quinta-feira, 3 de abril de 2025

Paulo Henrique Arantes: Fux quer posar de garantista e matar no peito a opinião pública

Os jornalões encontraram um meio de dizer que nem tudo está perdido para Jair Bolsonaro. Seria o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, o personagem a ser explorado estrategicamente pela defesa do ilustre réu, após ter demonstrado discordância quanto à dosimetria das penas aplicadas aos golpistas já condenados, então personificados na cabeleireira-pichadora Débora Rodrigues dos Santos. Registre-se que ela está temporariamente em casa, adornada por tornozeleira eletrônica.

A imprensa que cobre Brasília, em geral, é dose. Vive de um “fontismo” sem filtro, comprando gato por lebre sem pechinchar. Incensa personalidades conferindo gravidade a atitudes de importância menor. Valoriza um tal de “bastidor” acima da interpretação factual precisa.

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O que ocorre agora com Luiz Fux é bastante ilustrativo. O ministro votou em consonância com o relator Alexandre de Moraes, pelo recebimento da denúncia contra Bolsonaro e sete comparsas. Ao proferir seu voto, contudo, posou de garantista, questionando a extensão das penas que vêm sendo aplicadas aos golpistas do 8 de Janeiro, o que poderia sinalizar uma postura futura condescendente com o ex-presidente. Fux poderá abrir divergências relevantes em relação ao voto final do relator Moraes, o qual não será menos que duro.

Piegas e aparentemente descolado do texto legal sobre atentados contra o Estado Democrático de Direito, Fux disse que juízes também são seres humanos (!) e às vezes julgam sob emoção. Certamente, Alexandre de Moraes emocionou-se ao saber que era alvo de um plano de assassinato, mas a dosagem das penas que tem aplicado – com votos concordantes dos demais ministros – parece condizente com o Código Penal, não com a ira humana.

O que o ministro Luiz Fux pretende, na verdade, é algo como matar no peito a opinião pública e o desejo de parte da classe política. Joga para uma plateia que finge não compreender a gravidade de se tentar destruir a democracia. Condena e condenará, mas dará um jeito de se mostrar uma alma solidária.

Na verdade, o magistrado lutador de jiu-jitsu não é nem nunca foi garantista, como mostra o número de habeas corpus que concedeu em 2024. No meio jurídico, o habeas corpus indica o “coeficiente de garantismo” de um juiz. De 1.430 pedidos de HC que pousaram no gabinete de Fux, apenas 13 foram concedidos – ou seja, seu “coeficiente de garantismo” está no baixíssimo patamar de 0,91%, o segundo mais baixo do STF - só Flávio Dino vem depois dele, com índice de 0,27%. Por esse critério, o ministro mais garantista é Edson Fachin, que no ano passado concedeu 138 habeas corpus, tendo recepcionado 1.543 – índice de 8,94%.

Pelo indicador acima e por seus votos nas ações criminais julgadas pelo STF, Fux está bem mais para punitivista do que para garantista. O professor da FGV Direito Rubens Glezer lembra que o ministro “é um dos mais severos. É um dos que liderou e apoiou a Lava Jato. Na dosimetria para condenação dos manifestantes, ele participou das votações com as penas mais pesadas”. 

Para Glezer, Fux demonstra neste momento “preocupação de natureza conjuntural, que pode decorrer de uma pressão que existe por parte da sociedade”. Segundo o professor, a literatura que estuda cortes constitucionais indica que os ministros não se portam de maneira uniforme perante as opiniões da sociedade. Provavelmente, Fux frequenta círculos que se sensibilizam mais com o caso de Débora e do batom. “Não tem problema nenhum mudar de convicção ou de perfil. O que importa são as razões. E as razões de Fux parecem ser conjunturais e não jurídicas”, observa Glezer. 

Entre inúmeros defeitos, esta coluna possui a qualidade de se relacionar profissionalmente com juristas brilhantes. Dia desses, ouvimos um deles explicar por que a tentativa de golpe de Estado deve ser punida severamente, entendendo-se severidade como a célere aplicação da lei. Mas vai se punir alguém por algo que não se consumou? – perguntamos. Claro que sim, pelo mero fato de que, consumado o golpe, estariam os golpistas no poder, apossando-se ditatorialmente das instituições, inclusive o Judiciário. Ninguém seria indiciado, julgado ou, muito menos, condenado. Restariam as trevas.

¨      Paulo Motoryn: “In Fux we trust, parte 2”

Era uma noite de 2016 quando Sergio Moro, o então super-herói da República de Curitiba, digitou uma mensagem que entraria para o folclore da operação Lava Jato. “In Fux we trust” [Em Fux nós confiamos, em tradução livre], respondeu ao então procurador Deltan Dallagnol, que acabara de relatar uma conversa promissora com Luiz Fux, ministro do STF, sobre os rumos da força-tarefa.

As mensagens trocadas entre os então juiz e coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal, que o mundo ficou sabendo por causa da Vaza Jato, a histórica série de reportagens  publicada aqui no Intercept Brasil, revelavam o que já era evidente: no Supremo Tribunal Federal, o ministro era um aliado de primeira hora.

Quando necessário, Fux aparecia como um escudo protetor contra qualquer risco que pudesse frear a operação – e foi assim até na derrota final de Sergio Moro. Na votação do STF que confirmou a suspeição do ex-juiz, Fux foi um dos votos vencidos: se colocou contra a decisão da maioria dos seus colegas e, é claro, preferiu atacar a Vaza Jato.

“A suspeição, na verdade, pelo ministro Edson Fachin, foi afastada. Municiou [o julgamento na Segunda Turma] uma prova absolutamente ilícita, roubada, que foi depois lavada. É como lavagem de dinheiro. Não é um juízo precipitado. Essa prova foi obtida por meio ilícito. Sete anos de processo foram alijados do mundo jurídico”, lamentou Fux, na época.

Agora, em 2025, “In Fux we trust” ressurge como mantra da extrema direita.

A esperança depositada no ministro não é mais sobre prisões preventivas ou delações premiadas – o que importa, quase dez anos depois, é que ele seja a tábua de salvação para um ex-presidente que, ironicamente, só chegou ao poder graças à Lava Jato.

A cena mais recente desse enredo aconteceu na quarta-feira, 26, na sessão da Primeira Turma do Supremo, onde Fux mostrou que será peça-chave no julgamento que pode condenar Jair Bolsonaro e outros aliados pela tentativa de golpe de estado.

No seu voto, o ministro expôs suas discordâncias com outros ministros, questionando a delação de Mauro Cid, defendendo o julgamento de Bolsonaro pelo plenário do STF e, mais que isso,  relativizando o fato de que a própria tentativa de um golpe de estado já deva ser criminalizada.

“Há aqueles que entendem que a tentativa de golpe já é um atentado contra a democracia. Isso é uma solução que se dá. (…) Agora, a partir do momento que o legislador cria o crime tentado como consumado (…), no meu modo de ver há um arranhão na Constituição Federal, e também não se cogitou nem de atos preparatórios nem de tentativa do crime tentado, que é em caso consumado”, afirmou Fux.

Ato contínuo, os advogados dos envolvidos na trama golpista começaram a explorar a brecha. Logo que saiu do STF, o ex-senador Demóstenes Torres, advogado do ex-comandante da Marinha,  almirante Almir Garnier, disse: “O voto [de Fux] foi espetacular. Ele admite uma série de coisas que nós alegamos na defesa. O ministro foi bastante sensato e os outros vão ter que considerar”.

Em um vídeo publicado nas redes sociais, o advogado Jeffrey Chiquini, que atua em processos relacionados ao 8 de Janeiro, demonstrou o que move a esperança bolsonarista com a dissidência aberta por Fux: adiar ao máximo o resultado, criar embaraços para o STF e manter a esperança da extrema direita acesa.

“Esse processo não vai terminar em 2025 como Alexandre de Moraes quer. Fux jogou um balde de água fria nesse processo. O que vai acontecer? O Fux vai discordar de alguns pontos e, havendo um voto contrário, vai nascer a possibilidade de recurso ao plenário. Só não iria, se fosse unânime. Não vai ser unânime”, declarou.

A esperança em Fux não vem só das pistas dadas nos últimos dias. O nome do ministro nunca esteve dissociado das expectativas da extrema direita. Como já escrevemos no Intercept, Fux é o mesmo que alimentou, como poucos, o espírito do Partido da Lava Jato, aquele projeto silencioso e nocivo de um MPF transformado em bancada política.

Se Fux já foi o fiador do lavajatismo, por que não poderia ser o fiador de um bolsonarismo acuado? A ressurreição do “In Fux We Trust” expõe essa esperança quase desesperada.

E não se trata mais de confiar na sua caneta para turbinar a Lava Jato, mas para impedir que a Justiça alcance quem um dia foi alçado ao poder pelas próprias mãos da operação.

¨      Sergio Moro e FrenCyber: Me engana que eu gosto! Por Sara Goes

Generais perfilados ao lado de senadores da extrema direita. Moro, Damares, Esperidião Amin. Parece 2022, em algum gesto de apoio a Bolsonaro, talvez em defesa do “capitão”. Mas não. A foto é de 2025, no lançamento da Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança. Os militares em questão são o general Aquiles Furlan, comandante do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, e o general Ivan Corrêa Filho, que representou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O evento, que durou pouco mais de uma hora, foi um revezamento de discursos de senadores da extrema direita — nomes que fizeram e ainda mantêm seu capital político sustentados por fake news, disparos em massa e redes de desinformação. São os mesmos que, até pouco tempo, gritavam por liberdade de expressão irrestrita e tachavam militares progressistas de “melancia”, verde por fora, vermelho por dentro. Agora, sentam lado a lado com generais para falar de “cibersegurança” e “defesa digital”. Um momento peculiar: os vigilantes da verdade digital são os velhos conhecidos da mentira em série.

