A financeirização do meio ambiente
brasileiro
A atual estratégia de
enfrentamento das mudanças climáticas consiste basicamente na criação de
mecanismos econômicos de flexibilização. Criar serviços mercantilizáveis sobre
o meio ambiente pressupõe que a natureza seja contínua e crescentemente
produzida como espaço abstrato médio e genérico e em acordo com as demais
mercadorias, de modo a torná-la alienável.
O atual momento da
reprodução capitalista se caracteriza pela dominância das formas de
autovalorização sobre a reprodução geral do sistema. Em linhas gerais, o
movimento da financeirização corresponde ao de tornar todo o capital
mobilizável. A principal tendência da financeirização é a de que a reprodução
capitalista como um todo passa a responder à dinâmica e à temporalidade das
trocas financeiras.
Portanto, a
compreensão das estratégias capitalistas de combate às mudanças climáticas e o
aquecimento do planeta – consequências do próprio modo de produção – exige uma
análise da financeirização do meio ambiente.
O mercado verde
O enfrentamento das
mudanças climáticas foi institucionalizado com o Protocolo de Quioto,
ratificado em 2005, que criou uma série de mecanismos de flexibilização
econômica apoiados no sistema financeiro. Entre eles, o comércio dos créditos
de carbono, o qual exige a verificação da cláusula da adicionalidade, ou seja,
a exigência de que a atividade proporcione uma redução adicional de gases do
efeito estufa (GEE), ou que preserve sumidouros, no caso dos REDD+. Contudo, a
atividade que era conduzida pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi
oficialmente descontinuada em 2015, na COP21, em Paris, e aguarda, desde então,
a institucionalização de um novo órgão regulador.
Ainda na COP21, países
não Anexo I, a exemplo do Brasil, estabeleceram metas ambientais, as chamadas
Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), a serem
alcançadas a partir de 2025. Contudo, mesmo com a aprovação da criação de um
fundo voltado para o financiamento à adaptação e mitigação das perdas e danos
climáticos – pauta reivindicada ao longo de décadas pelos países periféricos, e
em conexão com as NDCs, na COP27, realizada no Egito –, sua criação não saiu do
papel.
Diante desse vácuo
regulatório, o mercado voluntário de emissões assistiu ao crescimento de suas
negociações, por meio da criação de empresas especializadas na implementação de
programas de certificação e de outras especializadas em auditá-los. Contudo, nos
últimos 24 meses, esse mercado voluntário passou a enfrentar uma série de
revezes na forma de denúncias contra as principais empresas de criação e
auditoria de adicionalidade em projetos de emissão de créditos certificados,
tais como a South Pole e a Verra, respectivamente.
• Vanguardismo brasileiro
Diante desse cenário
de incerteza do mercado voluntário e da indefinição arrastada por décadas sobre
o financiamento internacional para as mudanças climáticas voltado aos países
não Anexo I, o governo de Luís Inácio Lula da Silva, ainda em 2023, anunciou
uma série de medidas para o financiamento de ações estratégicas contra as
mudanças climáticas. Desde a retomada das doações para a preservação do meio
ambiente por meio do Fundo Amazônia, congeladas durante o governo de Jair
Bolsonaro, até novos instrumentos financeiros e marcos regulatórios destinados
ao financiamento de ações do Estado para o cumprimento das NDCs, bem como dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) propostos pela ONU.
O governo Lula 3
assume, assim, o vácuo institucional deixado pelo fim do MDL e pela morosidade
das COPs em viabilizar a criação de um fundo para o financiamento que permita
aos países não Anexo I se adaptarem às mudanças climáticas e as combaterem. No
ano de 2023, o governo anunciou a criação e a regulamentação de um título
temático verde, com o lançamento de um título de dívida externa de
financiamento com uso pré-determinado dos recursos, vencimento de 7 anos e taxa
de juros de 6,5% ao ano.
Em novembro de 2023,
foram lançados os Títulos Públicos Soberanos Sustentáveis, com a captação de 2
bilhões de dólares no mercado internacional. Ao todo, são três tipos de título
temático: os títulos verdes, os títulos sociais e, por último, os títulos sustentáveis
que reúnem os dois temas anteriores. O Comitê de Finanças Sustentáveis
Soberanas, o CFSS, foi criado para responder pela alocação e transparência dos
recursos, conforme determinado pelo arcabouço7 elaborado para sua
operacionalização.
O atual governo
assiste ainda à tramitação no legislativo federal do novo PL dos Créditos de
Carbono (n.º 2229/2023), apresentado pelo senador Rogério Carvalho
(PT/Sergipe), que propõe na sua redação tornar ainda mais robusta a atividade
de emissões de crédito de carbono no país ao escrutinar os elos da cadeia de
custódia de emissão dos certificados e interpor a criação de um mercado
específico para transações dos certificados representativos dos créditos de
carbono, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, o MBRE.
• Agronegócio brasileiro
Por sua vez, o Brasil
é um dos maiores produtores mundiais de alimentos e demais soft commodities. O
setor do agronegócio exportador bate continuamente recordes de produção e foi
elemento fundamental no mais recente ciclo de crescimento econômico do país,
puxado pelo boom das commodities, entre 2003 e 2012. Com o aumento dos preços
das commodities no mercado internacional, cresceram os investimentos no setor
ao mesmo tempo que se intensificou o processo de desindustrialização, ampliando
a vulnerabilidade econômica do país, conforme mostra ampla literatura
especializada.
Ao mesmo tempo, o
Brasil abriga 60% da floresta amazônica, a maior floresta tropical e o maior
sumidouro terrestre de CO2 atmosférico do planeta. Dos nove itens estabelecidos
como ações elegíveis ao financiamento pelos Títulos Soberanos Sustentáveis, cinco
estão diretamente ligados à preservação de florestas, a adaptações às mudanças
climáticas, às transformações no uso do solo, ao aumento da resiliência e à
redução das perdas de produtividade agrícola.
Em 2020, mais de dois
terços das emissões de GEE brasileiras foram oriundos de atividades
relacionadas diretamente à agropecuária (29%) e a ações ligadas ao uso do solo,
mudança no uso do solo e florestas (38%), conforme dados apresentados no
referido arcabouço do projeto. Ao todo, as atividades que compõem o setor
agroexportador possuem alta correlação com a redução de sumidouros e da
biodiversidade, além de problemas relacionados à integridade dos territórios de
povos indígenas e de comunidades tradicionais.
A presença dos grandes
detentores de capital nacional e internacional se manteve ligada aos ramos
tradicionais de investimentos no país, mesmo com a posição diferenciada em
relação aos demais países da periferia do capitalismo. Acrescenta-se ao cenário
econômico o fato de que o desenvolvimento do capitalismo financeiro no Brasil
traduziu-se em um capitalismo de finanças não industrializantes, o qual não se
atrelou à expansão do mercado acionário e/ou à expansão privada de crédito, mas
à especulação junto ao mercado aberto de títulos públicos pressionando o
elevado patamar das taxas de juros praticadas no país. Portanto, devemos
dedicar atenção à dinâmica de investimentos do grande capital financeiro
nacional junto ao setor agroexportador, alavancados pelos Fiagros, desde 2021.
• O paradoxo de Lauderdale
O investimento
financeiro internacional tem forte presença junto à produção agrícola mundial,
sendo alocado em diversos setores da cadeia produtiva envolvidos com práticas
de desmatamento e poluição ambiental. Por outro lado, esses mesmos atores
investem também no mercado voluntário de carbono a fim de promover a
contabilidade zero de suas ações e obter rendimentos com a emissão dos
certificados de emissões. Dessa forma, a dinâmica da certificação de carbono
aparece como um possível denominador comum aos diversos interesses econômicos
envolvidos com o setor agrícola.
O paradoxo de
Lauderdale diz respeito à seguinte contradição: no capitalismo, o mesmo agente
econômico pode ser encontrado investindo, simultaneamente, em atividades
relacionadas à degradação ambiental e em sua recuperação. Dessa forma, ele se
beneficiaria de ambos os negócios, promovendo o problema enquanto vende a
solução.
Registra-se, contudo,
que até setembro de 2012, final da primeira fase do Protocolo de Quioto, o
mercado de créditos de carbono havia sido responsável pela redução das emissões
em meros 0,02%, o que corresponde a pouco mais de 10 milhões de toneladas métricas
de carbono frente à meta de 4,5 bilhões estipulada na primeira etapa.
• Aumentar os juros é rapinagem sobre
economia brasileira. Por Albertp Cantalice
Desde a posse do
Presidente Lula neste terceiro governo, as forças que compõem o chamado mercado
financeiro erraram em sequência suas projeções de crescimento da economia e da
taxa de inflação.
A partir da recente
especulação do dólar, cuja intervenção tardia do Banco Central deixou fluir, os
“analistas” da grande mídia e os “Farialimers” apostam no crescimento da Taxa
Selic.
Os juros brasileiros,
segunda maior taxa do mundo, servem como um freio na atividade econômica e no
investimento. Qual empresário ou investidor correria algum risco em investir na
produção se a remuneração inercial via Tesouro é mais vantajosa? A resposta é
simples: nenhum.
A recente informação é
de que a inflação, em vez de aumentar, como previa o Boletim Focus do Banco
Central, retraiu. Isto é, houve deflação de 0,2%.
Em vez de diminuir o
ritmo da rapinagem, o dado foi motivo de retórica de distorção dos
“especialistas” com o argumento de ponto fora da curva. Sem sustentação futura.
Mentira.
A desaceleração nos
preços dos alimentos – salvo aqueles produtos que enfrentam sazonalidade
climática: frutas e legumes – segue em queda. Um bom exemplo, ainda, são os
produtos de origem animal.
Recentemente, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou: “A indústria voltou forte, a
formação bruta de capital fixo veio acima das projeções, o que significa mais
investimento. Nós temos que olhar muito para o investimento, porque é melhor é
ele que vai garantir um crescimento com baixa inflação”.
Concordo plenamente
com a explanação do ministro: é importante destacar que o principal motivador
do processo inflacionário é a demanda maior que a oferta. Para aumentar a
oferta demanda-se o crescimento da produção.
É o oposto do
excessivo grau de financeirização da economia, onde dinheiro gera dinheiro e é
o verdadeiro motor de inibição do desenvolvimento.
O neoliberalismo e a
consequente captura dos organismos multilaterais mundo afora pela lógica do
capital improdutivo é a praga que alimenta as desigualdades e garantem o
círculo vicioso da desestruturação das sociedades.
É preciso avançar em
um outro caminho. É possível!
Fonte: Por Ana Paula
Salviatti, no Blog da Boitempo/Brasil 247
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