Convocar
mutirão pelo clima é forma de reagir às más notícias, diz presidente da COP30
Na
semana que passou, começaram os primeiros movimentos políticos internacionais
que devem definir como vai se desenrolar a 30ª Conferência do Clima das Nações
Unidas (a COP30), que será realizada em novembro em Belém, e o que poderemos
esperar de resultados da cúpula.
Enquanto
o presidente Lula e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina
Silva, viajavam por Japão e Vietnã convocando um “mutirão global da
COP30 contra a mudança de clima”, essa mesma ideia era levada pelo
presidente da cúpula, o embaixador André Corrêa do Lago, para o Diálogo
Climático de Petersberg – evento anual promovido pela Alemanha em conjunto com
o anfitrião da COP do ano.
Já
sentindo os impactos dos primeiros dois meses de Donald Trump na presidência
dos Estados Unidos – que imediatamente tirou o país do Acordo de Paris, iniciou
um desmonte das políticas climáticas do seu antecessor, Joe Biden, e colocou o
mundo em pé de guerra –, o encontro em Berlim serviu como primeiro teste para
medir quanto os países ainda estão comprometidos com o combate à crise
climática.
Em
entrevista à Agência Pública logo em sua volta ao Brasil, na
sexta-feira (28), Corrêa do Lago afirmou que “não há a menor dúvida de que há
uma crise institucional pela ausência dos Estados Unidos e uma crise de
credibilidade por uma certa frustração que se estabeleceu com relação a
Baku”.
Ele se
referiu aos resultados da COP do ano passado, realizada na capital do
Azerbaijão, que teve um resultado muito ruim ao não conseguir entregar uma meta
mais ousada de financiamento climático, o que pôs em xeque a força do
multilateralismo para lidar com o problema. Esperava-se uma mobilização de 1,3
trilhão de dólares para as nações em desenvolvimento, mas os países concordaram
com apenas 300 bilhões. Caberá à COP do Brasil, entre outras coisas, mostrar
como escalar esse valor.
O
embaixador disse, no entanto, que o humor dos países estava melhor do que ele
imaginava e que muitos se esforçaram em demonstrar apoio à ideia lançada pelo
Brasil de que, diante do difícil cenário geopolítico mundial, é necessário se
unir em um “mutirão”. A proposta foi feita no início do mês em uma carta
assinada por Corrêa do Lago, e direcionada aos demais países, com a visão do
Brasil para a COP30.
No
texto, ele fez um apelo para que não apenas os governos dos países, mas também
sociedade civil e empresários não desistam da luta contra o que ele chamou
de inimigo comum a todos: as
mudanças climáticas. “Muitos países ensaiaram pronunciar a palavra ‘mutirão’.
Foi simpático”, disse sobre o encontro em Berlim.
À Pública,
ele falou sobre os desafios de definir qual vai ser a grande entrega da COP no
Brasil, sobre como elaborar um caminho para elevar o financiamento climático e
sobre elefante na sala: como chegar ao fim dos combustíveis fósseis, os grandes
vilões do aquecimento global. “Se nós no Brasil conseguirmos definir melhor
quais são as nossas posições com relação aos combustíveis fósseis, você pode
imaginar o quanto vai ajudar ter uma liderança brasileira para discutir esse
tema”, afirmou.
<><>
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
- O senhor acabou
de voltar do Diálogo Climático de Petersberg, em Berlim, o primeiro
encontro ministerial pré-COP30 e depois de os Estados Unidos terem
abandonado o Acordo de Paris, de Trump ter bagunçado a geopolítica mundial
e de os países europeus terem anunciado planos de aumentar o armamento, o
que indica uma retirada de recursos para o clima. Como estavam os humores
dos países no encontro?
Olha,
eu achei melhor do que eu imaginava. Havia ali uns 40 países e visivelmente
todos acompanham a prioridade do Brasil de fortalecer o multilateralismo.
Todos estavam extremamente comprometidos com a evolução das negociações e da
COP30. Não senti uma reticência com relação ao processo. Acho que o ambiente
estava positivo. Falou-se um pouco dos Estados Unidos, mas muito menos do que
se poderia esperar. Acho que foi bastante animador.
- A COP do ano
passado, em Baku, colocou em xeque a capacidade das COPs, do
multilateralismo, de resolver a emergência climática, ao não trazer um
resultado tão bom quanto era esperado na questão do financiamento. Teve
quebra de confiança, países ameaçando abandonar a discussão…
É… foi ruim.
- A COP30 vem com
esse desafio de retomar essa confiança no multilateralismo?
Vem.
