Tereza Cruvinel: O
que esperar da CPMI do golpe
Vem
ai a CPMI do golpe de Estado fracassado de 8 de janeiro, que não será como as
outras que já vimos. Os bolsonaristas, em minoria, e diante de um pelotão
qualificado de governistas, não conseguirão reinventar a verdade dos fatos e
poderão sair dela mais enlameados, deixando mais expostas as responsabilidades
de Bolsonaro e auxiliares. Mas a verdade para eles é secundária. O que
eles querem é fazer da CPI uma arena da luta política, para realimentarem a
extrema-direita ressabiada desde a derrota do ano passado.
O
Brasil inteiro sabe que houve uma tentativa de golpe contra o presidente
legitimamente eleito e contra os outros dois poderes da República. Sabe que o
governo anterior e seus apoiadores estiveram envolvidos nisso até o pescoço. O
inquérito comandando pelo ministro Alexandre de Morais não está deixando pedra
sobre pedra. Então qual é a narrativa que eles querem criar? Ficarão o tempo
todo repetindo que o general G. Dias não preparou o palácio para repelir os
terroristas? Mas como, se o GSI ainda era comandando exatamente pelas turma
deles?
Será
cansativo, será exasperante, porque desta vez eles irão a limites impensáveis
na negação da verdade, na distorção dos fatos, na inversão das responsabilidades.
Se na CPI da Pandemia vimos o negacionismo científico ao vivo, agora veremos o
espetáculo da pós-verdade em todas as suas cores.
Vai
depender da competência dos governistas impedir ou limitar o espetáculo. Com
maioria, os governistas e os democratas poderão selecionar os depoentes. Tendo
o relator, terão o controle sobre os interrogatórios. Quem sabe teremos o
prazer de ver Bolsonaro tentando explicar todas as manifestações golpistas que
fez ao longo dos últimos dois anos, preparando suas falanges para o 8 de
janeiro. Ele não estava aqui? Isso é o de menos. Quem semeou o golpe foi ele.
Ou dirá Bolsonaro que estava dopado também nos dois 7 de Setembro em que
pregou o golpe, ou na reunião com embaixadores em que difamou nosso sistema
eleitoral?
Os
bolsonaristas poderão mesmo se arrepender de terem inventado a CPI, mas
não nos iludamos. Com as sessões sendo transmitidas ao vivo, eles estarão de
olho é nos 35% (algo em torno disso) da população ainda identificados com a
extrema direita. Eles vão usar a CPI para energizar esta base social que anda
deprimida desde a derrota eleitoral do ano passado, tratando de mantê-la coesa
e alinhada para as novas disputas.
Durante
quatro anos foi Bolsonaro que alimentou a extrema-direita com seus discursos,
suas lives, suas motociatas, suas declarações estarrecedoras. Mas ele agora
está ferido de morte, pode ficar inelegível, pode ser condenado
penalmente, pode ir para a cadeira. O bolsonarismo precisa continuar sem
Bolsonaro, e eles enxergam na CPI uma chance de se reconectarem com este
universo, produzindo novos discurso e novas mentiras.
As
forças democráticas saem em vantagem mas não podem se iludir. O jogo vai ser
baixo e bruto.
Ø
CPI
vai triturar, expor e dividir oposição a Lula. Por Luiz Costa Pinto
Por
28 anos, a eternidade de uma geração, Jair Bolsonaro ocupou uma vaga de
deputado federal pelo Rio de Janeiro na Câmara. Ignorante e despreparado,
portou-se como um traste sujo e imprestável por todo o tempo. Nunca liderou as
bancadas da meia dúzia de siglas pelas quais passou no Parlamento. Jamais
presidiu quaisquer das comissões temáticas permanentes, nem mesmo comissões
especiais. Não relatou um único projeto de lei relevante em plenário. Era um
entulho e devia ter enfrentado processos de cassação de mandato e suspensão de
direitos políticos em ao menos três oportunidades:
- quando agrediu
uma parlamentar e jornalistas mulheres com laivos misóginos,
- quando
enalteceu no púlpito da Casa do Povo o nome infame de um torturador
abjeto,
- quando levou
ao Congresso um coronel dos porões da ditadura para que ele mentisse e
enxovalhasse a biografia de outros parlamentares que haviam lutado contra
o regime dos generais de 1964.
