terça-feira, 11 de julho de 2023

Bombas de fragmentação em Kiev: “Escolha perversa e trágica”

"Uma má escolha". Assim, o arcebispo Giovanni Ricchiuti, presidente da Pax Christi e bispo de Altamura-Gravina-Acquaviva delle Fonti, comenta a Il Fatto Quotidiano sobre a decisão da Casa Branca de fornecer bombas de fragmentação à Ucrânia. "Neste contexto - afirma o prelado - nesta escolha perversa, trágica e dramática de fornecer bombas de fragmentação a Kiev, elevando assim o nível do confronto, que cenários possíveis não se abririam senão os de uma escalada da guerra entre a Rússia e Ucrânia. Apesar das viagens de paz, das missões de paz, da diplomacia de paz, do apoio humanitário que a Igreja e muitas associações continuam a dar à Ucrânia, para que servem todas estas coisas se a continuação de uma guerra que ninguém realmente conhece parece inevitável prever quando e como isso vai acabar?”.

Eis a entrevista.

·         Vossa Excelência esteve recentemente na Ucrânia e também viu os efeitos devastadores das bombas de fragmentação. O que mais te impressionou?

Em um jardim de infância em Nikolaev, vi vestígios de bombas de fragmentação no chão. O diretor do instituto chorou pensando nos estragos nas pessoas e nos prédios. Mesmo enquanto conversávamos, as explosões das bombas podiam ser ouvidas e vistas. A notícia de que essas bombas de fragmentação também podem ser utilizadas pela Ucrânia não pode deixar de ser motivo de desânimo para quem deseja esta paz, uma paz justa no sentido de que é fruto do diálogo, da acção conjunta, da não interposição de violência entre os dois contendores, entre quem ataca e quem é atacado. Uma decisão que continua a alimentar esta escalada. A propósito, não sei por que, os americanos disseram que era uma escolha difícil enviar bombas de fragmentação para a Ucrânia, mas a escolha foi feita. Apesar de 123 países terem aderido à convenção que os proíbe, com exceção, coincidentemente, dos Estados Unidos, Rússia e Ucrânia. A França e a Alemanha imediatamente sublinharam sua oposição, afirmando que esses não eram os pactos, enquanto a OTAN lavava as mãos.

·         Várias vezes, mesmo durante esses 500 dias de conflito na Ucrânia, muitos líderes internacionais reiteraram que atacar civis indiscriminadamente é um crime de guerra. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e a vice-presidente americana, Kamala Harris, também o disseram. O que mudou?

Certamente alvejar civis indiscriminadamente é um crime de guerra. Mas a própria guerra é um crime contra a humanidade porque as vítimas estão entre os que atacam e os que são

atacados, entre os que invadem e os que são invadidos. É precisamente a lógica da guerra como solução dos conflitos que volta mais uma vez, sessenta anos depois da encíclica Pacem in terris de São João XXIII, para denunciar que é alienum est a ratione resolver os conflitos com a guerra. Em vez disso, diante da evidência dessa irracionalidade, as vozes do que gosto de chamar de pessoas de paz, as vozes da paz, não são ouvidas. Então, quem sabe quantos crimes contra a humanidade haverá. Sabemos que a Rússia está cometendo crimes contra a humanidade. Não gostaria que a resposta defensiva gerasse, por sua vez, crimes contra a humanidade, ainda que por razões de defesa, porque civis e crianças são igualmente afetados, de ambos os lados. Uma escalada verdadeiramente preocupante e trágica.

·         Quais serão os próximos movimentos da Igreja Católica?

