quinta-feira, 3 de abril de 2025

Francisco F. Ladeira: Palestina, uma história milenar que o sionismo tenta apagar

Em seu processo de limpeza étnica da Palestina, o Estado de Israel não almeja apenas remover a população autóctone daquela terra; busca também reescrever a sua história. Ou seja, além do genocídio, há um “memoricídio”. Assim, foi criado o mito de que a nomenclatura Palestina foi cunhada somente em 135 d.C., pelo imperador romano Adriano, em referência aos filisteus, como uma forma de humilhar o povo judeu.

Ainda no negacionismo histórico sionista, há a falaciosa narrativa de que o nacionalismo palestino surgiu “do nada”, no início do século XX, e que os palestinos seriam nômades, sem vínculos identitários com sua terra natal. No máximo, se identificariam com a grande nação árabe. Portanto, nessa lógica distorcida, podem migrar da Palestina para outras nações irmãs, como a Síria, o Iraque e o Egito.

No entanto, como esclarece Nur Masalha, no livro Palestina: quatro mil anos de história, o nome Palestina foi documentado pela primeira vez no fim da Idade do Bronze, há cerca de 3.200 anos; e, entre 450 a.C. e 1948 d.C., foi usado para descrever uma região geográfica entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão e várias terras adjacentes.

Já as primeiros informações históricas do povo palestino, como aponta o título da obra de Masalha, remetem a quatro mil anos, quando ocorria a urbanização da região da Palestina, com a formação de grandes centros urbanos, com palácios e fortificações, acompanhada pelo surgimento de um alfabeto semita. Além disso, evidências arqueológicas apontam que a moderna cidade de Jericó – fundada pelos cananeus, um dos povos dos quais os palestinos descendem – é uma das mais antigas cidades continuamente habitadas do planeta (desde 9.000 a.C.).

Para corroborar seus argumentos, Masalha recorre a uma ampla gama de fontes, incluindo evidências materiais, topônimos, mapas, moedas produzidas na Palestina e inscrições e textos egípcios, assírios antigos e gregos clássicos.

A história da Palestina tem múltiplos “começos” e a ideia da Palestina evoluiu ao longo do tempo desses múltiplos “começos” para um conceito geopolítico e uma política territorial distinta. Desse modo, é importante esclarecer que o antigo termo Palestina e a moderna nacionalidade palestina não são idênticos ou sinônimos; o primeiro existe há milênios (como dito), enquanto a segunda foi o produto do surgimento do nacionalismo palestino moderno.

Em outros termos, a Palestina, como unidade geopolítica, próximo ao que hoje conhecemos como um país, existiu por mais de três milênios e essa realidade histórica produziu diferentes formas de consciência e identidade territorial (o que nos ajuda a entender o porquê de os palestinos, apesar das inúmeras investidas de Israel, ainda permanecerem em suas terras).

Mesmo quando esteve sob domínio de diferentes povos alhures, a região da Palestina teve autonomia política, cultural, administrativa e comercial. Em suma, soberania prática real.

A Filístia, do fim da Idade do Bronze e da Idade do Ferro, foi dominada pelos filisteus e evoluiu para uma entidade geopolítica com fortes laços comerciais internacionais, uma economia distinta e um ambiente urbano sofisticado.

Em 135 d.C., o imperador romano Adriano criou a província “Síria Palestina”. Porém, conforme adverte Nur Masalha, a concepção romana (e de Adriano) da Palestina não tinha nada a ver com nenhuma narrativa bíblica ou com a narrativa do Antigo Testamento dos “filisteus”. O imperador escolheu o nome de Filístia, pois era a designação geopolítica mais comum para a Palestina usada por geógrafos e historiadores.

Depois que os cristãos bizantinos substituíram os romanos, a Palestina experimentou um período de crescimento e prosperidade. A antiga Síria Palestina foi dividida em três: Palestina Prima (região central), Palestina Secunda (grande parte da Galileia) e Palestina Salutaris (no sul e sudeste). A partir de meados do século V em diante, as “Três Palestinas” foram unidas sob um único patriarcado independente e totalmente palestino de Aelia Capitolina (Jerusalém), com jurisdição religiosa oficialmente reconhecida sobre as “Três Palestinas”.

No período de domínio árabe muçulmano, a província administrativa de Filastin manteve sua prosperidade econômica, devido ao desenvolvimento de seu próprio sistema monetário e do comércio internacional de longa distância com a Índia, China e Europa. Este contexto também foi marcado pela tolerância religiosa e autonomia cultural para as comunidades cristãs e judaicas.

Sob o Império Otomano, “Palestina” foi usada tanto como um termo geral para descrever o país predominantemente árabe muçulmano quanto como um termo social e cultural entre os povos indígenas da Palestina. Nessa fase, a Palestina de maioria muçulmana havia desenvolvido uma forte tradição de jurisprudência árabe islâmica, um dos requisitos mais cruciais de qualquer senso de política autônoma.

