sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Entidades de doenças raras se posicionam contra decisão do STF sobre judicialização da saúde

Segue em plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) até esta sexta-feira, 13, a votação de dois Recursos Extraordinários (RE) que estabelecem regras para o fornecimento de remédios não incluídos no Sistema Único de Saúde (SUS). Com maioria já formada nas duas votações, entidades de pacientes com doenças raras repudiam a decisão que estabelece como requisito para judicialização a negativa de fornecimento do Estado pela via administrativa.

Somente irão para justiça situações excepcionais, em que haja o registro do remédio na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que atenda alguns requisitos. Para obter tratamentos via decisão judicial o autor da ação deve comprovar falta de pedido de incorporação ou lentidão na análise do pedido pela Conitec ou que a comissão negou a incorporação de forma ilegal. Deve ser comprovado também que o medicamento é imprescindível, insubstituível, a incapacidade do autor de arcar com os custos e a eficácia e segurança do medicamento.

Para Andreia Bessa, coordenadora jurídica da Casa Hunter, instituição sem fins lucrativos de apoio para pessoas com doenças raras, a decisão do STF representa um grande retrocesso ao retirar a possibilidade de discussão do paciente com os órgãos de justiça. Além disso, a advogada destaca que a Conitec leva muito tempo para analisar pedidos de incorporação e considera os critérios de julgamento utilizados injustos, pouco transparentes e parciais.

“Agora para termos acesso à justiça vamos precisar do ‘aval da Conitec’, a consequência disso é trágica. Nós não defendemos a judicialização, ela é um meio doloroso, mas infelizmente, hoje é a única saída que temos. Não tem outra. Essa decisão está tirando a única saída que o paciente tem de ter um direito à vida”, argumenta Bessa.

As manifestações contrárias à votação do Supremo ocorreram na terça-feira, 10, durante o Fórum Brasileiro de Doenças Raras e Negligenciadas, realizado na Câmara dos Deputados. Na ocasião foi divulgado uma carta de repúdio da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (FEBRARARAS) à atual situação de julgamento. No documento, a entidade afirma que o parecer da Conitec não deveria ser vinculativo para o STF, visto que a comissão é um órgão de assessoramento.

A FEBRARARAS também acredita que a decisão ameaça o direito à saúde e será uma sentença de morte para muitos pacientes. “Centralizar decisões tão importantes e vitais para milhões de brasileiros em um órgão cuja estrutura é incapaz de atender à demanda crescente por tratamentos inovadores, especialmente para doenças raras, é fechar uma via de acesso fundamental à Justiça. Se o direito de acesso, o direito à justiça for eliminado, quem se responsabilizará pelas mortes decorrentes da demora e ineficiência do sistema?” questiona a federação.

Com a maioria formada, a decisão só poderá ser revertida caso um ministro peça vistas ao processo para uma análise mais aprofundada, o que levaria o processo ao plenário físico. “Nós já praticamente perdemos, faltam apenas os votos dos ministros Luiz Fux e Nunes Marques. A nossa perspectiva é que algum deles peça vistas para termos tempo de nos articular e explicar para eles as nossas dificuldades com a Conitec” diz Bessa.

        Ministros argumentam que decisão busca diminuir a judicialização

A discussão do RE 566.471, Tema 6, recebeu voto conjunto dos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que consideram que a concessão judicial de medicamentos deve se limitar a casos excepcionais. Os ministros justificam a decisão com base na escassez de recursos e argumentam que a judicialização excessiva gera grande prejuízo para as políticas públicas de saúde, comprometendo a organização, a eficiência e a sustentabilidade do SUS.

O voto também afirma que a concessão de medicamentos pela justiça beneficia os autores individuais da ação, mas produzem efeitos sistêmicos que prejudicam a maioria da população dependente do sistema de saúde pública. Além disso, destacam que a Conitec possui a expertise necessária para tomar decisões sobre a eficácia, segurança e custo-efetividade de um medicamento.

“Não é viável ao poder público fornecer todos os medicamentos solicitados. A concessão judicial de medicamentos deve estar apoiada em avaliações técnicas à luz da medicina baseada em evidências. Os requisitos propostos na tese de julgamento que será submetida ao Plenário deste Tribunal buscam solucionar ou ao menos mitigar essas preocupações”, aponta o voto.

No entanto, para Andreia Bessa a decisão do Supremo deve contraditoriamente aumentar a judicialização da saúde. “Agora vamos ter dois tipos de judicialização, uma em cima da decisão da Conitec e outra para judicializar o medicamento. Então, ao nosso ver, não vai ter uma redução”, argumenta a advogada.

Em relação aos casos excepcionais que forem à justiça, o Ministro Gilmar Mendes declara no voto do RE 1.366.243 que o judiciário deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo da Conitec, apenas no exercício do controle da legalidade. “O Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS”, afirma o documento.

A FEBRARARAS acredita que a decisão condicionará o acesso aos tratamentos às análises morosas e burocráticas da Conitec, criando-se uma barreira intransponível. “Pacientes com doenças raras dependem de tratamentos que – quase em sua totalidade – não estão disponíveis no SUS. Não é admissível que decisões de vida ou morte sejam delegadas a um órgão que, conforme amplamente discutido, não possui a representatividade da sociedade civil, carece de independência política, e frequentemente adota critérios de custo efetividade inadequados para avaliar medicamentos”, afirma a Federação na carta de repúdio.

        Falta de representação civil na avaliação de novas tecnologias

Em junho deste ano foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1241/2023 que altera a composição da Conitec. Aguardando trâmite para o Senado, o PL inclui a participação de um geneticista e de um representante de organização da sociedade civil de caráter nacional, constituída há mais de dois anos, na comissão.

Apresentado pela deputada Rosângela Moro (União-SP), o projeto busca aprimorar a composição da comissão para dar poder de voto à sociedade. “Um geneticista que incorpore sua expertise em doenças raras se faz não somente adequado, mas imprescindível. Pretendemos ampliar a capacidade de análise do colegiado, bem como conferir maior celeridade aos processos em curso”, afirma a deputada na justificativa do PL.

Durante o Fórum realizado esta semana na Câmara, a deputada externou preocupação com a decisão do STF que está por vir e apontou que um dos gargalos da incorporação de tecnologia hoje está justamente na Conitec. “Compreendemos e reconhecemos que esse conhecimento das associações de pacientes é muito importante para as discussões da comissão. Se é na Conitec em que se decide o que vai ser feito, é de extrema importância que estejamos lá. Precisamos ficar atento se os prazos estão sendo respeitados, cada dia de atraso no início de um tratamento é crucial para o desenvolvimento da pessoa”, defendeu.

Existem cerca de 13 milhões de brasileiros com doenças raras e mais de sete mil tipos distintos de doenças raras. Dessas, 75% afetam crianças e 80% têm origem genética, ainda que nem sempre sejam hereditárias. No Brasil, o Ministério da Saúde considera doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos. Devido às dificuldades de acesso a tratamentos, elas representam boa parte dos processos de judicialização.

Por isso, a advogada Andreia Bessa acredita ser necessário ampliar a participação dos pacientes na Conitec e considera a aprovação do PL pelo Senado de grande importância. “Isso é dar voz ao paciente. Falta participação social e transparência, independente da decisão do STF é necessário trazer mais representação social para a comissão e aumentar o diálogo”, afirma.

 

Fonte: Futuro da Saúde

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