Paulo Henrique Arantes: Fux quer posar de
garantista e matar no peito a opinião pública
Os jornalões encontraram um meio de dizer que
nem tudo está perdido para Jair Bolsonaro. Seria o ministro Luiz Fux, do
Supremo Tribunal Federal, o personagem a ser explorado estrategicamente pela
defesa do ilustre réu, após ter demonstrado discordância quanto à dosimetria
das penas aplicadas aos golpistas já condenados, então personificados na
cabeleireira-pichadora Débora Rodrigues dos Santos. Registre-se que ela está
temporariamente em casa, adornada por tornozeleira eletrônica.
A imprensa que cobre Brasília, em geral, é
dose. Vive de um “fontismo” sem filtro, comprando gato por lebre sem
pechinchar. Incensa personalidades conferindo gravidade a atitudes de
importância menor. Valoriza um tal de “bastidor” acima da interpretação factual
precisa.
Play Video
O que ocorre agora com Luiz Fux é bastante
ilustrativo. O ministro votou em consonância com o relator Alexandre de Moraes,
pelo recebimento da denúncia contra Bolsonaro e sete comparsas. Ao proferir seu
voto, contudo, posou de garantista, questionando a extensão das penas que vêm
sendo aplicadas aos golpistas do 8 de Janeiro, o que poderia sinalizar uma
postura futura condescendente com o ex-presidente. Fux poderá abrir
divergências relevantes em relação ao voto final do relator Moraes, o qual não
será menos que duro.
Piegas e aparentemente descolado do texto
legal sobre atentados contra o Estado Democrático de Direito, Fux disse que
juízes também são seres humanos (!) e às vezes julgam sob emoção. Certamente,
Alexandre de Moraes emocionou-se ao saber que era alvo de um plano de
assassinato, mas a dosagem das penas que tem aplicado – com votos concordantes
dos demais ministros – parece condizente com o Código Penal, não com a ira
humana.
O que o ministro Luiz Fux pretende, na
verdade, é algo como matar no peito a opinião pública e o desejo de parte da
classe política. Joga para uma plateia que finge não compreender a gravidade de
se tentar destruir a democracia. Condena e condenará, mas dará um jeito de se
mostrar uma alma solidária.
Na verdade, o magistrado lutador de jiu-jitsu
não é nem nunca foi garantista, como mostra o número de habeas corpus que
concedeu em 2024. No meio jurídico, o habeas corpus indica o “coeficiente de
garantismo” de um juiz. De 1.430 pedidos de HC que pousaram no gabinete de Fux,
apenas 13 foram concedidos – ou seja, seu “coeficiente de garantismo” está no
baixíssimo patamar de 0,91%, o segundo mais baixo do STF - só Flávio Dino vem
depois dele, com índice de 0,27%. Por esse critério, o ministro mais garantista
é Edson Fachin, que no ano passado concedeu 138 habeas corpus, tendo
recepcionado 1.543 – índice de 8,94%.
Pelo indicador acima e por seus votos nas
ações criminais julgadas pelo STF, Fux está bem mais para punitivista do que
para garantista. O professor da FGV Direito Rubens Glezer lembra que o ministro
“é um dos mais severos. É um dos que liderou e apoiou a Lava Jato. Na
dosimetria para condenação dos manifestantes, ele participou das votações com
as penas mais pesadas”.
Para Glezer, Fux demonstra neste momento
“preocupação de natureza conjuntural, que pode decorrer de uma pressão que
existe por parte da sociedade”. Segundo o professor, a literatura que estuda
cortes constitucionais indica que os ministros não se portam de maneira
uniforme perante as opiniões da sociedade. Provavelmente, Fux frequenta
círculos que se sensibilizam mais com o caso de Débora e do batom. “Não tem
problema nenhum mudar de convicção ou de perfil. O que importa são as razões. E
as razões de Fux parecem ser conjunturais e não jurídicas”, observa
Glezer.
