Rafael Custódio: Condomínio de alto padrão
avança sobre área de proteção ambiental em Jacareí (SP)
Um condomínio de alto padrão construiu um
espaço de lazer, do tamanho de meio campo de futebol, dentro de uma Área de
Proteção Permanente (APP), em Jacareí, no interior de São Paulo. No local
onde a mata protegia uma nascente foram construídos uma piscina, churrasqueira,
academia e salão de festas.
Desde 2021, o local tem sido alvo de multas e
embargos judiciais por descumprimento das regras ambientais e ausência de plano
de recuperação da área degradada. A empresa responsável pela construção do
condomínio é a Mirante do Vale Empreendimentos Imobiliários e Construções
Ltda., com sede em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Segundo
apuração da Agência Pública, os lotes do condomínio são vendidos por até
R$ 750 mil e casas já construídas custam até R$ 3 milhões.
O Ministério Público do Estado de São Paulo
(MPSP) propôs uma ação civil pública sobre o caso. A área de lazer foi
interditada sob pena de multa diária, mas o condomínio ainda pode recorrer da
decisão. A construtora não é o alvo do procedimento, porque quem administra o
local atualmente é a Associação dos Adquirentes de Lotes do Loteamento Parque
Mirante do Vale, fundada em 1998 e presidida por Lairton Corrêa de Souza, que
representa os proprietários de terrenos no local.
<><> Por que isso importa?
- A
área de lazer de um condomínio de alto padrão, construído em Jacareí,
interior de São Paulo, virou alvo da Justiça por avançar sobre uma área de
proteção ambiental.
- Danos
ameaçam a fauna e a flora do local, diz documento do MPSP.
No LinkedIn de Souza,
consta que ele atuou na Petrobras como gerente de recursos humanos (RH) de uma
refinaria de petróleo em São José dos
Campos, entre janeiro de 1976 e 2004, quando ele mudou de cargo e passou a
integrar a gerência do setor de recrutamento e seleção, até 2016. Pela
petroleira, ele foi empossado também como responsável por articular as discussões sindicais de funcionários
na Nigéria, entre 2010 e 2011.
Além da passagem pela Petrobras,
a Pública apurou que ele era o sócio-administrador de uma empresa de
vendas que levava o seu nome, cujo capital social declarado era de R$ 5 mil,
com sede no condomínio Mirante do Vale. A empresa foi firmada em 2019 e
declarada inapta em 2022, por “omissão de declarações”. Outro quadro societário
de Lairton de Souza é a clínica médica ambulatorial Oliveira Beltrão, com sede
em São José dos Campos.
Atualmente, além de administrar o condomínio
Mirante do Vale, Souza é diretor de relações com os associados da Associação
Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) da seccional de São Paulo, com sede na
capital paulista, desde outubro de 2017.
Em 1999, o Grupo de Análise e Aprovação de
Projetos Habitacionais (Graprohab), da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e
Habitação (SDUH), autorizou a construção de edificações no lote. No entanto, a
Secretaria do Meio Ambiente, Licenciamento e Infraestrutura (Semil) do Estado
de São Paulo disse, por meio de nota, que “após denúncias e demandas do MP de
Jacareí, sobre irregularidades no condomínio, como intervenções em Área de
Preservação Permanente para construção de um muro de divisa e a instalação de
clube social em APP de nascente, a CETESB realizou vistoria e constatou as
irregularidades”.
Durante as investigações do MPSP, o Centro de
Apoio Operacional à Execução (CAEx) do órgão constatou que a área de
preservação invadida pelo condomínio é de 3,2 mil metros quadrados, o
equivalente a meio campo de futebol.
De acordo com a avaliação do CAEx, os
prejuízos para o ambiente abrangem a fauna e a flora locais, além de impactar
questões climáticas. A restauração do bioma é possível, mas para isso é preciso
desfazer as construções e a pavimentação de acesso ao condomínio, assim como
retirar os resíduos, descompactar o solo e ainda elaborar um “projeto de
restauração florestal e sua execução/implantação”, diz o documento.
“O quadro atual, em face das intervenções e
usos constatados, é de degradação ambiental (Art. 3º da Lei Federal n°
6.938/81) e caracteriza prejuízo ao devido cumprimento das funções ambientais
dessas áreas protegidas, inclusive dificultando e impedindo a regeneração
natural da vegetação”, descreveu o MPSP na ação.
Além da degradação da flora, o MPSP apontou
que as construções feitas na APP trazem também prejuízo à fauna, “uma vez que
sem vegetação os animais não poderão se alimentar e conviver em seu habitat
natural – ecossistema. Com certeza o avanço da intervenção antrópica é a
principal causa da extinção de diversas espécies da fauna nacional”.