Obviamente eu sou suspeito para falar, porque eu gostei da carta que eu mandei [mensagem sobre
a visão do Brasil para a COP30, enviada no início do mês], mas senti uma reação
muito positiva à carta. Muitos países ensaiaram pronunciar a palavra “mutirão”
[movimento defendido pela presidência para que países e demais setores da
sociedade se unam contra a mudança do clima]. Foi simpático.
- Mutirão vai
virar a palavra-chave dessa COP30?
Eu acho
que sim. Eu espero que sim.
- E a ideia foi
compreendida?
Foi
muito compreendida. É engraçado que não tem uma tradução de mutirão em uma
palavra. Mas o conceito do que propusemos foi entendido.
- Nesta carta, ao
defender a ideia de um mutirão, vocês propõem que não apenas os países,
mas sociedade, setor privado, juventude se unam para ter “um foco sobre
clima como deveria ser”. Mas o que estamos vendo é um desembarque de muita
gente desses esforços. Não apenas do governo americano sob Donald Trump,
mas de bancos e empresas abandonando suas metas de zerar emissões,
por exemplo. Então, como esse chamado ao mutirão se traduz na prática no
âmbito da COP?
Acho
que a ideia do mutirão veio justamente porque esses bancos, essas empresas já
tinham se manifestado. A gente já sabia dos Estados Unidos. É um chamado para
que o tema da mudança do clima não passe para uma posição secundária. A
essência do mutirão é cada um fazer a sua parte, [assim como] o marceneiro faz
o que sabe, o pedreiro faz o que sabe, quem tem um carro empresta o automóvel.
Não é todo mundo fazendo a mesma coisa, mas cada um fazendo alguma coisa. Ao
chamar a sociedade civil, o empresariado, os grupos sub-regionais, estamos
lembrando – neste momento de crise, com os Estados Unidos saindo [do Acordo de
Paris] – que não são só os países que têm que combater a mudança do clima, não
são só os países que vão implementar aquilo [que é definido nas COPs]. Não sei
se você acha que é talvez um pouquinho de otimismo, mas justamente era uma
forma de começar a reagir às más notícias. Que boa notícia podemos trazer
diante desses fatos, que são as empresas saindo [dos seus compromissos], se não
um espírito da gente fazer as coisas juntos?
- Por outro lado,
quando o senhor faz um chamado de “vamos lá, todos juntos”, não é preciso
dizer “juntos” para onde, para fazer o quê, quando e como? O que a gente
quer construir nesse mutirão? Qual é a meta dele? Como isso conversa com o
que vai sair da COP?
Eu acho
que o mutirão inclui até mesmo a preparação da COP. O mutirão é a gente
construir o que vai dar para ter como resultado na COP. Quais vão ser os
resultados desta conferência é algo que a gente ainda está construindo com os
países, a gente tem que ser realista etc. Porque essa é uma COP meio estranha.
Os dois mandatos mais chamativos não virão das negociações: que é a entrega das
[novas] NDCs [contribuições nacionalmente determinadas, que são as metas de
redução de emissões que cada país tem de apresentar neste ano – elas têm de ser
maiores do que as apresentadas há dez anos, no Acordo de Paris] e a entrega do
relatório sobre como vamos passar [do financiamento acordado na COP de Baku, no
ano passado] de 300 bilhões de dólares a 1,3 trilhão [cifra que se considera a
necessária para mobilizar a ação climática em todo o mundo]. Mas nenhuma dessas
duas coisas virá das negociações. Então, já é uma coisa muito diferente em
relação às duas últimas COPs, em que havia uma coisa a ser considerada como
medida do sucesso, que era o “balanço global” em Dubai e o dinheiro em
Baku.
A COP
de Belém tem várias negociações importantes, como a da [meta global de]
adaptação [que vai definir indicadores para orientar os países a adotar medidas
de adaptação à crise climática], que é muito importante, a de transição justa,
que é muito importante, mas essas coisas não são tão fáceis de definir e de
medir como sendo [um resultado de sucesso]. Então, o que a gente pode fazer
para que essa COP seja um sucesso? Eu acho que isso faz parte do mutirão
também. É possível interpretar que mutirão é um chamado para que os estados
americanos, as empresas americanas [atuem], mesmo que o governo não esteja. Ou
um chamado para que as empresas de países que estão sendo modestos nas suas
NDCs sejam mais ambiciosas, ou que as cidades sejam mais ambiciosas. Há várias
interpretações, todas perfeitamente razoáveis.
O fato
é que não há a menor dúvida de que há uma crise institucional pela ausência dos
Estados Unidos e uma crise de credibilidade por uma certa frustração que se estabeleceu
com relação a Baku.