Entre inúmeros defeitos, esta coluna possui a
qualidade de se relacionar profissionalmente com juristas brilhantes. Dia
desses, ouvimos um deles explicar por que a tentativa de golpe de Estado deve
ser punida severamente, entendendo-se severidade como a célere aplicação da
lei. Mas vai se punir alguém por algo que não se consumou? – perguntamos. Claro
que sim, pelo mero fato de que, consumado o golpe, estariam os golpistas no
poder, apossando-se ditatorialmente das instituições, inclusive o Judiciário. Ninguém
seria indiciado, julgado ou, muito menos, condenado. Restariam as trevas.
¨ Paulo Motoryn: “In Fux we trust,
parte 2”
Era uma
noite de 2016 quando Sergio Moro, o então super-herói da República de Curitiba,
digitou uma mensagem que entraria para o folclore da operação Lava Jato. “In
Fux we trust” [Em Fux nós confiamos, em tradução livre], respondeu ao então
procurador Deltan Dallagnol, que acabara de relatar uma conversa promissora com
Luiz Fux, ministro do STF, sobre os rumos da força-tarefa.
As
mensagens trocadas entre os então juiz e coordenador da força-tarefa da Lava
Jato no Ministério Público Federal, que o mundo ficou sabendo por causa
da Vaza Jato, a
histórica série de reportagens publicada aqui no Intercept
Brasil, revelavam o que já era evidente: no Supremo Tribunal Federal, o
ministro era um aliado de primeira hora.
Quando
necessário, Fux aparecia como um escudo protetor contra qualquer risco que
pudesse frear a operação – e foi assim até na derrota final de Sergio
Moro. Na votação do STF que confirmou a
suspeição do ex-juiz,
Fux foi um dos votos vencidos: se colocou contra a decisão da maioria dos seus
colegas e, é claro, preferiu atacar a Vaza Jato.
“A
suspeição, na verdade, pelo ministro Edson Fachin, foi afastada. Municiou [o
julgamento na Segunda Turma] uma prova absolutamente ilícita, roubada, que foi
depois lavada. É como lavagem de dinheiro. Não é um juízo precipitado. Essa
prova foi obtida por meio ilícito. Sete anos de processo foram alijados do
mundo jurídico”, lamentou Fux, na época.
Agora,
em 2025, “In Fux we trust” ressurge como mantra da extrema direita.
A
esperança depositada no ministro não é mais sobre prisões preventivas ou
delações premiadas – o que importa, quase dez anos depois, é que ele seja a
tábua de salvação para um ex-presidente que, ironicamente, só chegou ao poder
graças à Lava Jato.
A cena
mais recente desse enredo aconteceu na quarta-feira, 26, na sessão da Primeira
Turma do Supremo, onde Fux mostrou que será peça-chave no julgamento que
pode condenar Jair Bolsonaro e outros aliados pela tentativa de golpe de
estado.
No seu
voto, o ministro expôs suas
discordâncias com
outros ministros, questionando a delação de Mauro Cid, defendendo o
julgamento de Bolsonaro pelo plenário do STF e, mais que
isso, relativizando o fato de que a própria tentativa de um golpe de
estado já deva ser criminalizada.
“Há
aqueles que entendem que a tentativa de golpe já é um atentado contra a
democracia. Isso é uma solução que se dá. (…) Agora, a partir do momento que o
legislador cria o crime tentado como consumado (…), no meu modo de ver há um
arranhão na Constituição Federal, e também não se cogitou nem de atos
preparatórios nem de tentativa do crime tentado, que é em caso consumado”,
afirmou Fux.
Ato
contínuo, os advogados dos envolvidos na trama golpista começaram a
explorar a brecha. Logo que saiu do STF, o ex-senador Demóstenes Torres,
advogado do ex-comandante da Marinha, almirante Almir
Garnier, disse:
“O voto [de Fux] foi espetacular. Ele admite uma série de coisas que nós
alegamos na defesa. O ministro foi bastante sensato e os outros vão ter que
considerar”.
Em
um vídeo publicado nas
redes sociais,
o advogado Jeffrey Chiquini, que atua em processos relacionados ao 8 de
Janeiro, demonstrou o que move a esperança bolsonarista com a dissidência
aberta por Fux: adiar ao máximo o resultado, criar embaraços para o STF e
manter a esperança da extrema direita acesa.
“Esse
processo não vai terminar em 2025 como Alexandre de Moraes quer. Fux jogou um
balde de água fria nesse processo. O que vai acontecer? O Fux vai
discordar de alguns pontos e, havendo um voto contrário, vai nascer a
possibilidade de recurso ao plenário. Só não iria, se fosse unânime. Não vai
ser unânime”, declarou.
A
esperança em Fux não vem só das pistas dadas nos últimos dias. O nome do
ministro nunca esteve dissociado das expectativas da extrema direita. Como já escrevemos
no Intercept,
Fux é o mesmo que alimentou, como poucos, o espírito do Partido da Lava Jato,
aquele projeto silencioso e nocivo de um MPF transformado em bancada política.
Se Fux
já foi o fiador do lavajatismo, por que não poderia ser o fiador de um
bolsonarismo acuado? A ressurreição do “In Fux We Trust” expõe essa
esperança quase desesperada.
E não
se trata mais de confiar na sua caneta para turbinar a Lava Jato, mas para
impedir que a Justiça alcance quem um dia foi alçado ao poder pelas próprias
mãos da operação.
¨ Sergio Moro e
FrenCyber: Me engana que eu gosto! Por Sara Goes
Generais
perfilados ao lado de senadores da extrema direita. Moro, Damares, Esperidião
Amin. Parece 2022, em algum gesto de apoio a Bolsonaro, talvez em defesa do
“capitão”. Mas não. A foto é de 2025, no lançamento da Frente Parlamentar de
Apoio à Cibersegurança. Os militares em questão são o general Aquiles Furlan,
comandante do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, e o general
Ivan Corrêa Filho, que representou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
O evento, que durou pouco mais de uma hora, foi um revezamento de discursos de
senadores da extrema direita — nomes que fizeram e ainda mantêm seu capital
político sustentados por fake news, disparos em massa e redes de desinformação.
São os mesmos que, até pouco tempo, gritavam por liberdade de expressão
irrestrita e tachavam militares progressistas de “melancia”, verde por fora,
vermelho por dentro. Agora, sentam lado a lado com generais para falar de
“cibersegurança” e “defesa digital”. Um momento peculiar: os vigilantes da
verdade digital são os velhos conhecidos da mentira em série.
A
instalação teve como protagonista simbólico o próprio paradoxo que sustenta sua
criação: o senador e ex-juiz Sérgio Moro. Famoso por sua atuação na
Operação Lava Jato e pela prisão do presidente Lula, Moro agora ressurge como
defensor da proteção digital — mesmo após ter sua conduta desmascarada por
um vazamento cibernético que revelou conluio com o Ministério
Público, parcialidade judicial e manipulação processual.
A
ironia não poderia ser mais evidente. O homem que se beneficiou do sigilo
para conduzir uma operação judicial politicamente orientada, e que viu sua
reputação ruir quando suas mensagens privadas foram expostas ao público, agora
se posiciona como guardião da integridade cibernética nacional.
Ao lado
de nomes como Damares Alves, Hamilton Mourão, Marcos Pontes e Jorge Seif,
Moro integrou a mesa da cerimônia de instalação da frente, que propõe, entre
outras iniciativas, a criação de uma Agência Nacional de Defesa
Cibernética. O autor da proposta, senador Esperidião Amin (PP-SC),
defendeu a frente como um instrumento para “proteger o Brasil de ameaças
digitais” e fortalecer a articulação entre Estado e setor privado.
Mas a
presença de Moro pairava como um espectro sobre todo o discurso oficial. A
frente parlamentar que se pretende guardiã contra vazamentos e espionagem
digitais abriga, ironicamente, o personagem central de um dos maiores
escândalos revelados por meios cibernéticos da história política recente. Sua
participação não reforça a credibilidade da frente — ao contrário, revela
sua essência contraditória e seu potencial uso como ferramenta de blindagem
política e defesa dos interesses de BigTechs.
