quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Expansão da máfia holandesa preocupa autoridades alemãs

Grupo conhecido como Mocro Máfia estaria por trás de série de explosões em cidade alemã. Extremamente violenta, rede holandesa atua no tráfico de drogas e está envolvida em sequestros e assassinatos.

Os temores de uma guerra entre grupos criminosos alemães e holandeses aumentaram recentemente. Indícios apontam que uma série de explosões na cidade alemã de Colônia estaria ligada a essa disputa. Na quarta-feira da semana passada (18/09), um artefato incendiário explodiu em uma loja de roupas localizada em uma rua de comércio bastante popular.

"Há, obviamente, acertos de contas ocorrendo naquela região que ainda estão sendo resolvidos", afirmou em uma coletiva de imprensa o chefe do Departamento de Investigação Criminal de Colônia, Michael Esser.

Os investigadores há muito suspeitam que cartéis da Holanda estejam envolvidos em ações criminosas no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, onde se localizam cidades como Colônia, Düsseldorf e Bonn.

O recente sequestro e tortura de um homem e uma mulher em Colônia na Alemanha elevou as preocupações das autoridades. A suspeita é tenha sido um ato de vingança por uma compra de drogas que não teria sido paga. As duas vítimas, aparentemente membros de uma organização criminosa alemã, foram libertadas por uma força especial da polícia no início de agosto. A operação resultou em quatro prisões e em buscas em seis edifícios e apartamentos na cidade, nas quais dois outros homens foram detidos.

<><> Mais de 800 redes criminosas na Europa

Explosões durante tentativas de roubo a caixas automáticos também foram registradas na Renânia do Norte-Vestfália, estado no oeste da Alemanha que faz fronteira com a Holanda. Esses crimes são atribuídos à chamada Mocro Máfia, forma como vários veículos de imprensa holandeses e alemães se referem a esses criminosos.

O termo é utilizado para designar organizações do crime organizado composta majoritariamente por holandeses de origem marroquina, que atuam no tráfico de drogas. Essa designação, contudo, é bastante controversa e interpretada como racista por alguns afetados.

A máfia holandesa é apenas uma entre várias organizações criminosas que atuam na Europa. A Europol contabilizou 821 redes criminosas que atuam no continente. Juntos esses grupos reúnem mais de 25 mil membros.

<><> As origens da Mocro Máfia

O termo comum para designar grupos criminosos holandeses também é conhecido por ser o título de uma série de televisão de sucesso, transmitida na Holanda e na Alemanha. Contudo, os criminologistas e a polícia concordam que esses grupos não possuem identidade étnica uniforme. 

"A chamada Mocro Máfia começou importando maconha para a Holanda nos anos 1990 e depois expandiu seus negócios para incluir a importação de cocaína", conta Dirk Peglow, diretor da Associação Alemã de Investigadores Criminais. "Lidamos com um grupo cujas estruturas estão estabelecidas há décadas, e que não é mais formado apenas por marroquinos."

O grupo, contudo, costuma ser bem mais violento do que as gangues alemãs. Histórias sobre câmaras de tortura, cabeças decepadas e até sobre planos para sequestrar a princesa herdeira da Holanda, Catharina-Amalia, na época com apenas 18 anos, viraram notícia.

O criminologista holandês Cyrille Fijnaut calcula que entre dez e 20 pessoas sejam assassinadas pela organização todos os anos.

"Em todos os grupos, a prontidão à violência é bastante alta", observa Mahmoud Jaraba, cientista político e pesquisador do crime no Centro de Pesquisas FAU para o Islã e o Direito na Europa. "Nesse grupo, porém, a predisposição para se cometer atos de violência é maior." Segundo o especialista, as semelhanças entre as gangues estão nas estruturas e nos modelos de negócio.

"Os clãs árabes na Alemanha não são muito diferentes. Os líderes vêm de uma determinada família, mas estes não são grupos fechados", acrescenta Jaraba. "Sem suas redes dentro e fora da Alemanha e da Holanda, eles não sobreviveriam."

<><> Assassinatos de testemunhas e rivais

A brutalidade e a falta de escrúpulos do grupo se tornaram evidente na Holanda em 2021, com o assassinato do jornalista Peter de Vries, que denunciava incessantemente o crime organizado no país. Ele foi executado numa rua de Amsterdã logo após participar de um programa de televisão.

Um dos três assassinos foi julgado em um tribunal em um processo que durou anos. Além de De Vries, também foram assassinados o irmão de uma testemunha-chave do caso e um promotor.

Em fevereiro deste ano, o tribunal condenou 17 réus – entre eles, o líder da gangue Ridouan Taghi – a longas penas de prisão por múltiplos assassinatos e tentativas de assassinato. Taghi e outros três membros do grupo receberam penas de prisão perpétua. Em junho, outros seis homens foram condenados pela morte de De Vries.

Apesar do sucesso das ações nos tribunais, as redes criminosas parecem estar florescendo e se espalhando pela Alemanha. "Vimos na Renânia do Norte-Vestfália que o grupo já está ativo na Alemanha e que suas atividades criminosas são brutais ao ponto de aceitar causar ferimentos e até mortes de inocentes", afirma Peglow.

Mesmo que o sequestro em Colônia tenha mostrado que pode haver disputas entre as organizações criminosas, esses grupos tendem geralmente a trabalharem juntos.

As gangues alemãs são aparentemente responsáveis por importar cocaína e heroína dos grupos holandeses. "Até hoje, esses relacionamentos e colaborações entre os vários grupos criminosos da Holanda e Alemanha continuam", explica Jabara.

<><> Desafios do combate ao crime organizado

Os pesquisadores não sabem exatamente quando a Mocro Máfia começou a expandir seus negócios para a Alemanha, tampouco quais crimes ela teria cometido no país. As polícias alemã e holandesa, segundo informações próprias, conseguiram nos últimos anos reunir mais informações sobre as redes criminosas internacionais graças à análise de conversas em aplicativos de mensagens.

Mesmo assim, Dirk Peglow alerta que os políticos alemães devem fazer mais para apoiar os esforços da polícia. "Na Alemanha, não podemos esperar até que estruturas semelhantes às existentes na Holanda sejam estabelecidas", destaca. "Temos que cooperar mais a polícia holandesa e evitar que incidentes como os que ocorreram na Renânia do Norte-Vestfália acabem virando a norma".

Jaraba observa que se não houver mais recursos para combater o crime, a polícia terá poucas chances contra essas estruturas criminosas. "Temos extremamente poucas opções para combater esse fenômeno, porque, na maioria dos casos, esses criminosos vêm da Holanda, escapam através de rotas de fuga e têm pessoas que trabalham com eles".

¨      Por que a Alemanha tem fama de ser paraíso para a máfia

A Alemanha há muito conquistou a reputação de porto seguro para o crime organizado. Muitas das batidas policiais foram focadas no estado da Turíngia, no leste da Alemanha, que se tornou um reduto da máfia após a reunificação do país, quando o período de transição e consequentes distrações nas autoridades responsáveis pela aplicação das leis facilitaram as condições para que a máfia italiana comprasse lotes de imóveis.

Já em 2012, Roberto Scarpinato, promotor-chefe antimáfia de Palermo, na Sicília, falou ao Parlamento alemão, o Bundestag, sobre "fluxos incríveis de dinheiro da Itália para a Alemanha" e destacou brechas nas leis contra lavagem de dinheiro.

<><> Lavagem de dinheiro na Alemanha

Mas a Alemanha continua sendo uma economia bastante favorável a operações com dinheiro em espécie. Até hoje, ao contrário de outros países da União Europeia (UE), não há um teto para pagamentos em dinheiro em uma única transação: na Espanha, o limite é de 2.500 euros (R$ 13.750); na Itália, mil euros (R$ 5.500); e na Grécia, 500 euros (R$ 2.750).

A ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, está planejando um limite de 10 mil euros (R$ 55 mil) na Alemanha, o que colocaria o país em conformidade com uma diretiva da UE, mas especialistas jurídicos já estão preocupados se isso está em conformidade com a Constituição alemã.

Do jeito que as coisas estão, é possível gastar até 10 mil euros em espécie na Alemanha na maioria das coisas sem precisar se identificar – embora desde 2020 seja necessário mostrar a identidade ao comprar mais de 2 mil euros (R$ 11 mil) em metais preciosos. Tudo isso torna extremamente fácil para os grupos mafiosos lavarem dinheiro na Alemanha.

Até abril de 2023, até mesmo imóveis podiam ser comprados à vista, o que poderia ser particularmente lucrativo em cidades como Berlim, onde o mercado imobiliário promete lucros astronômicos.

<><> Sem transparência, sem fiscalização

O fato de grupos do crime organizado estarem se aproveitando disso por meio de redes opacas de empresas de fachada é de conhecimento público desde 2016, quando os Panama Papers vazaram. "Não podemos chamar isso de avanço, mas talvez seja um sucesso parcial contra partes da máfia", diz Andreas Frank, que passou três décadas investigando e escrevendo sobre as brechas da lavagem de dinheiro na Alemanha. "A 'Ndrangheta é algo com o qual temos sido confrontados há muito tempo."

Frank, cujo livro de 2022 Dreckiges Geld (Dinheiro sujo, em tradução livre) argumenta que a lavagem de dinheiro está minando a democracia na Europa Ocidental, já está quase cansado de descrever o que vê como falta de vontade política para enfrentar o problema. "Alguma coisa melhorou no combate à lavagem de dinheiro? Não! Absolutamente nada."

<><> Consequências para toda a sociedade

Frank, que também testemunhou perante o comitê do Bundestag em 2012 ao lado de Scarpinato, acha que o dano causado pelo crime organizado é constantemente subestimado. "A máfia é altamente perigosa, prejudica nossa economia", diz. "Enquanto negócio legítimo, é muito difícil competir com os negócios liderados pela máfia. E a 'Ndrangheta é apenas uma das muitas organizações."

Além disso, como em muitas autoridades investigadoras em todo o mundo, também há escassez de recursos. A autoridade alemã encarregada de rastrear operações de lavagem de dinheiro, a Unidade de Inteligência Financeira (FIU, na sigla em inglês), foi acusada de ser lenta em relatar suas suspeitas aos promotores competentes. E os promotores, por sua vez, geralmente operam no nível estadual e frequentemente reclamam que não podem perseguir crimes além de sua jurisdição, o que torna a coordenação de informações extremamente difícil.

Frank acredita que os problemas estruturais se resumem à falta de pessoal combinada com inibições no compartilhamento de dados entre as autoridades. "Demorou anos, até 2021 e 2022, para que a FIU tivesse acesso aos dados de que precisava", disse ele à DW. "E ainda hoje não tem acesso total."

Para a jornalista Reski, toda a questão se resume à vontade política: "Não há vontade política na Alemanha para combater a máfia, esse é o ponto", conclui. "Porque os políticos alemães veem o investimento da máfia como um motor econômico. O dinheiro vem, e eles não querem saber de onde vem."

Isso tem repercussões internacionais muito além da atividade da máfia, como Frank apontou: "Se eu não posso aplicar as leis contra a lavagem de dinheiro, não deveria me surpreender quando as sanções contra a Rússia não funcionam. Eu sequer sei onde essas fortunas russas estão."

 

¨      PCC, 'Ndrangheta e Máfia dos Bálcãs: mafioso italiano descreve elos entre facções do tráfico de cocaína

O mafioso italiano Vincenzo Pasquino, apontado como um dos maiores intermediários do tráfico de cocaína da América do Sul, detalhou o caminho percorrido pela cocaína ao passar por facções brasileiras e chegar até o Mar Mediterrâneo. Em depoimento, o integrante da 'Ndrangheta, grupo criminoso da Calábria, descreveu a sua ida a diferentes capitais brasileiras, reuniões com as 'cúpulas' do Primeiro Comando da Capital (PCC) e a estratégia usada para o transporte da droga de portos nacionais para o exterior.

O mafioso foi ouvido pela primeira vez em maio deste ano no Tribunal de Locri, na Itália. No entanto, suas declarações foram tornadas públicas somente neste mês, quando começaram a ser noticiadas pela imprensa do país europeu.

Segundo o jornal Estado de S. Paulo, Pasquino revelou nessa ocasião que seu primeiro contato com o crime organizado aconteceu na província italiana de Piemonte, onde ele se ligou ao clã mafioso Ndrina Agresta de Volpiano. Na região, ele também criou vínculos com líderes de facções albanesas associadas ao tráfico internacional de drogas.

Ele foi enviado para o Brasil pela primeira vez em 2017 para integrar o esquema de envio de cocaína da 'Ndrangheta para a Europa. Ele se estabeleceu no Tatuapé, zona leste da cidade de São Paulo, onde desenvolveu conexões com lideranças do PCC. Aliado ao grupo italiano de Pasquino e à máfia dos Balcãs, a facção brasileira lucrou mais de US$ 1 bilhão por ano com o tráfico transatlântico de drogas.

<><> Caminho percorrido pela droga no Brasil

Em outro trecho do depoimento, Pasquino descreveu como funciona o crime organizado no Brasil. O documento divulgado pela Justiça italiana omite nomes, mas reconstitui o modus operandi do tráfico internacional de drogas em solo brasileiro.

"Em 2020, (nome omitido) saiu de Brasília (onde vivia) e veio visitar-me em Aracaju (onde eu vivia na época), com escala em Salvador e destino em Fortaleza. Ele tomou essas precauções porque eu era um fugitivo. Veio visitar-me porque tínhamos algumas importações em curso, incluindo uma em Roterdã", afirmou Pasquino.

Ele mencionou uma conversa com um grupo de traficantes na qual foi negociado o envio de meia tonelada de cocaína para Gioia Tauro, na Itália. "Combinamos então dividir os 500 kg 50-50 entre nós e os brasileiros", disse.

Durante sua fala, Pasquino também informou que o início das relações da 'Ndrangheta com outro grupo criminoso italiano, o da família Nirta, de San Luca, ocorreu pela necessidade de uma "escalada" no tráfico a partir dos portos brasileiros.

<><> Prisão no Brasil

Preso em maio de 2021 em João Pessoa, na Paraíba, ao lado de Rocco Morabito, o "rei da cocaína", Pasquino era considerado um dos 30 foragidos mais procurados pela polícia italiana. Ele foi deportado em fevereiro deste ano após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinar a notificação do Ministério da Justiça sobre a decisão da Corte que autorizou a extradição do italiano.

O Supremo deu o sinal verde para a entrega do detento à Itália em dezembro de 2022, mas o procedimento ficou suspenso à espera da análise de um pedido de refúgio de Pasquino. Com a recusa do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Moraes deu andamento à extradição.

Ao comentar a detenção de Pasquino, a então ministra do Interior da Itália, Luciana Lamorgese, elogiou o trabalho dos investigadores e ressaltou a captura de quem chamou de "figura de destaque no tráfico internacional de drogas e incluído na lista dos fugitivos mais perigosos" da pasta.

Em setembro passado, o mafioso foi condenado, na segunda instância de Turim, a 14 anos e meio de prisão por tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro. No entanto, Pasquino era procurado desde 2019, quando a Justiça de sua terra natal expediu mandado de prisão contra ele.

"Vincenzo Pasquino é um traficante internacional. Alvo de um procedimento penal da direção setorial antimáfia de Torino, porque pertence ao clã da ‘Ndrangheta chefiado por Nicola e Patrick Assisi", explicou o procurador Giovanni Bombardieri.

Nicola e Patrick Assisi, pai e filho, foram presos num apartamento de luxo em Praia Grande, na Baixada Santista, em julho de 2019. Na cobertura, foi encontrado um passaporte em nome de Vicenzo Pasquino.

Depois da captura dos dois, Pasquino tomou o lugar deles e passou a negociar em nome das principais famílias mafiosas o transporte de carregamentos de drogas com destino ao Piemonte e à Calábria, segundo documentos citados pelo diário local.

 

Fonte: DW Brasil/O Globo

 

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