- Queria voltar na
questão das NDCs. Apesar de os países terem de apresentar suas novas metas
ao longo do ano – já deveriam ter entregado em fevereiro, mas a maioria
ainda está devendo –, se esses compromissos não forem ambiciosos, essa
conta vai acabar batendo em Belém. E sabemos que muito provavelmente as
novas ainda não estarão alinhadas com o que seria necessário para conter o
aquecimento global a 1,5 °C.
É, eu
acho que no conjunto eles não estarão. Então, o que a gente faz com isso?
[Decidir esse próximo passo] já é, por exemplo, uma coisa interessante [a ter
como resultado da COP]. Estamos tentando pensar nisso. O que a gente faz com
isso? O que a gente faz com esses números?
- Porque eu
imagino que antes de a COP começar haverá aqueles cálculos falando que as
novas NDCs ainda deixam o mundo no rumo de aquecer… Vou fazer um chute
aqui, vamos ver se eu acerto…
2,1 °C.
<<<<
Eu ia falar 2,5 °C. Porque hoje está em 2,7 °C, né? Mas, se só cair isso,
vai ser uma desgraça.
É. Não
é um grande resultado. Mas não é por causa de Belém. Nem por causa do
Brasil.
- Não. Mas como
Belém vai resolver isso?
Sim,
acho que Belém tem que mostrar o que a gente vai fazer com isso. Por exemplo,
na parte de financiamento. Eu e o [Mukhtar] Babayev [presidente da COP29] temos
de entregar o relatório de financiamento [sobre como saltar de 300 bilhões de
dólares para 1,3 trilhão]. Eu estou querendo fazer uma coisa muito inovadora
com relação ao financiamento.
- Como? Já dá para
adiantar algo?
Olha,
não depende só de mim. Eu estou pedindo conselhos a vários economistas e
especialistas. O [Fernando] Haddad [ministro da Fazenda] vai presidir um
círculo de ministros de Finanças que também vai vir com propostas. As ideias
todas já mais ou menos existem, mas acho que a maneira como a gente vai
organizar o relatório pode ser uma coisa bastante inovadora. Por exemplo,
estamos buscando avançar nesse esforço de definir o que é financiamento
climático, que ainda é uma coisa muito difícil. A gente nota nas negociações
que a interpretação dos diferentes países é muito variada. Há várias
possibilidades abertas, sobretudo levando em consideração que não precisamos
ter em mente somente os mecanismos previstos na Convenção do Clima [da ONU, a
UNFCCC]. Quando a gente fala que a gente quer ir além da UNFCCC, do Acordo de
Paris, é porque tem muita coisa que se pode fazer para financiamento climático
fora [desse escopo], no Banco Mundial, no FMI, por exemplo.
- Desde que o
presidente Lula ofereceu o Brasil para receber a COP deste ano, se criou
uma expectativa muito grande em torno do que ela poderia trazer. O que se
espera do Brasil?
Isso dá
para responder porque eles mesmos [outros países] dizem. Eles esperam do Brasil
um equilíbrio, uma ponte entre o mundo desenvolvido e o mundo em
desenvolvimento. Que o Brasil lidere a COP pensando no bem dessa agenda, e não
especificamente apenas no interesse, por exemplo, do mundo em desenvolvimento
ou do Brasil, especificamente. O que vários me disseram também é que COP em
país que tem tradição diplomática, em geral, tem melhores resultados. Foi o
caso da França, por exemplo, na COP de Paris. Também é a primeira vez que temos
uma COP em um grande país florestal. Para vários países em desenvolvimento,
isso é uma coisa inovadora, por levantar um tema que os países desenvolvidos só
fazem criticar [como quando ocorre desmatamento e queimadas nas florestas], mas
oferecem ajuda muito moderada. Por fim, tem um lado simbólico de que a
Convenção do Clima foi assinada na Rio-92 e de que o Brasil, tradicionalmente,
é um negociador atento e construtivo, mas também, às vezes, muito duro nos
temas que considera que precisam de particular atenção.
- O senhor já
disse em algumas ocasiões que o fato de o Brasil levar a COP para a
Amazônia, para uma cidade que não é um “show de infraestrutura”, demonstra
uma coragem de expor as contradições do país. E não tem como não passar
pela maior contradição do Brasil hoje, que é essa questão do petróleo na
foz do Amazonas. O senhor já disse que isso é uma questão a ser decidida
internamente, que outros países enfrentam essa contradição, mas não dá
para escapar do fato de que já não cabe muito mais carbono na atmosfera.
Quando as COPs vão lidar com o grande elefante na sala que é o fato de que
precisamos de um plano para o planeta abandonar os combustíveis fósseis?