Ao
longo dos quatro trágicos anos do governo do pai, o deputado Eduardo Bolsonaro
e o senador Flávio Bolsonaro, foram figuras acessórias no trato de temas sérios
no Congresso Nacional. Arrivista e boçal, o deputado só ameaçou brilhar como
investigado e processado pelo Conselho de Ética. Porém, o comando do Parlamento
não teve nem coragem, nem destemor, para cassá-lo quando perfilou mais de uma
vez contra as instituições democráticas e o Estado de Direito. Igualmente boçal
e dado a flertes pragmáticos (senão, ao usufruto) com o mercado jurídico de
Brasília, o senador não conseguiu sequer traçar uma linha de defesa para o pai
na CPI da Covid no Senado. Ou seja, a dupla de “Bolsonaros Minions” do
Congresso não passa de um dueto de trapalhões empertigados. Não compreendem os
ritos e os manuais do Parlamento, nem têm qualidades para usá-los.
A
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigará o golpe de Estado dado
e derrotado no dia 8 de janeiro de 2023 teve seu requerimento lido e acatado em
sessão conjunta da Câmara e do Senado no Congresso Nacional. Na próxima semana
os líderes de partidos e bancadas devem indicar os 32 integrantes titulares -
16 senadores e 16 deputados. O Governo terá maioria - ou com um placar de 21 x
11 ou de 20 x 12, a depender da compreensão regimental do presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD), acerca da boa jogada regimental promovida pelos
governistas ao trocarem o senador Randolfe Rodrigues (Rede) de bloco. Essa
maioria teórica só se revelará folgada na prática com alinhamento e fina
sintonia entre a base do Palácio do Planalto e os parlamentares que gravitam em
torno dos presidentes da Câmara e do Senado. Mas, os governistas estão
conscientes da relevância da missão, da importância do desafio e do papel que o
destino lhes reservou neste momento: expor, triturar, dividir, empacotar e
despachar para o inferno a oposição desqualificada e tacanha que os
bolsonaristas aloprados (talvez isso seja pleonasmo) fazem ao presidente Lula.
A
turma de jagunços do ex-presidente, um homem covarde que ao vislumbrar e
antever o xilindró à espreita por ter estimulado o badernaço antidemocrático de
8 de janeiro escondeu-se sob o manto de uma “inimputabilidade medicamentosa”
patologicamente cretina e possivelmente falsa, não possui nem temperança nem
preparo técnico-legislativo para fazer frente ao time já pré-selecionado pelo
Governo. Os Bolsonaro integram um clã caquistocrático (Kakistocracia, em grego
casto, significa “governo dos piores”) e já se arrependem do cacife empenhado
na compra das fichas dessa Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. A eles
interessava o enredo, falso, de ter o Palácio do Planalto trabalhando contra a
Comissão por “medo” das investigações. Como não havia temor algum, e sim um
cálculo prático de quem está no poder - CPIs que turvam o Parlamento e atrasam
as agendas de votações, polarizando teoricamente a energia midiática,
atrapalham governos - pagaram para ver e estão, agora, de calças arriadas ante
os crupiês dos tapetes verde e azul do Congresso.
Será
um espetáculo, e não podemos perder nenhum dos capítulos. A não ser que os
oposicionistas recuem e esvaziem a CMPI acusando o golpe de terem sido
derrubados pelas estratégias palacianas. Pode ser que isso aconteça - daí, será
como assistir a um bando de trombadinhas fazendo arrastão e gritando “assalto!
assalto!” ao tentarem confundir o público para se safar da polícia.
Ø
Bolsonaristas
querem criar 'versão alternativa da verdade' em CPMI, afirma cientista política
Criar
"uma versão alternativa da realidade": este é o objetivo do
bolsonarismo com a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos democráticos no
Congresso.
Quem afirma é a cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), que participou, nesta quinta-feira (27), do
programa Central do Brasil, de produção do Brasil de Fato.