“[A ação civil pública] vai muito mais além
do que é apenas a recuperação da área, ela abrange a questão climática, a
preservação da vida de animais silvestres e toda a fauna”, disse à reportagem o
promotor de justiça do MPSP Fábio Moraes, que conduz a ação.
- Área
de lazer embargada
O embargo da área de lazer proposto pelo MPSP
também proíbe o condomínio de realizar novas construções na área ou manutenção
de espaços existentes que estejam na área de preservação permanente. A sentença
foi assinada pela juíza Luciene de Oliveira Ribeiro, da 3ª Vara Cível do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), da comarca de Jacareí.
Na defesa de sua sentença, publicada em
janeiro de 2025, a juíza estabeleceu que o não cumprimento das medidas poderia
incorrer em multa diária de R$ 500, “cuja incidência fica, num primeiro
momento, limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”.
A Justiça também exigiu que a associação que
representa o condomínio apresentasse uma proposta de recuperação da área
degradada, que atenda aos pedidos da Cetesb, ou pagamento de indenização pelos
danos irrecuperáveis. Nenhum desses planos foi apresentado ainda.
O condomínio já havia sido multado em maio de
2021, quando passou por uma vistoria da Companhia Ambiental do Estado de São
Paulo (Cetesb). Nela foram constatadas irregularidades na construção do espaço
de lazer em área de preservação ambiental. Na ocasião, a Cetesb multou a
administração do condomínio em R$ 138 mil, por “impedir ou dificultar a
regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa em área
especialmente protegida”.
Em janeiro de 2024, a Cetesb voltou a
advertir a administração do condomínio, por não ter apresentado uma proposta de
recompor a APP. Segundo a companhia ambiental paulista, o plano deveria compor
“minimamente a retirada das ocupações não autorizadas da APP, o reafeiçoamento
[atividades para melhorar as condições da área] do terreno, e a recomposição
vegetal do local, com o plantio de espécies nativas”.
Quatro meses depois, a Cetesb voltou a multar
a associação de moradores, dessa vez em R$ 500 mil. Segundo a ação do MPSP, o
motivo foi porque nas ocupações na área de preservação permaneceu “não sendo
atendida a exigência técnica que consiste na apresentação de um plano, com
cronograma de execução, para recomposição da referida APP (prevendo a retirada
das ocupações não autorizadas, o reafeiçoamento do terreno e a recomposição da
vegetação com plantio de espécies nativas)”.
Após a aplicação das multas, a administração
do condomínio apresentou um plano de recuperação que não atendia aos
apontamentos feitos pelo MPSP e a companhia ambiental paulista. De acordo com o
promotor Fábio Moraes, a associação “praticamente queria manter [0 clube]” e
alegou que “que haveria uma poluição sonora [no condomínio]”.
Por nota, a Semil informou que, até o dia 12
de março de 2025, a administradora do condomínio ainda não havia atendido às
exigências técnicas contidas nas autuações mencionadas e que, consequentemente,
“dará continuidade às sanções administrativas legais cabíveis”.
¨
Mais de um mês depois
das enchentes, famílias do Jardim Pantanal tentam se recuperar
Casas vazias ou à venda, móveis estragados e
as marcas nas paredes dos imóveis ainda demonstram o que foi a pior enchente dos últimos 15
anos no Jardim Pantanal, extremo
da zona leste de São Paulo, em fevereiro deste ano. Pouco mais de um mês depois
dos alagamentos, as famílias ainda tentam reconstruir, com o apoio uns dos
outros, os seus lares, que foram devastados pelas fétidas e contaminadas águas
do Tietê, o rio que corta a região.
A solidariedade entre os moradores é o que
tem amenizado os impactos. “O que chega [de doações de móveis] eu vou passando
para quem tem mais necessidade”, disse à Agência Pública a líder
comunitária Eliane Libânio, de 51 anos, que perdeu tudo na enchente.
Na primeira semana de fevereiro deste ano, os
moradores do Jardim Pantanal ficaram ilhados por sete dias.
A Pública esteve no bairro durante as enchentes e contou que os
moradores estavam agindo por conta própria para fazer resgates, distribuir
alimentos e água, além de enfrentarem filas de cinco horas para receber o
auxílio de emergência de R$ 1 mil fornecido pela prefeitura de São Paulo.
O auxílio não foi o suficiente para recompor
a mobília perdida no desastre, diz a líder comunitária. “O meu genro me deu uma
geladeira e ganhei uma beliche. Nós estamos usando os colchões doados pela
prefeitura e dormindo pelo chão, por enquanto”, contou.
No período em que os moradores estavam
ilhados no Jardim Pantanal, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que estudava a
remoção deles sob indenização entre R$ 20 mil e R$ 50 mil. A proposta não foi
bem recebida por quem vive no bairro. “Tem casa que o morador gastou muito mais
[…] Para a gente, seria melhor que fizesse a melhoria do local [do Jardim
Pantanal]”, disse Libânio.
A prefeitura voltou atrás e informou em nota
que agora são estudadas outras possibilidades para solucionar as enchentes no
bairro: a recuperação da região; a construção de reservatórios para a contenção
das cheias; o reassentamento de famílias, devolvendo a área de várzea do rio e
a recuperação ambiental. O custo dessas intervenções vai de cerca de R$ 1
bilhão a R$ 2 bilhões.
<><> Por que isso importa?
- Moradores
do bairro Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, ficaram ilhados
durante as chuvas de fevereiro, na pior enchente dos últimos 15 anos.
- Pouco
mais de um mês depois que as águas baixaram, famílias ainda tentam
reconstruir suas casas e vidas, mas falta apoio do poder público.
Mais de um mês após o fim da enchente, a
líder comunitária ainda abriga a filha Erika Libânio da Silva Pedroso, de 27
anos, e os dois netos, de 7 anos e 7 meses, que ainda não conseguiram recuperar
totalmente a casa de madeira onde viviam.
A casa de Erika Pedroso fica às margens do
rio Tietê. Na madrugada do sábado, 1 de fevereiro, ela só teve tempo de salvar
os filhos e os documentos. Assim que vizinhos a avisaram sobre a água que
subia, ela deixou o imóvel de apenas um cômodo e tentou se abrigar na casa da
mãe. Pensou que lá estaria segura, mas o rio subiu tanto que a família precisou
sair às pressas, com a água na altura da cintura, e improvisar um barco com uma
caixa-d’água que passou boiando pela rua.
A alternativa para a família foi se deslocar
para a Escola Municipal de Educação Infantil (Emef) Mururés, que serviu de
abrigo nos dias em que o bairro esteve ilhado. Lá os moradores recebiam
refeições e dormiam nas salas de aulas.
Mas, logo nos primeiros dias, Erika Pedroso
percebeu que a comida distribuída pela prefeitura estava estragada. “250
marmitas que eles mandaram e estavam estragadas”, contou. “Aí nós fizemos
o mutirão e uma cozinha solidária”.
Somente oito dias depois da enchente, ela
conseguiu voltar à sua casa, após a água ter baixado. “Quando eu cheguei aqui,
só tinha uma parede, as roupas e o box da cama, porque até o colchão foi embora
[na correnteza]”, disse.
Até agora, ela diz que não recebeu ajudas da
prefeitura além dos R$ 1 mil de auxílio. “Fizeram um monte de promessas,
mas até hoje não apareceu ninguém aqui nem pra desejar ‘bom dia’”,
desabafou.
Erika Pedroso está reconstruindo a casa de um
cômodo com a ajuda de doações de tijolos e com investimento de recursos
próprios. Ela sobrevive com pouco mais de R$ 500 por mês, fruto do trabalho
esporádico de auxiliar de limpeza.
“Eu não tinha pra onde ir e a população se
sensibilizou, porque a prefeitura não fez nada, eles queriam me mandar para um
abrigo, mas era muito longe e os meus filhos estudam aqui [no Jardim
Pantanal]”, contou a auxiliar de limpeza, que é mãe solo. A expectativa dela é
que os dois filhos possam voltar à sua casa ainda neste mês, quando concluírem
a obra.
<><> Refazer a vida com pouco
O segurança Mateus Josué Barbosa de Castro,
de 26 anos, passou a semana da enchente sem poder trabalhar. Como o pagamento é
feito por diária, para se alimentar ele precisou atrasar o aluguel do imóvel de
dois cômodos pequenos, que custa R$ 500. Castro e os outros dois moradores
ouvidos pela reportagem contaram que não receberam o auxílio aluguel da
prefeitura de São Paulo.
A água chegou a quase 1 metro de altura na
casa do segurança, que perdeu o guarda-roupa, roupas e teve a geladeira
danificada. Na noite da enchente, ele empilhou o sofá, o fogão e o colchão da
cama em caixas de cerveja vazias, abandonadas no quintal, na tentativa de
reduzir os impactos da tragédia.
O que ajudou o morador do Jardim Pantanal foi
o auxílio de emergência da prefeitura. “Ajudou, porque querendo ou não eu tinha
aluguel atrasado por causa da enchente”, contou.