Então,
é o seguinte… [longa pausa para pensar] Eu pedi ao think tank brasileiro
Catavento, que trabalha com energia, um primeiro estudo sobre os desafios que
se apresentam na transição para longe dos combustíveis fósseis [compromisso
definido no Balanço Global apresentado na COP28, em Dubai). E, com base nesse
trabalho, eles estão fazendo um debate com o Instituto Brasileiro do Petróleo .
A Convenção do Clima e o Acordo de Paris têm permitido que a gente entenda
muito melhor certos desafios. Temos mais ciência, mais informação, mais
tecnologia.
Então,
acho que a gente está entrando numa nova fase em que a gente pode colocar de
maneira muito aberta os desafios de afastar dos fósseis. É muito diferente, por
exemplo, para Angola, que é um país que depende completamente do petróleo, de
se afastar dos fósseis, do que um país como o Brasil ou um país onde não tem
produção de petróleo. O estudo também mostra que existem várias categorias de
fósseis, o que estrutura melhor o debate. E há também uma discussão muito
interessante do ponto de vista de princípio, que é a do orçamento de carbono.
Considerando as emissões desde a era pré-industrial até hoje, só sobra X para
emitir carbono para atingir o 1,5 °C de aquecimento. Para a Índia, por exemplo,
esse orçamento de carbono só poderia ser usado por países em desenvolvimento, e
os países desenvolvidos deveriam antecipar sua neutralidade de carbono, parar
de usar fósseis para deixar esse espaço que sobrou para que os outros se
desenvolvam. Do ponto de vista da justiça histórica, é um argumento forte. E há
muitos países que dizem que, como eles [os desenvolvidos] não vão parar, eles
também vão continuar porque têm de levar a energia para os mais pobres.
Então,
há um debate de que poderia ter uma lista de quais países deveriam abandonar o
petróleo antes dos outros. Mas ele está começando. E começou graças àquela
frase em Dubai [sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis], não
tenho a menor dúvida. É uma prova do quanto essas negociações levam a algo.
Agora, por outro lado, uma coisa é você provocar um debate, outra é botar uma
decisão para que 196 países concordem.
- Essas são
reflexões que o senhor está levando para os outros países?
Eu
ainda não falei muito sobre isso internacionalmente. Estou muito mais
interessado, no momento, nesse debate interno. Por isso que eu estou muito
feliz que o IBP se juntou nesse debate.
- Por quê? O
senhor entende que é preciso o Brasil dimensionar melhor sua relação com
os combustíveis fósseis antes da COP para poder dar um exemplo para o
debate externo?
É mais
ou menos isso. Mas, sobretudo, porque são duas coisas: um debate interno, que é
uma decisão soberana, brasileira; e o debate internacional. Para este já há um
consenso internacional, desde Dubai, de que nós vamos nos afastar dos fósseis.
Todos os países do mundo vão fazer isso, mas como isso vai se dar vai ser
país por país, porque cada um tem circunstâncias diferentes. Então, se nós no
Brasil conseguirmos definir melhor quais são as nossas posições com relação aos
combustíveis fósseis, você pode imaginar o quanto vai ajudar ter uma liderança
brasileira para discutir esse tema.
- E o senhor está
confiante que esse debate interno vai avançar nos próximos meses?
Estou
confiante, sim.
- Sua carta foi
criticada por organizações da sociedade civil por não trazer uma menção
mais específica ao fim dos combustíveis fósseis. De repente o mutirão
poderia ter esse objetivo?
Isso
poderia ser a segunda carta…
- Além da
expectativa internacional sobre a COP no Brasil, há também um grande
anseio do ponto de vista nacional. Todo mundo espera ter voz,
principalmente depois de três conferências que se deram em regimes
autoritários (Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão). Mas as COPs são, por
definição, um espaço em que apenas os governos nacionais tomam as
decisões. Como vocês estão tentando dimensionar isso?
Por
isso que, ao conclamar [para o mutirão] pessoas de fora [desse universo das
COPs], nós já estamos fazendo uma coisa diferente. Lembre o seguinte: se a
gente está dizendo que já teve muita negociação e a gente tem que implementar o
que já foi negociado, os governos dão as regras, mas quem implementa é o setor
privado, são os governos locais, os governos estaduais e, claro, os governos
federais em certa medida. Mas não são os negociadores de clima. Acho que as
COPs ficaram muito importantes para a gente achar que é um assunto só dos
negociadores.
- Há alguma
resposta para a demanda dos povos indígenas, que gostariam de ter uma
copresidência da COP e uma maior participação no processo decisório?