Na
entrevista, Goulart destacou que os parlamentares que compõem a base de apoio
do agora ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vão tentar criar cenas que,
apresentadas de maneira recortada e distorcida, farão com que seus apoiadores
embarquem nessa versão alternativa.
Mesmo
o governo tendo sido vítima de uma tentativa de golpe no último dia 8 de
janeiro, parte da oposição embarcou, desde o início, na ideia de realização da
CPMI. E, nesse contexto, é bastante provável que o tema gere desconforto para o
entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Toda
CPI causa desgastes para o governo. Mesmo essa, que é sobre um acontecimento
feito contra o governo. Porém, ela cria um espaço para pautas negativas na
mídia, e também desvia a atenção daquilo que precisava estar sendo objeto da
atenção, que são as negociações em termos de aprovação de políticas
públicas", apontou Mayra Goulart.
Ø
O
líder amorfinado desmoraliza o golpe. Pot Moisés Mendes
Bolsonaro
já seria, antes da versão do transe da morfina, a grande atração da CPMI do
Golpe. Agora, não há como não convocá-lo para que conte como continuava
incitando o golpismo sob efeito de um opióide.
Numa
cena inimaginável do teatro do absurdo criado pelo bolsonarismo, ele e o
general Gonçalves Dias poderiam depor ao mesmo tempo, lado a lado, para narrar
suas experiências sensoriais.
Bolsonaro
contaria como tomou morfina e apertou o botão errado, compartilhando nas redes
sociais um vídeo golpista ao invés de enviá-lo para um arquivo no celular.
E
o general poderia contar como, sem tomar nada, não apertou botão algum e
permitiu que o Palácio do Planalto, que ele deveria proteger, fosse invadido
pela turma de Bolsonaro.
No
Brasil do imponderável, o general encarregado de cuidar de Lula não sabia o que
se passava ao lado do gabinete do presidente, enquanto a turba quebrava tudo e
pedia água, porque estava sob apagão.
E
o ex-presidente doidão, sob o efeito de um remédio, não sabia que havia
propagado mais uma fake news. Ambos, o golpista e o general, não tinham o
controle das suas vontades.
Acredite
quem quiser nas duas versões. Chegamos ao ponto em que um golpista juramentado
recorre a uma desculpa que o desqualifica. E um general se auto deprecia por
não ter conseguido ser general.
É
um quadro que começa a se firmar como a imagem do Brasil que não se livra dos
efeitos do fascismo. Chegamos ao limite das definições para o que se passa
desde o golpe de 2016.
Absurdo,
inacreditável, irracional, espantoso, assombroso, ofensivo, indecente. Não há
mais o que dizer para situações em que nenhum adjetivo será capaz de definir o
cenário com a extrema direita ainda no palco.
O
Bolsonaro fisicamente frágil, psicologicamente vacilante e moralmente
deplorável, esse Bolsonaro diz agora que fica mentalmente vulnerável se tomar
morfina.
Cercado
como golpista, assumido como golpista, denunciado e processado como golpista, o
sujeito aperta um botão que reafirma sua condição de golpista, mas só porque
estaria dopado.
Bolsonaro
desmoraliza a própria base. Gente que se assumiu como golpista, pôs a língua
para a Justiça e acabou presa na Papuda leva um tapa na cara com a história da
morfina.
Quer
dizer que a insistência na tese das urnas fraudadas era uma barbeiragem de
alguém amorfinado?
O
ministro Alexandre de Moraes já observou, depois de uma visita à Penitenciária
da Papuda, que se confirma, numa observação ligeira, a existência entre os
presos de gente que teve alucinações no 8 de janeiro.
Metade
do Brasil, na eleição de outubro, esteve sob o efeito de algum tipo de droga do
fascismo.
Mas
quem acredita mesmo que a morfina foi culpada por uma, e apenas mais uma
manifestação golpista, logo depois de um golpe frustrado?
Há
quem acredite, mas será alguém da polícia ou do sistema de Justiça?
Quem
vai embarcar na canoa da morfina de Bolsonaro numa hora dessas, às vésperas de
uma CPI que pode finalmente enquadrar os que agem desde 2016 e agora se
acovardam? Quem?
Fonte:
Brasil 247/Brasil de Fato
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