De acordo com Nur Masalha, o fato de importantes juristas e escritores muçulmanos palestinos usaram o termo Filastin para se referir ao “país” como Palestina, ou ao “nosso país”, sugere que a noção territorial da Palestina ainda estava muito viva na memória social e cultural muçulmana palestina ao longo dos períodos mameluco e otomano inicial.

Em meados do século XVIII, o regime otomano, profundamente enfraquecido, teve que se conformar com as novas realidades de poder na Palestina, um país que permaneceu apenas nominalmente parte do Império Otomano (isto é, com uma soberania real).

Por fim, no final do século XIX, surgiu uma nova consciência territorial na Palestina e a noção moderna de Palestina, como Estado-nacional (antes do surgimento do sionismo político). Porém, Masalha lembra que “esse movimento [palestino] também foi estimulado pelas atividades de assentamento e compra de terras sionistas no período anterior à Primeira Guerra Mundial”.

Por outro lado, os argumentos israelenses para justificar que seus cidadãos seriam os legítimos descendentes dos antigos habitantes da Palestina são baseados somente em escrituras religiosas e nas falsificações históricas do sionismo. Logo, sem evidências concretas.

Após 150 anos e milhares de escavações bíblicas realizadas dentro e ao redor da Cidade Velha de Jerusalém, ainda não há nenhuma evidência material ou empírica para o “Reino Unido de Davi e Salomão” e outras meganarrativas do Antigo Testamento, como o “Êxodo” e a “conquista de Canaã por Josué”. No entanto, essas tradições imaginadas são ensinas das escolas israelenses como acontecimentos históricos.

Ainda sobre o sistema educacional sionista, a exclusão da Palestina histórica de mapas não foi projetada apenas para fortalecer o estado de Israel, mas também para consolidar o mito do “elo ininterrupto” entre os dias dos “israelitas bíblicos” e a Israel moderna.

Contudo, os antigos “israelitas” não eram uma raça ou uma etnia – mas uma comunidade de fé. E no judaísmo pós-exílico, e por muitos séculos, ser judeu significava pertencer a uma comunidade de fé, a fé judaica. No fim do século XIX, com o sionismo, e sob o impacto das teorias raciais e do darwinismo social, os judeus europeus passaram por um processo de “semitização”, sendo considerados como uma etnia, uma identidade racial.

Também é fundamental destacar que, antes do movimento que criou o Estado de Israel, os membros da minoria judaica de língua árabe da Palestina eram parte integrante do povo palestino e de sua língua, cultura e herança. “Hoje, os judeus árabes do Iraque, Marrocos e Iêmen, juntamente com os judeus falasha de língua amárica da Etiópia e os judeus russos, alemães e poloneses são todos tratados como tendo uma única etnia, se não uma única raça, pelo regime sionista israelense”, escreveu Nur Masalha, em seu livro Palestina: quatro mil anos de história.

Enfim, como se pôde perceber, os palestinos (colonizados) não são apenas o lado certo da história, em seus antagonismos com os colonizadores israelenses. Eles são, literalmente, a própria história da Palestina.

¨      Gaza: Cerco das autoridades israelenses completa um mês, com esgotamento de suprimentos médicos

Após um mês do cerco imposto pelas autoridades israelenses em Gaza, na Palestina, alguns medicamentos essenciais estão em falta ou se esgotando, deixando os palestinos em risco de perder cuidados de saúde vitais, alerta Médicos Sem Fronteiras (MSF). Enquanto as forças israelenses continuam a bombardear a Faixa de Gaza, as pessoas são privadas de itens básicos, incluindo alimentos, água e medicamentos, o que pode levar a um grande número de complicações de saúde e mortes. MSF pede às autoridades israelenses que cessem imediatamente a punição coletiva dos palestinos, acabem com o cerco desumano a Gaza e assumam suas responsabilidades como potência ocupante para facilitar a entrada de ajuda humanitária em escala suficiente.

Há mais de um mês, nenhuma ajuda humanitária ou caminhão comercial  entra em Gaza, marcando o período mais longo desde o início da guerra sem que nenhum suprimento tenha entrado na região. Em 2 de março, as autoridades israelenses impuseram um cerco completo a Gaza e, em 9 de março, cortaram a eletricidade necessária para fazer funcionar as usinas de dessalinização de água. Esse bloqueio total de ajuda e eletricidade privou as pessoas da maior parte dos serviços básicos, o que equivale a uma punição coletiva.

“As autoridades israelenses condenaram as pessoas de Gaza a um sofrimento insuportável com seu cerco mortal”, diz Myriam Laaroussi, coordenadora de emergência de MSF em Gaza. “Esta imposição deliberada de danos às pessoas é como uma morte lenta, e deve terminar imediatamente.”

O cerco forçou as equipes de MSF a começar a racionar medicamentos como analgésicos, fornecer tratamento menos eficaz ou recusar pacientes. As equipes também estão ficando sem suprimentos cirúrgicos, como anestésicos, antibióticos pediátricos e medicamentos para condições crônicas como epilepsia, hipertensão e diabetes. Como resultado do racionamento, nossas equipes em algumas clínicas de atenção primária à saúde são obrigadas a realizar curativos nas pessoas feridas sem fornecer nenhum alívio da dor. Além disso, as equipes de MSF não podem mais doar bolsas de sangue para o hospital de Nasser devido à falta de estoque, ainda que o influxo de pacientes feridos na guerra  continue.

