Escassez de geriatras desafia sistemas de
saúde em um mundo que envelhece
A tendência global de
envelhecimento populacional é uma realidade também no Brasil, que já conta com
mais pessoas acima de 60 anos do que crianças e adolescentes: são mais de 32,1
milhões de pessoas nessa faixa etária no país, segundo o último Censo do IBGE.
A mudança demográfica acontece de forma acelerada e acende o alerta para que
sistemas de saúde se preparem adequadamente para acolher as demandas desse novo
perfil populacional. Dentre os diversos desafios que esse cenário impõe, está a
escassez de médicos geriatras.
De acordo com a
Demografia Médica no Brasil 2023, existem apenas 2.670 especialistas
registrados no país, o que significa cerca de um médico para cada 12 mil idosos
– sendo que a recomendação da Organização Mundial da Saúde é de que a relação
seja de um para cada mil idosos.
Outro ponto importante
é que, embora as pessoas estejam vivendo mais, elas não necessariamente vivem
melhor, já que chegam à fase idosa com maior incidência de doenças crônicas
como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, entre outras comorbidades.
Assim, esses indivíduos necessitam de cuidados de profissionais que saibam
lidar com as questões relativas à longevidade e as características específicas
do envelhecimento do organismo.
• Preconceito e formação adequada
O desafio da escassez
de geriatras começa antes mesmo da formação dos profissionais, ainda no
imaginário na cultura da sociedade. “O brasileiro acredita que o país é feito
de pessoas jovens, mas isso não é verdade”, explica Maisa Kairalla, médica
geriátrica no Hospital Israelita Albert Einstein e ex-presidente da Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Para ela, essa imagem é fruto de
um preconceito contra pessoas velhas – o chamado idadismo ou etarismo (do
inglês “ageism”).
De acordo com o
Relatório Global de Idadismo, publicado pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), o idadismo foi associado a piores resultados em todas as áreas de saúde
avaliadas. “Não temos uma cultura de valorização da pessoa velha e isso acaba
impactando também na maneira com que a própria especialidade do geriatra é
vista”, completa ela. “Hoje, a geriatria não é compreendida como uma área
vistosa e não apresenta uma grande procura”, lamenta.
Para Alexandre
Kalache, médico epidemiologista e presidente do Centro Internacional de
Longevidade Brasil (ILC-Brasil), a falta de interesse no processo de
envelhecimento por parte dos profissionais de saúde em formação também é
reflexo da ausência de disciplinas que abordem a velhice ao longo dos cursos de
saúde. “Não vamos atrair para a geriatria médicos jovens que não estão
aprendendo sobre envelhecimento. É impossível gostar daquilo que não se
conhece”, acredita.
Ainda de acordo com
dados da Demografia Médica 2023, os médicos residentes em geriatria
representavam, em todo o Brasil, apenas 0,7% em 2021. A preocupação é de que,
se nada for feito, não haverá profissionais suficientes para atender à
crescente demanda. “A revolução da longevidade é muito rápida no Brasil e não
está sendo acompanhada por uma revolução na educação. O exemplo disso é que boa
parte das escolas médicas ainda não tem a disciplina de geriatria ao longo do
curso”, afirma Kalache. Atento a isso, o curso de Medicina na Faculdade
Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein já possui a disciplina de
Geriatria e seu curso e durante o internato – momento do ensino em que os
alunos partem para a prática da profissão.
Além do furo na
formação médica, há também as características da própria especialidade, que
pode ser desafiadora em muitos momentos. “Para gostar é preciso ter contato com
a área e com pessoas idosas, mas isso nem sempre acontece pela própria
tendência social que temos de isolar essas pessoas. É preciso uma parcela de
propósito no cuidado.”
• Escassez de geriatras pode sobrecarregar
sistema de saúde
Além de chamar a
atenção para a falta de especialistas no cuidado com idosos, outro grande ponto
que o envelhecimento populacional nos traz é a de sobrecarga nos sistemas de
saúde nos próximos anos.
Para se ter ideia, uma
pesquisa da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS)
mostrou que o custo assistencial anual per capita em 2022 para beneficiários
com 59 anos ou mais foi de R$ 19.461,20, enquanto na faixa de 24 a 28 anos e de
29 a 33 anos girou em torno de R$ 5,4 mil. Ainda segundo a instituição, o custo
médio com hospitalização dos idosos é mais que o dobro do que entre pessoas de
24 a 28 anos.
Na visão de Kalache, a
falta de desconhecimento e experiência no cuidado com idosos por parte dos
profissionais da saúde apresenta um fardo custoso para os sistemas de saúde
público e privado, tanto em desfechos quanto em desperdício de recursos. “Tudo
muda à medida em que se envelhece: anatomia, fisiologia, fisiopatologia,
farmacologia, interação e dosagem dos medicamentos, a própria doença. Se os
profissionais não receberem essas informações ao longo da formação, será mais
difícil tratar esses pacientes e otimizar recursos”, constata.
E, neste caso, a
preocupação não é apenas com a formação de geriatras, mas também de equipes
multidisciplinares que saibam identificar desde sintomas – sem atribuí-los
automaticamente ao processo de velhice – até especificidades dessa população ao
planejar um tratamento. Por envolver uma série de fatores, segundo Kairalla,
“talvez a solução não seja necessariamente um serviço dirigido para o paciente
velho, mas a formação de todos aqueles que têm contato com esse paciente”.
• Solução envolve diálogo multidisciplinar
De acordo com os
especialistas, para estimular o interesse pela área da geriatria e intensificar
o tema na grade curricular dos cursos de saúde como um todo, é preciso
estimular o diálogo multidisciplinar, envolvendo áreas de educação e saúde.
Kairalla lembra que a curva de envelhecimento populacional já é conhecida há
décadas, até mesmo pela experiência de outros países, mas que o movimento para
preparar a sociedade para essa realidade tem se intensificado só agora.
“Tivemos momentos de
aumento no número de residências em geriatria, assim como tivemos períodos de
queda novamente. É importante um movimento proativo da sociedade e um
envolvimento maior entre pastas como saúde e educação. Estamos evoluindo, mas
ainda estamos muito aquém do que deveríamos estar”, opina.
Para Kalache, além de
estabelecer o diálogo entre disciplinas e diferentes players do setor, é
preciso estabelecer ações estratégicas que visem atrair os jovens profissionais
para esta área de conhecimento.
“Temos tentado
estabelecer um diálogo com entidades médicas e outras organizações que agregam
gerontólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e enfermeiros”, afirma a
especialista. No entanto embora a receptividade seja boa, ela acredita que o
governo precisa ter mais iniciativas para estimular essa mudança. “É preciso
uma atuação maior dos ministérios da Saúde e Educação e pensar em projetos de
bolsas de estudo e doutorado para acelerar essa transformação”, finaliza.
Fonte: Futuro da Saúde
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