medicina regenerativa da Universidade de Reading, no Reino
Unido.
Fonte: Por Darius Widera, para The Conversation
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