As nossas equipes estão testemunhando um aumento de pessoas com doenças de pele nas clínicas de cuidados primários de saúde em toda a Faixa de Gaza, por causa da falta de sabão e água limpa. Em fevereiro, MSF tratou 565 casos de doenças de pele na clínica Al Hekker, em Deir Al Balah, e 1.198 casos na clínica Al Attar, em Khan Younis. Em março, em apenas duas semanas, o número de casos em Al Hekker já havia atingido 437 - quase 80% do total de fevereiro. Já em em Al Attar, 711 casos foram tratados nesse período, quase 60% do número observado em fevereiro.

O bloqueio aos suprimentos deixou as equipes de MSF incapazes de fornecer medicamentos para tratar as doenças de pele, somente com pequenas quantidades de loção para aliviar a dor. Condições cutâneas como a sarna requerem tratamento para toda a família, para evitar a propagação e reinfecção, mas sem medicamentos e água limpa isso é impossível.

Para pessoas com doenças não transmissíveis, como hipertensão e diabetes, as consequências da falta de tratamento podem levar a complicações graves, como deficiências permanentes e, em alguns casos, até a morte. Desde o bloqueio, MSF só consegue fornecer medicamentos aos pacientes para cobrir suas necessidades por sete a 10 dias.

“Eu não tenho mais nenhum medicamento para pressão arterial. Meu filho procurou por dois dias e não conseguiu encontrar nenhum ”, explica Sobheya Al-Beshiti, paciente da clínica de MSF em Attar, Khan Younis. "O que eu posso fazer? Ficar sem tratamento? Se eu não tomar meu anticoagulante, meu nariz começa a sangrar e eu começo a tossir sangue.”

Durante o mês sagrado para os muçulmanos do Ramadan e do Eid, os pacientes nas clínicas de MSF relataram perda de peso e falta de acesso a alimentos adequados.

“No momento, meus níveis sanguíneos estão baixos e meu peso também está baixo. Não há alimento suficiente para me ajudar a ganhar peso ou aumentar meus níveis sanguíneos”, explica uma gestante na clínica de MSF em Mawasi, Khan Younis. "O aumento dos preços é um grande problema na cidade: as pessoas simplesmente não podem se dar ‘ao luxo’ de comprar itens de primeira necessidade, porque é tudo muito caro.”

¨      Israel amplia ofensiva para expandir ataques e tomar ‘grandes áreas’ em Gaza

Em novo anúncio, o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, alertou nesta quarta-feira (02/04) que as operações militares estão se expandindo na Faixa de Gaza, prometendo tomar grandes áreas no enclave e incorporá-las às chamadas zonas de “segurança”. A declaração veio depois que as tropas do regime sionista mataram 21 palestinos em novos ataques e forçaram a população a evacuar a cidade de Rafah, na região sul.

De acordo com um comunicado emitido pela pasta, a ofensiva “se expande para esmagar e limpar a área de terroristas e sua infraestrutura, e ocupar amplas áreas que serão incorporadas às zonas de segurança do Estado de Israel”. Entretanto, Katz não deu detalhes sobre quais áreas Tel Aviv pretende ocupar.

Os militares israelenses já estabeleceram uma zona tampão significativa dentro de Gaza, expandindo uma área que existia no perímetro do enclave antes do 7 de outubro de 2023. Ao longo de suas operações, adicionaram novas terras no chamado Corredor Netzarim, que liga o norte e o sul do território palestino.

De acordo com a emissora catari Al Jazeera, o alerta feito pelo governo de Israel “faz parte de uma campanha de pressão máxima destinada a forçar o Hamas a renegociar o acordo de cessar-fogo”. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que violou o tratado em 18 de março e retomou as ofensivas em Gaza, insiste que o Hamas liberte os 59 prisioneiros israelenses restantes em troca de palestinos mantidos pelo regime sionista, mas sem se comprometer com a retirada de suas tropas do enclave.

No entanto, o movimento de resistência exige que Tel Aviv respeite o acordo previamente firmado e se oferece para libertar todos os cativos de uma vez em troca de um cessar-fogo permanente.

Em 21 de março, o ministro Katz também havia anunciado ter ordenado seu Exército para anexar partes do enclave caso os prisioneiros israelenses não fossem soltos, na esteira do projeto do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de expulsar a população palestina para transformar o território em uma espécie de resort no Mediterrâneo.

“Eu ordenei que [o Exército] tome mais territórios em Gaza. Quanto mais o Hamas se recusar a libertar os reféns, mais territórios ele perderá”, afirmou, na ocasião, advertindo “expandir as zonas de proteção ao redor de Gaza para proteger a população civil israelense e os soldados, por meio de uma ocupação permanente da área”.

Desde que Israel retomou seus ataques em Gaza, em menos de duas semanas, mais de mil palestinos foram assassinados, sendo a maioria mulheres e crianças.

 

Fonte: IHU/MSF – Imprensa/Opera Mundi

 

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