As roupas de Castro estão temporariamente
amontoadas em cima do sofá, porque ele ainda não conseguiu um guarda-roupa e
não tem previsão de quando deve comprar um novo. “Ou você compra móveis ou paga
o aluguel”, desabafou.
O segurança afirmou que não tem recursos
financeiros para arcar com um aluguel mais alto fora do bairro. “Se eu sair
daqui e procurar por outra casa de aluguel, vai sair bem mais caro. Além de
água, luz e a comida que você vai comer”, disse. “Só de eu estar vivo já está
bom demais”, concluiu.
Rafael Rocha Nascimento da Silva, de 34 anos,
ajudante geral de um supermercado, vai pagar R$ 450 a mais para morar fora do
Jardim Pantanal, onde residiu por mais de 20 anos. Todos os móveis e as roupas
dele, da esposa e dos quatro filhos, entre 3 e 15 anos, foram perdidos na
enchente. Assim como para a maioria dos moradores do bairro, a mobília
reconquistada veio por meio de doações.
“Eu espero que melhore, porque piorar não tem
como mais”, disse Silva sobre as expectativas de um novo lar distante do rio
Tietê. A casa da família passou mais de dez dias com água acumulada, porque o
terreno onde foi erguida fica na parte mais baixa do bairro e com os fundos às
margens do rio.
Silva não é o único morador a deixar o Jardim
Pantanal depois da enchente histórica. Na rua Bahia, uma moradora fez a mudança
da casa onde vivia com duas filhas adolescentes e o marido no dia em que a água
poluída do rio baixou. “Ela perdeu tudo”, contou a influenciadora digital
Lucilene dos Santos, que conhecia a ex-locatária. “Foi para um lugar mais
caro”, completou.
No entanto, não são todos os moradores que
podem deixar o bairro em busca de uma área mais segura para viver. Robson
Brasílio, copeiro, de 39 anos, também é parte dos que perderam toda a mobília
em fevereiro deste ano.
A Pública esteve na casa durante a
enchente, quando a água havia baixado o suficiente apenas para que ele pudesse
mensurar o que ainda poderia ser salvo. Ele e a família tiveram pouco tempo
para deixar a casa térrea onde vivem para se abrigarem em um imóvel vizinho na
parte superior do terreno.
“Caiu R$ 1 mil [do auxílio da prefeitura] e
eu estava precisando de panela, copo, pratos e garfos. Eu gastei R$ 800 só
nisso daí. Agora a parte de alimentos, foi tudo para o lixo. Uma cesta básica
veio da vizinha e até fralda ela deu pra gente”, contou Brasílio. “Agora nós
entramos em uma dívida de dez vezes de R$ 570, pelo guarda-roupa e as camas
[das crianças]”, disse.
Um mês após a enchente, o copeiro foi
comunicado pelo proprietário do imóvel de que o valor do aluguel aumentaria em
R$ 100, mas, com o alto custo de vida fora do Jardim Pantanal, ele e a família
optaram por ficar.
<><> Reciclagem de móveis
perdidos
Enquanto a reportagem visitava o Jardim
Pantanal, um idoso, que segundo os vizinhos, perdeu todos os móveis na
enchente, carregava uma televisão em direção à rua Esperança. É nela que fica o
depósito de reciclagem de Emerson José Rocha, de 33 anos, que tem servido de
ponto de venda de móveis perdidos nos alagamentos.
“Nós compramos muita coisa que o pessoal
perdeu na enchente. O nosso trabalho é comprar essas coisas, porque querendo ou
não gera o nosso sustento, e isso evita deixar [lixo] na encosta do rio”, disse
o reciclador.
Em virtude da tragédia, a demanda no
ferro-velho de Rocha aumentou e, com isso, o número de funcionários também
cresceu de duas para cinco pessoas, que auxiliam na pesagem, separação e
carregamento dos produtos vendidos pelos moradores do Jardim Pantanal.
As peças e eletrodomésticos estragados são
pesados de acordo com o material de que são feitas. Quanto maior o peso, mais a
pessoa recebe. Após as enchentes, a Rocha Reciclagens precisou aumentar o
número de prestadores de serviços, porque o volume de eletrodomésticos e itens
de casa estragados pelas águas contaminadas levados por moradores também
cresceu.
“Gera renda para os moradores, que, ao invés
dele jogar fora, eles vendem. Por exemplo, uma televisão velha, por R$ 10, já é
o dinheiro dele comprar o pão amanhã”, disse Rocha.
Fonte: Agencia Pública
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