Zelensky praticamente disse ao Papa: “Fique no seu lugar: apenas reze”. Como me disse o bispo católico de Odessa, que me aconselhou a não ir lá: “Reze em casa para que não assumamos a responsabilidade caso você seja atingido. Ou seja, apenas ore. E se quiser nos fazer um favor, mande-nos as armas”. Tanto é assim que o próprio bispo católico de Odessa, em entrevista, disse que as armas que enviamos são abençoadas por Deus. Há quem defenda que a Igreja não deve entrar na geopolítica desta guerra, deve apenas pensar no nível humanitário. Não me parece que a missão a Kiev e Moscou do cardeal Matteo Maria Zuppi, enviado do Papa, tenha servido apenas para dizer que a Igreja enviará ajuda. Ele também foi lá para dizer, em nome do Papa: “Pare com isso! O Vaticano está aqui, a Igreja está aqui para mediar". Mas os dois parecem surdos. E eu me pergunto por que a Igreja não deveria se envolver na geopolítica? Por que a Igreja deve permanecer confinada apenas ao nível humanitário? Para nós, cristãos, a paz é profecia. Não podemos aceitar, como nos ensinou São João XXIII, que a Igreja não entre na geopolítica. Como se expressa a voz dos pacificadores? A profecia da paz é certamente difícil, mas creio que na Igreja e no mundo precisamos mais de profecia do que de diplomacia. Quando falo de diplomacia, refiro-me a uma lógica mundana que também poderia justificar o uso de armas. Não estou falando do discurso diplomático: é o que falta. Tecer uma rede de relações em vista da paz é necessário. Digo que em primeiro lugar, porém, deve haver profecia na qual também devemos saber, como cristãos, dar a vida como todos os profetas a deram. O primeiro, obviamente, foi Jesus Cristo que, justamente por sua profecia de paz e não-violência, foi crucificado.

 

Ø  Joe Biden cruza outra linha vermelha: enviará as mortíferas bombas de fragmentação. Por Lucia Capuzzi

 

política dos EUA em relação à Ucrânia cruza linha vermelha após linha vermelha. O 42º pacote de armas de US$ 800 milhões, além de elevar o comprometimento da Casa Branca a um total de mais de 40 bilhões, também incluirá munições ou bombas de fragmentação. Após os rumores de mídia, a Casa Branca confirmou ontem. “Reconhecemos que as munições de fragmentação criam riscos para os civis, mas Kiev, no entanto, comprometeu-se por escrito a minimizá-los”, disse o assessor de Segurança Nacional, Jack Sullivan após as pressões da Alemanha e da França, os apelos da ONU, Human Right Watch e Anistia Internacional, e a reação furiosa de Moscou. “Uma perigosa escalada”, disse o embaixador na ONU, Vasilij Nebenzya, representante de um país que, no entanto, as emprega desde o início do conflito. “É por isso que precisamos delas. Mais armas, mais armas”, rebateu o conselheiro presidencial Mykhailo Podolyak.

A Ucrânia, por sua vez, também recorreu a elas. Com o fornecimento de Washington, no entanto, Joe Biden realiza uma inversão drástica em relação ao passado recente. Desde 2016, durante o governo de Barack Obama de que o atual presidente era vice, os EUA decidiram limitar o uso de bombas de fragmentação devido ao alto número de não combatentes mortos. Não exatamente uma proibição.

Ao menos, porém, Washington tentava se alinhar à linha dos 164 países que, em 2008, as haviam proibido. A invasão russa de Kiev, no entanto, mudou as regras do jogo. E o mais importante, criou uma narrativa funcional para tal cesura, em que tudo é permitido para derrotar o mal.

Uma visão míope como as guerras do recente passado tragicamente demonstraram.

Assim, diante do impasse na batalha, Biden desencavou uma espécie de munição contendo uma série de bombas menores que se espalham por uma área de até 30.000 metros quadrados, multiplicando a "eficácia". Ou seja, as pessoas feridas ou mortas, muitas vezes civis. Não só isso. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (ICR) afirma que 40 por cento dos as munições usadas em conflitos recentes - do Afeganistão à Síria - permaneceram sem explodir.

Camufladas no chão, elas ainda estão à espreita, prontas para atacar. Afinal, entre 3 e 40 por cento da munição não explode no momento exato. Exatamente isso havia levado o Comitê para a eliminação das bombas de fragmentação a lutar pela sua proibição com a Convenção, à qual 71 países não aderiram, entre os quais a Rússia e a Ucrânia. Além dos EUA, obviamente. Que, no entanto, têm uma lei de 2011 que proíbe o comércio e o repasse de munições de fragmentação com uma margem erro superior a um por cento. No entanto, é possível contorná-la fornecendo munições com uma percepção inferior de material não explodido. Um dos idealizadores da Convenção, curiosamente, foi o então primeiro-ministro trabalhista Jens Stoltenberg, atual secretário da OTAN e um dos mais convictos defensores do apoio militar à Ucrânia. Questionado sobre a escolha da Casa Branca, este último, que permanecerá no cargo por mais um ano, afirmou: “Elas já foram usadas ​​na guerra na Ucrânia por ambos os lados: a diferença é que o A Rússia as usa para atacar e invadir a Ucrânia, enquanto Kiev as usa para se proteger do agressor.

Os aliados concordam que precisamos fornecer apoio militar à Ucrânia: exatamente que tipo de armas e munições varia de país para país e continuará a variar. Joe Biden, portanto, não é o único a cruzar as linhas vermelhas.

 

Ø  Alheio aos apelos contrários, Brasil mantém fabricação de bombas de fragmentação

 

"Até quando a balança comercial brasileira vai se sobrepor à política humanitária e lucrar com a vida de pessoas?", pergunta Gustavo Oliveira Vieira, coordenador da Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres e Bombas Cluster. A pergunta faz referência ao fato de o Brasil, apesar da pressão de ativistas, não ter assinado a Convenção de Oslo para Erradicação de Bombas Cluster.

Na opinião dele e de outros ativistas, o Brasil deu um passo à frente quando ratificou o Tratado de Erradicação das Minas Terrestres, mas deu dois passos para trás quando ignorou outro tratado, que pede o fim da produção e exportação de munições do tipo cluster. A ONU instituiu o dia 4 de abril como Dia Internacional de Alerta às Minas Terrestres e Assistência à Desminagem.

·         Minas e bombas cluster

A partir do final da década de 1990, dois tipos de materiais bélicos entraram na mira da ONU e de ONGs internacionais que buscam diminuir o risco de morte de civis em antigos campos de guerra que, aos poucos, passam a receber de volta os refugiados.

Em 1997, a Convenção de Ottawa pediu o fim da produção e comercialização de minas terrestres – materiais projetados para instalação no solo e para explodir pela proximidade ou contato com uma pessoa. O Brasil está entre os 161 países que adotaram o Tratado de Erradicação das Minas.

Em 2008, porém, o governo brasileiro caminhou no sentido contrário. Uma outra convenção foi organizada em Oslo, desta vez com o intuito de pôr fim à produção e comercialização das munições cluster, também chamadas bombas de fragmentação. Essas bombas se dividem quando ainda estão no ar, dando origem a várias minibombas, uma espécie de granada. O Brasil não faz parte da convenção de Oslo.

Oliveira diz que o Brasil está indo contra a tendência da política humanitária global e lembra que esse tipo de bomba causa ainda mais danos que as minas terrestres. "Israel usou esse tipo de bomba no sul do Líbano e, das 4 milhões de submunições lançadas, 1 milhão falhou", ou seja, ainda está no solo.

Tanto as bombas de fragmentação como as minas terrestres podem ficar enterradas por anos, sem explodir, representando um risco para a população mesmo depois do fim de um conflito. Há milhares de casos relatados de mortes e mutilações causadas por bombas há muito tempo escondidas no solo.

·         "Necessárias para a defesa do país"

Justificativas não faltam para o Brasil não ter assinado a convenção, que já foi assinada por 111 Estados, dos quais 80 a ratificaram. Entre elas, a que mais frustra especialistas no assunto é a de que as munições podem vir a ser necessárias para a defesa do país.

De acordo com Daniel Mack, coordenador internacional de políticas de controle de armas do Instituto Sou da Paz, esse argumento é obsoleto. "Mesmo se hipoteticamente o Brasil fosse atacado, o uso dessa munição seria extremamente perigoso, pois, se ela falhar, permanece no local onde caiu e pode explodir anos depois, mutilando ou matando pessoas inocentes."

Para Mack e Oliveira, é difícil acreditar que não haja interesses comerciais na decisão brasileira, já que o Brasil é produtor e exportador desse tipo de armamento.

ONGs nacionais e internacionais batalham para que o Congresso Nacional mude de opinião. Uma tentativa de proibir a produção, utilização e comercialização de bombas de dispersão foi feita em 2009 pelo então deputado federal Fernando Gabeira, mas o projeto foi rejeitado. A justificativa do relator, deputado Jair Bolsonaro, é de que armas de grande poder de destruição "são vitais para a liberdade e a sobrevivência de um povo e protegem o nosso país de algum aventureiro mais audaz que deseje adentrar nossas fronteiras".

No início de 2012, o projeto foi reapresentado pelo deputado Rubens Bueno e está agora na fase de audiências públicas.

·         Destino das munições

As minas terrestres e munições cluster foram desenvolvidas na época da Segunda Guerra Mundial e continuaram a ser usadas durante a Guerra Fria.

