Entidades de doenças raras se posicionam
contra decisão do STF sobre judicialização da saúde
Segue em plenário
virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) até esta sexta-feira, 13, a votação
de dois Recursos Extraordinários (RE) que estabelecem regras para o
fornecimento de remédios não incluídos no Sistema Único de Saúde (SUS). Com
maioria já formada nas duas votações, entidades de pacientes com doenças raras
repudiam a decisão que estabelece como requisito para judicialização a negativa
de fornecimento do Estado pela via administrativa.
Somente irão para
justiça situações excepcionais, em que haja o registro do remédio na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que atenda alguns requisitos. Para
obter tratamentos via decisão judicial o autor da ação deve comprovar falta de
pedido de incorporação ou lentidão na análise do pedido pela Conitec ou que a
comissão negou a incorporação de forma ilegal. Deve ser comprovado também que o
medicamento é imprescindível, insubstituível, a incapacidade do autor de arcar
com os custos e a eficácia e segurança do medicamento.
Para Andreia Bessa,
coordenadora jurídica da Casa Hunter, instituição sem fins lucrativos de apoio
para pessoas com doenças raras, a decisão do STF representa um grande
retrocesso ao retirar a possibilidade de discussão do paciente com os órgãos de
justiça. Além disso, a advogada destaca que a Conitec leva muito tempo para
analisar pedidos de incorporação e considera os critérios de julgamento
utilizados injustos, pouco transparentes e parciais.
“Agora para termos
acesso à justiça vamos precisar do ‘aval da Conitec’, a consequência disso é
trágica. Nós não defendemos a judicialização, ela é um meio doloroso, mas
infelizmente, hoje é a única saída que temos. Não tem outra. Essa decisão está
tirando a única saída que o paciente tem de ter um direito à vida”, argumenta
Bessa.
As manifestações
contrárias à votação do Supremo ocorreram na terça-feira, 10, durante o Fórum
Brasileiro de Doenças Raras e Negligenciadas, realizado na Câmara dos
Deputados. Na ocasião foi divulgado uma carta de repúdio da Federação
Brasileira das Associações de Doenças Raras (FEBRARARAS) à atual situação de
julgamento. No documento, a entidade afirma que o parecer da Conitec não
deveria ser vinculativo para o STF, visto que a comissão é um órgão de
assessoramento.
A FEBRARARAS também
acredita que a decisão ameaça o direito à saúde e será uma sentença de morte
para muitos pacientes. “Centralizar decisões tão importantes e vitais para
milhões de brasileiros em um órgão cuja estrutura é incapaz de atender à
demanda crescente por tratamentos inovadores, especialmente para doenças raras,
é fechar uma via de acesso fundamental à Justiça. Se o direito de acesso, o
direito à justiça for eliminado, quem se responsabilizará pelas mortes
decorrentes da demora e ineficiência do sistema?” questiona a federação.
Com a maioria formada,
a decisão só poderá ser revertida caso um ministro peça vistas ao processo para
uma análise mais aprofundada, o que levaria o processo ao plenário físico. “Nós
já praticamente perdemos, faltam apenas os votos dos ministros Luiz Fux e Nunes
Marques. A nossa perspectiva é que algum deles peça vistas para termos tempo de
nos articular e explicar para eles as nossas dificuldades com a Conitec” diz
Bessa.
• Ministros argumentam que decisão busca
diminuir a judicialização
A discussão do RE
566.471, Tema 6, recebeu voto conjunto dos ministros Gilmar Mendes e Luís
Roberto Barroso, que consideram que a concessão judicial de medicamentos deve
se limitar a casos excepcionais. Os ministros justificam a decisão com base na
escassez de recursos e argumentam que a judicialização excessiva gera grande
prejuízo para as políticas públicas de saúde, comprometendo a organização, a
eficiência e a sustentabilidade do SUS.
