Rússia lança contraofensiva, após Ucrânia
invadir Kursk
Mais de um mês depois
de as tropas ucranianas surpreenderem a Rússia com a invasão da região
fronteiriça de Kursk, Moscou começou seu contra-ataque. A informação foi
confirmada pelo presidente ucraniano Volodimir Zelenski nesta quinta-feira
(12/09), que disse que a reação faz parte do "plano" ucraniano.
"A Rússia lançou
ações contraofensivas, que estão em linha com o nosso plano ucraniano",
assegurou a jornalistas em Kiev.
A Rússia afirma ter
recapturado dez vilarejos na região nas últimas 48 horas.
Zelenski também
comentou relatos sobre o acúmulo de tropas bielorrussas perto da fronteira com
a Ucrânia e disse que Kiev acompanha de perto a situação.
O presidente ucraniano
voltou a insistir para que os aliados de Kiev permitam o uso de suas armas
contra alvos em território russo – algo que, até agora, só foi autorizado na
fronteira, para evitar ataques contra a Ucrânia.
"Atrasar o
processo faz a Rússia mover estes alvos militares mais para o interior [do
país]", declarou, indicando que teve na quarta-feira uma conversa
"muito direta" com o secretário de Estado americano, Antony Blinken,
e com o ministro das Relações Exteriores britânico, David Lammy.
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Ucrânia tenta resistir ao avanço russo em Donetsk
As tropas ucranianas
invadiram Kursk em 6 de agosto como parte de uma estratégia que visava, entre
outras coisas, forçar a Rússia a remanejar tropas em Donetzk, no leste
ucraniano, e criar uma zona tampão para evitar novos ataques.
A Rússia tenta assumir
o controle de toda a região de Donetsk. Um dos últimos bastiões ucranianos ali
é Pokrovsk, um centro logístico importante para as defesas ucranianas.
Apoiadas por bombas e
artilharia pesada, tropas de Moscou reduziram a escombros cidades em Donetsk
como Bakhmut e Avdiivka. Também têm investido contra a infraestrutura do país,
principalmente do setor de energia, o que possivelmente deixará os ucranianos
diante de um difícil inverno neste ano.
• A Otan deve derrubar drones russos no
oeste da Ucrânia?
Nas primeiras horas de
domingo passado (08/09), dois caças F-16 romenos decolaram de uma base aérea em
Borcea, uma cidade perto da fronteira com a Ucrânia. Os moradores da região
foram avisados por alertas de texto.
A resposta de
emergência foi acionada depois que o sistema de vigilância por radar da Romênia
rastreou um drone russo entrando no espaço aéreo da Romênia. O drone teria
pairado lá por mais de 30 minutos e finalmente voltou para a Ucrânia.
Não foi o primeiro
incidente desse tipo na Romênia ou, nesse caso, em território da Otan. Apenas
um dia antes, um drone russo caiu perto da cidade letã de Rezekne,
provavelmente vindo da vizinha Belarus.
O número de tais
incidentes tem aumentado nas últimas quatro semanas, com a Rússia parecendo
disposta a correr mais riscos. "Está piorando, e a Otan agora realmente
precisa encontrar uma resposta", disse à DW Jamie Shea,
ex-secretário-geral adjunto para desafios emergentes de segurança da Otan.
Shea, membro sênior do
think tank Friends of Europe, sediado em Bruxelas, argumenta que a aliança tem
"que fornecer mais proteção aos seus Estados-membros". A aliança
prometeu proteger cada centímetro do território da Otan desde o início da guerra
da Rússia na Ucrânia.
<><> A
Rússia está testando a Otan?
A organização condenou
as recentes violações do espaço aéreo pela Rússia, chamando-as de
"irresponsáveis e potencialmente perigosas".
No entanto, em uma
publicação na plataforma social X, o vice-secretário-geral em final de mandato,
Mircea Geoana, destacou que a aliança não tem nenhuma informação
"indicando um ataque intencional da Rússia contra os aliados".
Especialistas como Jan
Kallberg, um membro do Center of European Policy Analysis, com sede em
Washington, suspeitam que a Rússia pode estar sondando a reação da Otan e
buscando encontrar discrepâncias "entre o que dizemos e o que
fazemos". Eles também podem "tentar testar a capacidade de
comunicação dos aliados da Otan", disse ele à DW.
A questão esteve entre
os tópicos discutidos durante uma reunião a portas fechadas do Conselho do
Atlântico Norte em Bruxelas esta semana. A pressão parece estar crescendo para
que a Otan vá além das medidas já implementadas, incluindo o aumento da vigilância
e patrulhas aéreas e a implantação de mais sistemas de defesa aérea nas regiões
orientais da aliança.
<><> A
Otan deveria simplesmente abater drones russos?
Em uma entrevista
recente ao jornal Financial Times, o ministro das Relações Exteriores polonês,
Radek Sikorski, disse que a Polônia, assim como outros países que fazem
fronteira com a Ucrânia, têm o "dever" de abater mísseis russos antes
que eles entrem em seu espaço aéreo.
Em novembro de 2022,
dois fazendeiros morreram quando um míssil — dessa vez um míssil de defesa
aérea ucraniano — causou uma explosão fora da vila de Przewodow, cerca de 8
quilômetros a oeste da fronteira ucraniana.
Como nação soberana, a
Polônia certamente poderia fazer o que considerasse necessário para sua
autodefesa, mas é improvável que o governo polonês vá em frente sem uma decisão
coletiva da aliança. Até agora, a Otan se opôs a essa proposta, afirmando que corre
o risco de a aliança se tornar parte do conflito.
"A mentalidade de
escalada está limitando a capacidade dos países da Otan de ajudar a si mesmos e
à Ucrânia", diz Kristine Berzina, especialista em política de segurança do
German Marshall Fund, um think tank de política pública dos EUA. Ela destaca
que, apesar de a Rússia proclamar "linhas vermelhas em todo o lugar",
nem o apoio crescente do Ocidente à Ucrânia nem a recente incursão da Ucrânia
em território russo na região de Kursk provocaram "qualquer tipo de
resultado cataclísmico de forma alguma".
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Zona-tampão na fronteira com a Ucrânia?
"Estender as
defesas aéreas da Polônia ou da Romênia sobre o oeste da Ucrânia ajudaria a
Polônia não apenas a proteger seus próprios cidadãos, mas também cidades
ucranianas como Lviv", sublinha Berzina. Isso seria um efeito colateral
importante e bem-vindo para a Ucrânia, já que o inverno está se aproximando,
época conhecida por um rápido aumento nos ataques russos à infraestrutura
energética da Ucrânia.
Shea, o ex-oficial da
Otan, também espera que a perspectiva de incidentes no espaço aéreo da Otan
cresça à medida que a Rússia ataca mais alvos no oeste da Ucrânia.
"A verdadeira
questão é: alguém tem que morrer além dos dois poloneses, e quanto a situação
tem que piorar até que esse tipo de problema venha a ser tematizado?",
questiona Shea.
Mas Shea observa que
se a Otan decidir usar seus sistemas de defesa aérea na fronteira com a Ucrânia
dentro de uma área limitada, "tem que ser suficientemente limitada"
para não dar a impressão de que "esta é a introdução do Ocidente na guerra".
Ainda assim, "tem
que ser operacionalmente eficaz" não apenas para interceptar drones, mas
também mísseis balísticos, antes que eles possam cruzar para o território da
Otan. De acordo com Shea, uma zona de 100 quilômetros em território ucraniano é
provavelmente "o mínimo para lhe dar tempo adequado de reconhecimento,
vigilância e interceptação".
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Aliados da Otan contidos pela política interna
No final, é certamente
uma decisão política. Especialistas com quem a DW conversou concordam que se a
Otan quiser uma zona-tampão na fronteira com a Ucrânia, ela terá os recursos
para estabelecê-la.
Mas é provável que
isso aconteça?
Com a próxima eleição
presidencial nos EUA e a difícil política interna na França e na Alemanha, os
governos parecem ter pouco apetite para tomar decisões que podem ser criticadas
por levar seus países à beira da guerra com a Rússia.
"Enquanto os
russos não estiverem deliberadamente nos atacando, faremos vista grossa",
disse o ex-oficial da Otan Jamie Shea.
"Mas se houver um
incidente sério em que um drone russo caia em um supermercado em um país da
Otan", ele acrescenta. "Será uma história bem diferente."
• Apoio alemão à Ucrânia na mira dos
populistas
"Apoiamos a
Ucrânia em sua resistência à guerra de agressão da Rússia. Obviamente,
continuaremos a fazê-lo", disse um porta-voz do governo alemão após o
resultado das recentes eleições nos estados da Turíngia e Saxônia, onde as
legendas populistas de direita e de esquerda receberam votações expressivas.
Mas seria isso tão
"óbvio" após o sucesso eleitoral da Alternativa para Alemanha (AfD) e
da Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) no leste do país? Trata-se de dois partidos
que defendem o fim do apoio militar à Ucrânia e a melhora das relações com a
Rússia.
Apesar de as decisões
em política externa não serem tomadas em nível estadual, o apoio alemão à
Ucrânia se tornou um dos temas da campanha eleitoral nos estados do leste.
A esquerdista Sahra
Wagenknecht fez da votação uma escolha entre a guerra e a paz. O líder da AfD
na Turíngia, Björn Höcke, chegou a afirmar que "essas eleições no leste
também decidirão se esse país deixa o caminho da guerra ou se continua rumo a uma
escalada".
Algumas estatísticas
refletem as dimensões do problema que o governo federal alemão vem enfrentando,
principalmente no leste do país, apesar de o chanceler federal, Olaf Scholz,
garantir que Berlim apoiará Kiev "pelo tempo que for necessário".
<><> Medo
de uma ampliação da guerra
Segundo a edição de
2024 do Relatório Allensbach de Segurança, 76% dos entrevistados no leste do
país temem que a Alemanha acabe sendo arrastada para um conflito militar. Em
contraste, apenas 44% das pessoas no oeste alemão expressam esse mesmo
sentimento.
Uma pesquisa divulgada
em julho pelo instituto Infratest Dimap afirma que 36% dos respondentes em todo
o país avaliam que o envio de armamentos para a Ucrânia por parte da Alemanha
já teria ido "longe demais". No leste, 50% pensam dessa forma.
"Muitos no leste
temem uma escalada da guerra através do envio de armas", explica Katja
Hoyer, uma historiadora natural de Brandemburgo, também no leste alemão, que
vive agora no Reino Unido.
"Nas últimas
semanas, ouvi vez após vez o argumento de que a Rússia, de qualquer forma, não
poderá ser derrotada, e que o futuro apoio à Ucrânia seria somente uma
provocação desnecessária que iria prolongar a guerra".
Em email à DW, Hoyer
diz acreditar que essa perspectiva teria origem nas experiências vividas na
antiga Alemanha Oriental, sob o jugo soviético. "A União Soviética era uma
das duas potências mundiais. A reverência que muitos no leste sentiam pelo Estado
soviético foi transferida para Rússia atual – não tanto para o Ocidente."
Além disso, a opinião das pessoas do leste do país sobre a União Soviética não
era totalmente negativa.
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"As duas ramificações do Kremlin"
O governador da
Saxônia, Michael Kretschmer, ecoou esse sentimento durante a campanha eleitoral
deste ano e defendeu um "congelamento" da guerra na Ucrânia. Esse
posicionamento gerou críticas de dentro de seu partido, a conservadora União
Democrata Cristã (CDU), a maior sigla de oposição no Bundestag (Parlamento), na
qual muitos veem as posições de Kretschmer em relação à guerra como uma traição
à Ucrânia.
O analista político
Roderich Kiesewetter avalia que a CDU se deixou pressionar pelo que chamou de
"as duas ramificações do Kremlin", se referindo à AfD e BSW.
Em email à DW, ele
afirmou que "um 'congelamento' no conflito resultaria em crimes de guerra
massivos nos territórios ocupados e no envio de soldados dos países do Ocidente
para reforçar as linhas de frente. Serviria como um modelo para outros países
agressivos e resultaria em milhões de refugiados a mais e pessoas deslocadas
que terão de fugir para a Alemanha e para a Europa Ocidental." Kiesewetter
atribui a perspectiva no leste alemão à "romantização da Rússia, distorção
da história e antiamericanismo".
Mesmo assim,
Kretschmer conseguiu encontrar ressonância em meio aos eleitores da Saxônia. Em
parte, provavelmente, em razão de suas críticas ao apoio à Ucrânia, a CDU
superou por margem bastante apertada a AfD, um partido que não tem escrúpulos
ao torcer abertamente por um triunfo russo na guerra.
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"Teste de resistência" para a CDU
Nas futuras
negociações para formar coalizões de governo na Saxônia e na Turíngia, a
pergunta "qual é a sua posição sobre o apoio à Ucrânia?" poderá ter
consequências concretas. Nos dois estados, há uma boa chance de que a CDU
lidere o próximo governo. Os conservadores, no entanto, necessitarão de
parceiros de coalizão. Até agora, a CDU diz descartar alianças com a AfD,
embora não tenha feito o mesmo com a BSW.
Antes das eleições,
Wagenknecht deixou claro que a adesão de seu partido a uma coalizão de governo
dependerá do tema Ucrânia. "Somente participaremos de um governo estadual
que adote uma posição clara em nome da diplomacia e contra as preparações para
a guerra também em nível federal", afirmou, antes da votação.
Desde as eleições,
contudo, Wagenknecht adotou um tom mais ameno. Ela passou a dizer que um
governo que inclua a BSW deve comunicar publicamente a intenção de ver mais
"iniciativas diplomáticas" por parte do governo federal visando o fim
da guerra na Ucrânia, e que não apoia o envio de armas a Kiev "na escala
atual".
<><>BSW
como o "longo braço do Kremlin"
É possível, contudo,
que a BSW faça valer a sua vontade? "Isso não deverá ser um grande desafio
na Saxônia", diz Katja Hoyer. "Kretschmer, desde o começo, já se
pronunciou claramente contra o envio de armas."
A especialista, porém,
avalia que na Turíngia a situação é bem diferente. Ali, a AfD terminou as
eleições como a sigla mais forte, à frente da CDU. "A BSW pode e irá
colocar pressão sobre a CDU, que não venceu a eleição", prevê Hoyer.
"Quase a metade
do eleitorado votou na AfD ou na BSW, ou seja, em um partido pró-Rússia. Mesmo
que Wagenknecht tenha descartado isso, uma coalizão entre as duas siglas teria
maioria no Parlamento estadual." Isso faz com a BSW tenha uma margem de
negociação considerável para exigir concessões da CDU.
Kiesewetter, por sua
vez, aconselha fortemente contra fazer concessões à sigla esquerdista. "O
BSW é o braço longo do Kremlin e vai contra todos os valores que a União [a
longeva aliança da CDU com a União Social Cristã (CSU) na Baviera]
tradicionalmente defende: paz através da liberdade e autodeterminação, leis
internacionais, democracia e comprometimento com o Ocidente". Para ele,
colaborar com a BSW "equivaleria a autodestruição".
Uma saída seria os
dois lados reconhecerem que os estados não são responsáveis pela situação na
Ucrânia, enquanto se comprometem, mesmo que vagamente, aos esforços pela paz.
Em nível federal, porém, a questão está longe de ser resolvida.
O apoio público à
Ucrânia está se erodindo, especialmente no leste da Alemanha. Quanto mais a
guerra se arrastar, mais difícil será para o governo manter sua política de
apoio a Kiev. O tema certamente voltará à tona em 2025, antes das eleições
gerais no país, em 28 de setembro.
Fonte: Deutsche Welle
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