De acordo com Mack, as munições cluster são um armamento muito mal visto e com pouco mercado no mundo. A exceção são países onde não há preocupação com direitos humanos e onde o governo poderia usar a munição contra a própria população, como é o caso da Síria.

O Brasil já exportou munições cluster para o Irã, o Iraque e a Arábia Saudita. A última exportação de conhecimento público foi para a Malásia, em 2010. Outra polêmica estourou em 2011, quando a imprensa brasileira teve acesso aos registros antigos do Ministério da Defesa – com base na Lei de Acesso à Informação – e revelou que o Brasil havia exportado, em 2001, quase 6 milhões de dólares em bombas de fragmentação para o governo ditatorial do Zimbábue, país onde opositores ao regime são frequentemente mortos.

Em geral, é difícil obter informações sobre a produção e os valores arrecadados com a venda das bombas de fragmentação no Brasil. De acordo com o Monitor Internacional de Minas Terrestres e Munições Cluster, a única empresa brasileira que produz as bombas de fragmentação declarou em 2010 um lucro entre 60 milhões e 70 milhões de dólares por ano com exportações.

 

Ø  Turquia viola acordo com Rússia e autoriza retorno de prisioneiros de guerra à Ucrânia

 

Comandantes ucranianos que foram capturados pela Rússia, depois de liderar a defesa de Mariupol na usina siderúrgica Azovstal em 2022, prometeram retornar ao campo de batalha após seu retorno para casa no sábado (8) à noite.

Os homens estão entre os combatentes de maior destaque que caíram nas mãos dos russos desde o início da guerra. Eles anunciaram suas intenções em uma coletiva de imprensa realizada logo após sua chegada à cidade de Lviv, no oeste da Ucrânia, acompanhados pelo presidente Volodymyr Zelensky.

Eles haviam retornado da Turquia – onde estavam detidos desde setembro sob um acordo firmado com a Rússia – no mesmo avião que trouxe Zelensky de volta de seu encontro com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan.

Sob os termos de sua transferência há 10 meses, a Turquia concordou que os homens não seriam entregues à Ucrânia até o fim da guerra. Não ficou imediatamente claro por que Erdogan aparentemente violou o acordo com Moscou.

Para Zelensky, parecia marcar outra conquista significativa de sua viagem a Istambul, depois de ter conseguido forte apoio de seu anfitrião turco para a eventual adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

O cerco de Azovstal durou semanas e transformou em heróis na Ucrânia os homens e mulheres que resistiram por meses, de fevereiro até o final de maio de 2022 . Os militares russos afirmaram que mais de 2.000 militares ucranianos se renderam lá.

Na coletiva de imprensa em Lviv no sábado à noite, alguns dos combatentes falaram sobre suas experiências na Turquia e compartilharam suas expectativas para o futuro.

Denys Prokopenko, comandante do regimento Azov, disse: “O mais importante hoje é que o exército ucraniano tomou a iniciativa estratégica na linha de frente e está avançando todos os dias”.

Prokopenko disse que o retorno à linha de frente foi a razão pela qual ele e outros voltaram para a Ucrânia.

Imagens de vídeo mostraram grandes multidões reunidas em Lviv para saudar os líderes.

O vice-comandante do Azov, Svyatoslav Palamar, descreveu sua experiência na Turquia usando um poema do famoso escritor ucraniano Lesya Ukrainka.

“Somos paraplégicos de olhos brilhantes, alma forte e vontade fraca. Asas de águia estão crescendo nas nossas costas, mas estávamos presos ao solo turco”, disse ele, acrescentando que Zelensky e sua equipe encontraram a chave “para tirar suas algemas”.

“Vamos continuar a fazer o nosso trabalho. Somos militares. Fizemos um juramento”, acrescentou Palamar.

Zelensky agradeceu a sua equipe e a Erdogan em particular por ajudar a trazer os líderes do Azovstal para casa.

O presidente ucraniano também anunciou a nomeação de Oleksandr Pivnenko como novo comandante da Guarda Nacional.

Zelensky o descreveu como “um soldado poderoso e oficial de combate que se destacou nas batalhas contra os invasores russos, em particular, nas batalhas por Bakhmut” em seu discurso à Guarda Nacional da Ucrânia no final do sábado.

 

Fonte: Entrevista com o arcebispo Giovanni Ricchiuti para Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano/Avvenire/Deutsche Welle/CNN Brasil

 

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