Nós
vamos tentar encontrar uma maneira, sim, no processo, para que a posição deles
seja incorporada de maneira mais satisfatória. Há uma grande frustração da
sociedade civil de se manifestar, por exemplo, [apenas] em um discurso no
plenário no momento em que as coisas já estão decididas. Nós vamos procurar,
sim, ter alguma coisa em que eles sintam que participaram mais. Da mesma
maneira que na Rio-92 nós criamos uma nova dimensão da participação da
sociedade civil e na Rio+20 também, quando a gente inovou com os diálogos sobre
desenvolvimento sustentável, nós estamos pensando como é que a gente pode fazer
uma coisa melhor na COP.
- O Brasil tem
dado uma prioridade para a questão da restauração florestal. O que vocês
imaginam que poderia sair da COP sobre esse tema?
Pode
sair algum encaminhamento de crédito de restauração florestal para o mercado de
carbono. Como é que isso vai se encaixar no artigo 6 [do Acordo de Paris, que
estabelece o mercado de carbono]? Ou como é que a gente deve abraçar o mercado
voluntário? O problema é que o mercado voluntário de floresta, de restauração
florestal, teve uma queda muito grande de valor. É uma grande ironia, porque
nenhum crédito de carbono é tão eficiente quanto o de restauração florestal. É
o único que reduz o que já foi emitido. Os outros reduzem emissões futuras.
Então, por que esses créditos são os menos valiosos? Tem o problema da
permanência [dos projetos de restauração], mas pode ser contornado com seguro.
Ou seja, ter um seguro para o caso de aquela floresta queimar, por exemplo.
Você tem o problema da medição, do monitoramento, dos critérios. A gente até
criou uma unidade de contabilidade de carbono no Itamaraty para unir todo o
governo. Acho que aí a gente gostaria de fazer um progresso.
- O senhor
mencionou o fogo. E, realmente, vimos o fogo afetando projetos de
restauração na Amazônia no ano passado, que é algo que vem piorando com as
mudanças climáticas. Quanto mais a atmosfera aquecer com a queima de
combustíveis fósseis, mais a floresta vai ficar suscetível a sofrer com
queimadas. E aí não tem restauração que vá salvar.
Concordo.
Então tem que fazer logo.
- A restauração ou
reduzir as emissões?
Eu acho
que tem que ter mitigação muito forte de qualquer maneira.
- Mas o Brasil tem
essa noção de que não adianta a gente ficar defendendo a solução da
floresta se não conseguir diminuir o uso de petróleo?
A
contribuição da floresta é importante porque é uma oportunidade muito grande
para os países florestais, que são países em desenvolvimento que não conseguem
outro tipo de recurso. Então, é a forma de obter recurso num mundo em que há
poucos recursos. Mas com essa consciência de que [só a restauração] não vai
salvar. Você tem que corrigir essas fragilidades.
- Por fim, queria
falar de guerra. O mundo está hoje muito mais instável, na iminência de
que a qualquer momento conflitos podem escalar em uma grande guerra. Como
não deixar que as nações desembarquem dos esforços contra a mudança do
clima neste cenário?
Em
outros tempos era natural que, quando se está pensando em guerra, todo o resto
cai na hierarquia. Progressos sociais ficam para depois da guerra. Outros
processos são interrompidos. Mas a mudança do clima vai avançar em paralelo ao
problema da guerra. Não tem uma interrupção do outro tempo. O processo de
mudança do clima a gente não consegue interromper.
- E pode até
piorar os conflitos.
Exatamente.
Pode piorar de duas maneiras. O conflito em si e com a diminuição de ação, de
mitigação e de adaptação. Então, como é que nós podemos criar uma hierarquia
diferente para aquilo que está acontecendo de uma forma que você não pode
controlar? Não podemos interromper o tratamento da mudança do clima, uma vez
que não se pode interromper a mudança do clima. Então alguém pode dizer: “Mas
se você não pode interromper, então não adianta fazer mitigação”. Não, não. É
completamente diferente. Porque o que não se consegue controlar é o
imponderável da mudança do clima. Que já está acontecendo por causa do que o
homem já fez. Isso não deve, de maneira nenhuma, diminuir a relevância de
trabalhar em mitigação ou em adaptação. Porque você pode tornar a coisa menos
grave, diminuir o número de vítimas e as consequências. Evitar que a mudança do
clima seja pior. Mas já há suficiente mudança do clima, que é isso que,
infelizmente, já está acontecendo. O fato de o mundo ter passado de 1,5 °C de
aquecimento no ano passado tem de fazer a diferença para esta COP.
Fonte:
Por Giovana Girardi, da Agencia Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário