Quais os limites do
sigilo entre psicólogo e paciente?
A
confissão de um assassinato durante uma sessão de terapia psicológica levou
à prisão de um homem em Ubatuba,
no litoral de São Paulo. O psicólogo denunciou o caso à Polícia Civil que
enviou equipes ao local onde estaria enterrado o corpo da vítima. O homem foi
preso e a polícia investiga detalhes do crime.
O
episódio acendeu discussões sobre os limites entre o sigilo estabelecido entre
psicólogos ou médicos e seus pacientes.
O
advogado especialista em Direito Civil Marcus Vasconcelos, membro do Comitê
Técnico de Saúde LGBT da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas, afirma que
os profissionais da saúde precisam adequar-se administrativa e juridicamente
às legislações criadas por
suas entidades de classe, bem como das legislações que lidem, direta e
indiretamente, com a sua profissão dentro da sua área de atuação.
“Podemos
citar um conjunto extenso de legislações que hoje, no direito englobam o
universo do Direito Médico: como base norteadora, a Constituição Federal; a averiguação da
responsabilidade cível no Código Civil e Código de Processo Civil; a
responsabilidade pelo uso e tratamento de dados pela Lei Geral de Proteção de
Dados (LGPD); a responsabilização criminal no Código Penal, dentre outras
matérias relevantes”, explica.
Segundo
o especialista, assim como ocorre no campo do direito, não existem regras
absolutas, ou seja, que não comportem exceções, nas demais profissões.
“A
quebra do sigilo do profissional – sobretudo nos casos de confidencialidade e
sigilo profissional – é admitida desde que seja para proteger direitos
fundamentais. Nesses casos, uma consultoria jurídica com advogado ou advogada
especializado seria no sentido de adaptar a área de atuação do profissional da
saúde às fragilidades enfrentadas, com o intuito de prevenir possíveis danos –
para si, para o paciente e para a sociedade”, afirma Vasconcelos.
A
quebra de sigilo profissional pode ser aplicada apenas dentro das exceções, a
fim de que sejam preservadas a integridade tanto de terceiros envolvidos, como
de uma coletividade, da sociedade, e, principalmente, dos profissionais
envolvidos nesses contextos.
“É
importante lembrar que a quebra, como uma exceção à regra, serve justamente
para proteger outros direitos mais importantes – como o direito à vida – uma
vez que se considerássemos que a quebra do sigilo jamais pudesse ocorrer, a
confidencialidade estaria se sobrepondo ao próprio direito à vida, o que é
inadmissível sob o ponto de vista constitucional”, diz.
·
O que diz o Conselho Federal de Psicologia
A
CNN consultou o Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre o tema do sigilo
entre psicólogo e paciente. Em nota, o CFP afirmou “não emite posicionamentos
quanto a quaisquer casos e ocorrências que não estejam sob sua análise direta”,
“por ser instância recursal superior em julgamentos de processos éticos acerca
de conduta de profissionais da Psicologia”.
No
entanto, o conselho abordou a questão do ponto de vista teórico. O conselho
destaca que a atuação de psicólogas e psicólogos é regida pelo Código de Ética
Profissional do Psicólogo (CEPP), aprovado por uma resolução de 2005 e que
dispõe quanto aos princípios fundamentais e responsabilidades que orientam o
exercício da Psicologia.
“Importante
frisar que um código de ética profissional, ao estabelecer padrões esperados
quanto às práticas exercidas, procura fomentar a autorreflexão exigida de cada
indivíduo acerca da sua práxis, de modo a responsabilizá-lo, pessoal e
coletivamente, por ações e suas consequências desse exercício profissional”,
diz o CFP em nota.
O
conselho afirma que, nesse contexto, os especialistas possuem autonomia
profissional para trabalharem as demandas que recebem no exercício da
psicologia, a partir de bases teóricas sólidas e do conhecimento adquirido em
seu processo de formação, em consonância com as normativas profissionais.
“É
importante frisar que o Código de Ética de cada profissão, o qual regula e
fiscaliza a conduta profissional, sempre tende a guiar as ocorrências da quebra
de sigilo – ou seja, a análise ocorre também em sede administrativa, ou seja
pelo órgão, como também judicialmente. É importante considerar as entidades de
classe, uma vez que o conteúdo profissional por elas criados servem de
complemento e apoio às leis já existentes e às garantias já definidas”, afirma
o advogado Marcus Vasconcelos.
·
O que diz o Código de Ética do Psicólogo
O
sigilo de informações entre paciente e psicólogo é alvo de dois artigos do Código
de Ética Profissional do Psicólogo. O documento, de 2005, afirma que “é dever
do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da
confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que
tenha acesso no exercício profissional”.
De
acordo com a normativa, há possibilidade de quebra de sigilo de acordo com
casos previstos em lei. “Excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo
poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor
prejuízo”. “Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o
psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente
necessárias”, detalha o documento.
“Os
excertos acima buscam evidenciar que cabe à psicóloga e ao psicólogo, com base
nas diretrizes do Código de Ética Profissional (CEPP), escolher a melhor
conduta a ser adotada em cada caso e situação específica”, finaliza o CFP.
“A
quebra do sigilo é possível, mas temos que lembrar que é uma atitude extrema,
cujo objetivo é de proteger o profissional e outras pessoas que estejam ligadas
com a situação, cujas possibilidades preveem graves consequências. Dessa forma,
em sendo a quebra do sigilo utilizada em situações que não possam ser
divulgadas, todos os prejuízos causados são passíveis de responsabilização do
profissional – administrativa e judicialmente”, explica o advogado.
·
Ética médica
O
sigilo profissional no campo da medicina é abordado em capítulo do Código de
Ética Médica. O texto afirma que é vedado ao médico “revelar fato de que tenha
conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo,
dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.
Em
parágrafo único, o documento destaca que a proibição permanece nas seguintes
situações:
- mesmo que o
fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido;
- quando de seu
depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a
autoridade e declarará seu impedimento;
- na
investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar
segredo que possa expor o paciente a processo penal.
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Consequências da quebra de sigilo sem motivo plausível
A
quebra da confidencialidade de informações de um paciente sem um motivo
plausível pode levar à responsabilização do profissional de saúde.
“São
diversas as possibilidades de responsabilização de profissionais que utilizem
da quebra do sigilo em situações onde não comportam publicidade – desde a
cassação do registro profissional pela entidade de classe, até a
responsabilização cível e criminal dos envolvidos”, afirma o advogado.
No
código penal, em seu artigo 154, é possível prever a responsabilização criminal
de pessoas que utilizem a profissão para revelar informações sigilosas,
justamente nos casos que não forem graves, sendo a pena de detenção de 3 meses
a 1 ano ou multa.
“Em
se tratando do Código de Ética Médica, por exemplo, disposto pelo Conselho
Federal de Medicina, são estabelecidas algumas situações onde é possível
existir a quebra, como nos casos de suspeita de abusos a idosos ou cônjuge,
abuso ou agressão infantil, ferimentos por arma de fogo ou similares, dentre
outras situações. A proibição da divulgação de informações sensíveis, por
exemplo, de pessoas que vivem com HIV e Aids é, infelizmente, um tema ainda
bastante recorrente por profissionais da saúde de diversas áreas”, pontua.
Fonte:
CNN Brasil
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