Saúde global: a nova infiltração das
corporações
Nos últimos tempos,
com o avanço da ultradireita, temos visto os ataques ao sistema multilateral
intensificaram-se tanto no Sul quanto no Norte globais. Em uma de suas
primeiras ações no governo, em meio à pandemia de COVID-19, Trump retirou o
financiamento dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em maio deste ano,
durante a Assembleia Mundial da Saúde, grupos de ultradireita organizaram
manifestações contrárias ao evento, além de disseminarem teorias
conspiracionistas sobre uma tentativa de assassinato do primeiro-ministro da
Eslováquia, por supostamente não ter aderido ao chamado Tratado das Pandemias.
Por isso, é cada vez mais urgente repensar a governança global para que o
multilateralismo ofereça respostas às múltiplas crises que caracterizam a
atualidade.
É nesse contexto que,
na segunda-feira (23/9), em um evento paralelo à 79ª Assembleia das Nações
Unidas em Nova Iorque chamado Cúpula do Futuro, foi adotado o documento “Pact
of the Future, Global Digital Compact, and Declaration of Future Generations”, que
definirá em que termos a ONU funcionará nas próximas décadas.
Nele, se fala de
“acelerar esforços para alcançar a cobertura universal de saúde” e “proteger o
direito de usufruir do mais alto padrão de saúde mental e física”, além de paz
e segurança, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, cooperação digital,
direitos humanos, gênero, juventude e futuras gerações e governança global. Mas
apesar dos títulos pomposos e temas atuais e relevantes, as soluções apontadas
pelo Pacto não apontam para um futuro com mais justiça social, igualdade,
saúde, menos fome, e com o planeta preservado.
O documento adotado
pavimenta o caminho para que as empresas e os poderosos grupos de interesse
participem cada vez mais profundamente do funcionamento das Nações Unidas, e da
governança global no papel de “partes interessadas”. Porém, após décadas de influência
das grandes empresas nas decisões globais, está claro que essa abordagem só
piorará a situação, que já é crítica.
Vivemos em um mundo
cada vez mais desigual, os países não conseguem financiar adequadamente seus
sistemas de educação, saúde e seguridade social; testemunhamos a devastação
ambiental para a expansão do agronegócio, que ameaçam biomas inteiros. Ao mesmo
tempo, no nível multilateral, corporações sentam-se à mesa, propondo falsas
soluções, tais como o mercado de crédito de carbono. O que nos choca é ver
diversas organizações da sociedade civil, de todas as partes do mundo,
celebrando a consagração da captura corporativa da governança global. Não há o
que comemorar.
Unir os povos contra a
intrusão das corporações no sistema multilateral
Durante os dias 19, 20
e 21 de setembro, o Transnational Institute (TNI), uma ONG baseada na Holanda,
em parceria com diversas outras organizações e movimentos sociais, tais como
Movimento pela Saúde dos Povos (MSP), Amigos da Terra (AdT), FIAN Internacional,
entre outros, organizou um evento em Nova Iorque com o tema “Stop Neoliberal
Globalization, Corporate Capture and the Far-Right”, ou “Paremos a globalização
neoliberal, a captura corporativa e a extrema direita”.
Nos três dias de
discussão, nos quais foram analisados cada capítulo do Pacto pelo Futuro, o
objetivo foi avançar demandas por um sistema multilateral mais eficaz,
democrático e justo, construir conjuntamente soluções transformadoras para os
principais problemas do nosso planeta e desafiar a “ONU 2.0” do
Secretário-Geral da ONU, que traz um papel maior para as corporações
transnacionais, o multistakeholderismo e a “governança em rede”.
Buscamos uma nova
visão para a cooperação internacional, uma visão de um mundo que se concentra
nas necessidades das pessoas e na preservação e recuperação do meio ambiente,
afastando a ideia de um mundo controlado por corporações, em que a busca do
lucro vale mais do que a vida e coloca em risco a própria existência do planeta
como o conhecemos hoje.
Acreditamos,
defendemos e nos organizamos para alcançar um multilateralismo centrado nos
povos e na defesa do planeta. Um multilateralismo que diferencie interesses
públicos e interesses privados e que priorize necessidades de populações
inteiras, frente ao avanço dos privilégios corporativos. Que coloque, enfim, a
vida antes do lucro.
Acreditamos que o
multilateralismo pode ser um veículo de mudança, de avanço da justiça social e
da preservação do planeta. Mas para isso, países do Sul Global precisam tomar o
protagonismo — respaldados por seu poder numérico, demográfico e econômico — e
lutar pela sobrevivência de suas próprias populações. Ao mesmo tempo,
movimentos sociais e organizações da sociedade civil que aplaudiram a
consagração da captura corporativa da governança global, no lugar de
participarem do circo, precisam mobilizar e apoiar o campo de organizações e
movimentos sociais que realmente busca mudanças substantivas.
Fonte: Outra Saúde
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