A instalação teve como protagonista simbólico o próprio paradoxo que sustenta sua criação: o senador e ex-juiz Sérgio Moro. Famoso por sua atuação na Operação Lava Jato e pela prisão do presidente Lula, Moro agora ressurge como defensor da proteção digital — mesmo após ter sua conduta desmascarada por um vazamento cibernético que revelou conluio com o Ministério Público, parcialidade judicial e manipulação processual.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

A ironia não poderia ser mais evidente. O homem que se beneficiou do sigilo para conduzir uma operação judicial politicamente orientada, e que viu sua reputação ruir quando suas mensagens privadas foram expostas ao público, agora se posiciona como guardião da integridade cibernética nacional.

Ao lado de nomes como Damares Alves, Hamilton Mourão, Marcos Pontes e Jorge Seif, Moro integrou a mesa da cerimônia de instalação da frente, que propõe, entre outras iniciativas, a criação de uma Agência Nacional de Defesa Cibernética. O autor da proposta, senador Esperidião Amin (PP-SC), defendeu a frente como um instrumento para “proteger o Brasil de ameaças digitais” e fortalecer a articulação entre Estado e setor privado.

Mas a presença de Moro pairava como um espectro sobre todo o discurso oficial. A frente parlamentar que se pretende guardiã contra vazamentos e espionagem digitais abriga, ironicamente, o personagem central de um dos maiores escândalos revelados por meios cibernéticos da história política recente. Sua participação não reforça a credibilidade da frente — ao contrário, revela sua essência contraditória e seu potencial uso como ferramenta de blindagem política e defesa dos interesses de BigTechs.

Moro não discursou longamente – ainda bem, mas garantiu sua visibilidade ao posar ao lado de generais e executivos do setor de tecnologia. O tom geral do evento foi menos técnico e mais ideológico — uma clara tentativa de formar uma coalizão entre setores conservadores, militares e interesses corporativos, sob o verniz da segurança nacional.

Damares Alves, por exemplo, tratou o tema como uma cruzada moral, como costuma fazer sempre que tem  oportunidade. A ex-ministra já foi responsável por disseminar informações falsas em cartilhas oficiais sobre maconha, por promover uma onda de desinformação sobre supostos casos de exploração sexual em Marajó, e por espalhar como verdade boatos oriundos de fóruns obscuros da deep web, invariavelmente ligados ao abuso infantil. Sua recorrente associação entre política pública e temas sexuais envolvendo crianças deve, no mínimo, acender um sinal de alerta sobre os objetivos simbólicos por trás de sua retórica.

Jorge Seif foi outro destaque do evento. Ao mesmo tempo em que associou crimes cibernéticos a fraudes bancárias via Pix, insinuou a necessidade de criação de um “Ministério da Cibersegurança” — para logo em seguida admitir: “eu não sei. Estamos aqui como soldados em busca da proteção do nosso país”. A dubiedade da proposta, vinda justamente de alguém que costuma repetir a ladainha do “inchaço do Estado”, não passou despercebida. Mais curioso ainda é o fato de Seif ter citado com entusiasmo a presença de representantes das Big Techs, justamente as mesmas corporações que, desde 2018, vêm sendo apontadas como peças centrais da guerra híbrida que compromete a soberania e a democracia brasileiras. Se há um campo onde o controle popular e a regulação estatal se tornam urgentes, é o digital — mas o discurso da frente parece mirar mais na blindagem de setores específicos do que na real defesa informacional do país.

Marcos Pontes, senador e ex-astronauta cujo nome já constrange pela formalidade kitsch quando lido em voz alta, tentou justificar seu interesse na frente com uma fala genérica sobre soberania, voo, educação e espaço. Tudo pontuado por chavões e metáforas que soaram deslocadas do tema central. Sua intervenção exemplificou bem o tom performático do evento: retórica vaga, apelo à autoridade simbólica e ausência de propostas concretas.

Tabata Amaral, o único ponto fora da curva de extrema direita, parecia estar presente de improviso, como parte de uma cota a fim e dar ares de pluralidade, palavra repetida por Damares Alves. Na sequência, Mourão, por sua vez, evocou o risco de guerra digital entre potências. Mas nenhum deles teve a coragem — ou o interesse — de mencionar o caso Vaza Jato, de maior impacto político de invasão cibernética da política brasileira.

O silêncio é tão revelador quanto o alinhamento ideológico da frente. O que se apresentou no Senado não foi um pacto técnico pelo fortalecimento da segurança cibernética brasileira, mas sim a tentativa de construir um aparato institucional de controle informacional, com potencial uso político-eleitoral, travestido de interesse público.

Ao fim da cerimônia, foi anunciado um convênio com a SATC de Criciúma (SC) para formação de especialistas na área. Uma medida relevante, mas que se perde diante da composição da frente — marcada por figuras que, nos últimos anos, atacaram a liberdade de imprensa, criminalizaram opositores e instrumentalizaram o Judiciário como ferramenta política.

Se o Brasil precisa, de fato, fortalecer sua soberania digital, essa não parece ser a frente certa para liderar esse processo. O que se viu foi um teatro — e no centro do palco o agora tímido, Sérgio Moro, reciclado como paladino da cibersegurança, mas ainda sem ter respondido publicamente por seus próprios vazamentos.

 

Fonte: Brasil 247/The Intercept/Jornal GGN

 

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