O voto também afirma
que a concessão de medicamentos pela justiça beneficia os autores individuais
da ação, mas produzem efeitos sistêmicos que prejudicam a maioria da população
dependente do sistema de saúde pública. Além disso, destacam que a Conitec possui
a expertise necessária para tomar decisões sobre a eficácia, segurança e
custo-efetividade de um medicamento.
“Não é viável ao poder
público fornecer todos os medicamentos solicitados. A concessão judicial de
medicamentos deve estar apoiada em avaliações técnicas à luz da medicina
baseada em evidências. Os requisitos propostos na tese de julgamento que será
submetida ao Plenário deste Tribunal buscam solucionar ou ao menos mitigar
essas preocupações”, aponta o voto.
No entanto, para
Andreia Bessa a decisão do Supremo deve contraditoriamente aumentar a
judicialização da saúde. “Agora vamos ter dois tipos de judicialização, uma em
cima da decisão da Conitec e outra para judicializar o medicamento. Então, ao
nosso ver, não vai ter uma redução”, argumenta a advogada.
Em relação aos casos
excepcionais que forem à justiça, o Ministro Gilmar Mendes declara no voto do
RE 1.366.243 que o judiciário deverá obrigatoriamente analisar o ato
administrativo da Conitec, apenas no exercício do controle da legalidade. “O
Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão
somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está
em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação
de regência e na política pública no SUS”, afirma o documento.
A FEBRARARAS acredita
que a decisão condicionará o acesso aos tratamentos às análises morosas e
burocráticas da Conitec, criando-se uma barreira intransponível. “Pacientes com
doenças raras dependem de tratamentos que – quase em sua totalidade – não estão
disponíveis no SUS. Não é admissível que decisões de vida ou morte sejam
delegadas a um órgão que, conforme amplamente discutido, não possui a
representatividade da sociedade civil, carece de independência política, e
frequentemente adota critérios de custo efetividade inadequados para avaliar
medicamentos”, afirma a Federação na carta de repúdio.
• Falta de representação civil na
avaliação de novas tecnologias
Em junho deste ano foi
aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1241/2023 que altera a
composição da Conitec. Aguardando trâmite para o Senado, o PL inclui a
participação de um geneticista e de um representante de organização da
sociedade civil de caráter nacional, constituída há mais de dois anos, na
comissão.
Apresentado pela
deputada Rosângela Moro (União-SP), o projeto busca aprimorar a composição da
comissão para dar poder de voto à sociedade. “Um geneticista que incorpore sua
expertise em doenças raras se faz não somente adequado, mas imprescindível.
Pretendemos ampliar a capacidade de análise do colegiado, bem como conferir
maior celeridade aos processos em curso”, afirma a deputada na justificativa do
PL.
Durante o Fórum
realizado esta semana na Câmara, a deputada externou preocupação com a decisão
do STF que está por vir e apontou que um dos gargalos da incorporação de
tecnologia hoje está justamente na Conitec. “Compreendemos e reconhecemos que
esse conhecimento das associações de pacientes é muito importante para as
discussões da comissão. Se é na Conitec em que se decide o que vai ser feito, é
de extrema importância que estejamos lá. Precisamos ficar atento se os prazos
estão sendo respeitados, cada dia de atraso no início de um tratamento é
crucial para o desenvolvimento da pessoa”, defendeu.
Existem cerca de 13
milhões de brasileiros com doenças raras e mais de sete mil tipos distintos de
doenças raras. Dessas, 75% afetam crianças e 80% têm origem genética, ainda que
nem sempre sejam hereditárias. No Brasil, o Ministério da Saúde considera doença
rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos. Devido às
dificuldades de acesso a tratamentos, elas representam boa parte dos processos
de judicialização.
Por isso, a advogada
Andreia Bessa acredita ser necessário ampliar a participação dos pacientes na
Conitec e considera a aprovação do PL pelo Senado de grande importância. “Isso
é dar voz ao paciente. Falta participação social e transparência, independente
da decisão do STF é necessário trazer mais representação social para a comissão
e aumentar o diálogo”, afirma.
Fonte: Futuro da Saúde
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