Moro
não discursou longamente – ainda bem, mas garantiu sua visibilidade ao posar ao
lado de generais e executivos do setor de tecnologia. O tom geral do evento foi
menos técnico e mais ideológico — uma clara tentativa de formar
uma coalizão entre setores conservadores, militares e interesses
corporativos, sob o verniz da segurança nacional.
Damares
Alves, por exemplo, tratou o tema como uma cruzada moral, como costuma fazer
sempre que tem oportunidade. A ex-ministra já foi responsável por
disseminar informações falsas em cartilhas oficiais sobre maconha, por
promover uma onda de desinformação sobre supostos casos de exploração
sexual em Marajó, e por espalhar como verdade boatos oriundos de fóruns
obscuros da deep web, invariavelmente ligados ao abuso infantil. Sua recorrente
associação entre política pública e temas sexuais envolvendo crianças deve, no
mínimo, acender um sinal de alerta sobre os objetivos simbólicos por trás de
sua retórica.
Jorge
Seif foi outro destaque do evento. Ao mesmo tempo em que associou crimes
cibernéticos a fraudes bancárias via Pix, insinuou a necessidade de criação de
um “Ministério da Cibersegurança” — para logo em seguida admitir: “eu não sei.
Estamos aqui como soldados em busca da proteção do nosso país”. A dubiedade da
proposta, vinda justamente de alguém que costuma repetir a ladainha do “inchaço
do Estado”, não passou despercebida. Mais curioso ainda é o fato de Seif ter
citado com entusiasmo a presença de representantes das Big Techs,
justamente as mesmas corporações que, desde 2018, vêm sendo apontadas
como peças centrais da guerra híbrida que compromete a soberania e a
democracia brasileiras. Se há um campo onde o controle popular e a regulação
estatal se tornam urgentes, é o digital — mas o discurso da frente parece mirar
mais na blindagem de setores específicos do que na real defesa informacional do
país.
Marcos
Pontes, senador e ex-astronauta cujo nome já constrange pela formalidade kitsch
quando lido em voz alta, tentou justificar seu interesse na frente com uma fala
genérica sobre soberania, voo, educação e espaço. Tudo pontuado por chavões e
metáforas que soaram deslocadas do tema central. Sua intervenção exemplificou
bem o tom performático do evento: retórica vaga, apelo à autoridade simbólica e
ausência de propostas concretas.
Tabata
Amaral, o único ponto fora da curva de extrema direita, parecia estar presente
de improviso, como parte de uma cota a fim e dar ares de pluralidade, palavra
repetida por Damares Alves. Na sequência, Mourão, por sua vez, evocou o
risco de guerra digital entre potências. Mas nenhum deles teve a coragem —
ou o interesse — de mencionar o caso Vaza Jato, de maior impacto político de
invasão cibernética da política brasileira.
O
silêncio é tão revelador quanto o alinhamento ideológico da frente. O que
se apresentou no Senado não foi um pacto técnico pelo fortalecimento da
segurança cibernética brasileira, mas sim a tentativa de construir um
aparato institucional de controle informacional, com potencial uso
político-eleitoral, travestido de interesse público.
Ao fim
da cerimônia, foi anunciado um convênio com a SATC de Criciúma
(SC) para formação de especialistas na área. Uma medida relevante, mas que
se perde diante da composição da frente — marcada por figuras que, nos últimos
anos, atacaram a liberdade de imprensa, criminalizaram opositores e
instrumentalizaram o Judiciário como ferramenta política.
Se o
Brasil precisa, de fato, fortalecer sua soberania digital, essa não parece
ser a frente certa para liderar esse processo. O que se viu foi um teatro — e
no centro do palco o agora tímido, Sérgio Moro, reciclado como paladino da
cibersegurança, mas ainda sem ter respondido publicamente por seus próprios
vazamentos.
Fonte: Brasil 247/The Intercept/Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário