PL das Fake News
traz imunidade parlamentar e é criticado
O
parecer do PL das Fake News, apresentado na noite da última quinta-feira (27)
pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP), já está repercutindo entre algumas das
mais de 100 Organizações da sociedade civil e entidades acadêmicas que integram
a Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD).
Uma
dessas entidades é o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Segundo a coordenadora executiva da entidade, Ramênia Vieira, um documento
detalhado sobre o parecer apresentado para o PL das Fake News será divulgado em
breve. Ela, no entanto, adiantou à Agência Brasil algumas críticas ao texto.
Entre elas, a questão da imunidade parlamentar, que poderá ser estendida a
conteúdos publicados por deputados e senadores em redes sociais e em mensagens
privadas.
“A gente já percebeu que, dentro da Câmara dos
Deputados, está bem difícil de debater essa questão”, disse. Ela afirmou que
essa garantia de imunidade cria uma categoria de usuários acima do restante da
população. “Parece uma autorização para que os parlamentares, que são grandes
propagadores de desinformação, continuem usando suas redes para distribuir essa
desinformação”, complementou.
Religiões
Ramênia
também chama atenção para um outro ponto que, de acordo com o Intervozes, causa
preocupação: a possibilidade de se criar uma “imunidade religiosa”. Algo que,
segundo ela, tem como origem a recente “campanha de desinformação” que usou
redes sociais para espalhar a falsa notícia de que trechos da bíblia seriam
proibidos nas redes sociais.
“A
gente vê essa imunidade religiosa com preocupação, porque poderá ser usada para
justificar discursos religiosos em ataques a comunidades LGBTQIA+, religiões de
matizes africanas e contra o movimento negro, entre tantos outros grupos, como
já vemos nas redes sociais”, explicou. Em seu artigo 1º, o projeto garante a
livre manifestação religiosa, dentre outras formas de manifestação, como
artística e política.
• Limitações
Coordenadora
do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Maria Mello diz que o projeto
está limitado ao escopo de redes sociais, ferramentas de busca e mensageria
instantânea, e que, dessa forma, acaba por excluir “outros produtos e serviços
digitais que podem conter padrões enganosos e de manipulação”, como
dispositivos inteligentes, sites e jogos eletrônicos, que são muito voltados a
crianças e adolescentes.
• Órgão regulador
Sobre
a questão do órgão regulador, o Intervozes tem ser a favor de “um mecanismo de
regulação; uma entidade reguladora que seja autônoma, e que ela seja criada
exatamente com esse objetivo”, uma vez que não existe, atualmente, uma entidade
com “formação técnica e cuidado para ser um órgão realmente efetivador dos
direitos digitais”. A previsão de criação desse órgão, porém, não foi incluída
no relatório de Orlando Silva.
“A
Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] já tem vários problemas como
entidade reguladora das telecomunicações no Brasil, e não tem essa expertise
para regulação da internet. Por isso a excluímos completamente deste papel”,
acrescentou.
A
avaliação de que a Anatel não deve exercer esse papel de órgão regulador é
corroborada pela Coalizão Direitos na Rede, entidade que também integra a SAD.
Segundo
a integrante da Coalizão – e presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e
Tecnologia do Recife – Raquel Saraiva, a Anatel tem “falhado recorrentemente”
no cumprimento de suas atribuições no setor de telecomunicações.
Além
disso, acrescentou, “a Anatel é historicamente refratária à participação da
sociedade civil, o que é incompatível com o modelo de governança multissetorial
e colaborativa da internet no país”.
“Atribuir
a regulação das plataformas a essa agência poderá agravar o cenário,
prejudicando o avanço da conectividade significativa no Brasil, e levando os
interesses econômicos das plataformas e empresas de telecomunicações a
prevalecerem sobre os interesses dos usuários”, complementou.
• Conquistas
Na
avaliação do Intervozes, o texto, de uma forma geral, “vem com várias
conquistas importantes”. Ramênia Vieira citou, por exemplo, a questão da
transparência de procedimentos.
“A
gente vê que a relatoria do projeto fez um grande trabalho ao dar maior
transparência para o cidadão. Dá, também, mais poder para reivindicar junto às
plataformas, porque hoje não há nada nesse sentido. O cidadão não tem a quem
recorrer e não tem direito de recurso. E não há transparência de moderação para
se saber os motivos de retirada de conteúdos. Acho que a relatoria conseguiu
melhorar e mitigar alguns dos problemas que existem”, concluiu.
Maria
Mello, do Instituto Alana, destaca que em relação ao tema de crianças e
adolescentes, o texto atual é “bastante bem-vindo” por apresentar parâmetros de
serviços positivos para o público infantil e por adotar medidas que asseguram
privacidade, proteção de dados e segurança desse público.
O
texto do parecer prevê, segundo ela, a possibilidade de vedar a criação de
perfis comportamentais de usuários crianças e adolescentes. “A adoção e o
aprimoramento dos sistemas de verificação da idade; o desenvolvimento e
promoção de ferramentas de controle parental; a notificação de abusos e a busca
de apoio por parte de crianças e adolescentes são, também, pontos positivos”,
acrescentou.
A
Agência Brasil entrou em contato com outras entidades ligadas à Sala de
Articulação contra a Desinformação. Elas informaram que o parecer do PL das
Fake News está sendo avaliado e que, em breve, serão apresentadas novas
manifestações.
Relatório
Na
véspera da apresentação do parecer, as entidades divulgaram um documento
conjunto sobre a regulação das plataformas digitais no Brasil, no qual
apresentam seis pontos considerados essenciais para a para a construção de um
“ambiente digital democrático, seguro e saudável”.
O
maior destaque foi dado à necessidade de criação de um “órgão regulador
independente e autônomo” – que acabou sendo retirado da atual versão
apresentada por Orlando Silva, para evitar maiores dificuldades na tramitação
da matéria.
Entre
as reivindicações feitas pelas entidades integrantes da SAD estão, também, a
ampliação das exigências de transparências das plataformas digitais; a
responsabilização dos provedores pelos conteúdos impulsionados; exigir
obrigações específicas para violência política e desinformação socioambiental;
ações de fomento à educação; e avanços na regulação econômica.
Perda financeira motivou traições no
projeto das fake news
Partidos
como União Brasil, PL e Republicanos descobriram que as traições na votação da
urgência do projeto de lei das fake news ocorreram porque parte de seus quadros
vislumbrou prejuízos financeiros para as redes que apoiam Jair Bolsonaro.
Para
deputados que votaram contra a urgência –e que também são contrários ao
projeto–, os canais bolsonaristas geram tanto engajamento e visualizações que
acabaram abocanhando parte substancial dos anúncios fora da mídia tradicional
em canais do Youtube, por exemplo.
Não
se sabe o tamanho desse mercado, mas esses deputados não querem, nas palavras
de um líder partidário que não quis se identificar, dar um tiro no pé.
• Presidente do Republicanos age para
conter rebelião e diz que bancada votará contra PL das fake news
O
presidente do Republicanos, Marcos Pereira, anunciou neste sábado, 29, que a
bancada do partido na Câmara votará contra o projeto de lei das fake news. O
movimento de Pereira, que é vice-presidente da Câmara, ocorre para conter uma
crise na legenda – após a maioria da bancada ter votado a favor da tramitação
do texto em regime de urgência – e cria dificuldades para o Palácio do
Planalto.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conta com a aprovação do projeto na
próxima terça-feira, 2. A proposta estabelece a regulação das plataformas
digitais e obrigações aos provedores de redes sociais, mas sofre forte oposição
das chamadas big techs, como Google e Tik Tok, e também do segmento evangélico.
O
Republicanos tem ligações com a Igreja Universal do Reino de Deus e muitos de
seus parlamentares são evangélicos. O partido também abriga o governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas, visto como possível candidato à sucessão de Lula,
em 2026, caso o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fique inelegível.
Cabo
de guerra
Na
prática, a votação do projeto de lei das fake news virou um cabo de guerra
entre aliados do governo e oposição. O argumento oficial para que evangélicos
sejam contra a proposta é o de que há ali “censura” à liberdade religiosa.
Nos
últimos dias, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), relator do projeto, fez
várias mudanças no texto, na tentativa de conter resistências. Incluiu, por
exemplo, um trecho segundo o qual a lei deve observar “o livre exercício da
expressão e dos cultos religiosos (...) e a exposição plena dos seus dogmas e
livros sagrados”. Além disso, retirou da proposta a criação de uma agência
reguladora de supervisão das plataformas digitais, batizado ironicamente pela
oposição de “Ministério da Verdade”.
Mesmo
assim, a cúpula do Republicanos – que apoiou a reeleição de Bolsonaro, no ano
passado – considerou as mudanças insuficientes. Nos bastidores, o partido
negocia com o Planalto apoio a um projeto que amplia a isenção de impostos para
igrejas.
“A decisão do Republicanos é votar não ao
projeto das fake new”, afirmou Marcos Pereira, que também é bispo licenciado da
Universal. “Tem de ter, sim, uma regulamentação sobre o assunto (fake news nas
redes sociais), mas não esta que está sendo proposta no momento (...). O texto
continua ruim”, emendou Pereira, em vídeo postado nas redes sociais.
• Centrão
Com
uma bancada de 42 deputados, o partido sempre compôs o núcleo duro do Centrão
com o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e o PL de Bolsonaro.
Recentemente, porém, formou um bloco de 142 parlamentares com siglas como MDB e
PSD, cada uma delas com três ministérios no governo. Pereira é pré-candidato ao
comando da Câmara, em 2025.
A
articulação do Republicanos fez Lira montar um grupo ainda maior – o chamado
“blocão”, com 174 deputados –, isolando o PT de Lula e o PL de Bolsonaro.
Agora,
seis deputados dissidentes do União Brasil, partido que integra o “blocão” de
Lira, querem migrar para o Republicanos. No grupo está a ministra do Turismo,
Daniela Carneiro, que é deputada licenciada e também entrou com ação no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para se desfiliar do União Brasil sem perder
o mandato.
Daniela
pretende se filiar ao Republicanos, que, nesse caso, poderá fazer parte da base
aliada de Lula no Congresso. Atualmente, o partido se declara independente em
relação ao Planalto.
Filiada
ao Republicanos, a senadora Damares Alves (DF), disse não entender a urgência
para votar o projeto das fake news.
“Acho
estranha a pressa. Será que querem nos calar durante a CPMI?”, perguntou ela,
numa referência à Comissão Parlamentar de Inquérito que vai investigar os
ataques de 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes.
Ex-ministra
da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro, Damares
defendeu mais tempo para a apreciação do projeto, alegando que o tema é
delicado. “De 2019 para cá, eu tenho sido uma das maiores vítimas do ódio e das
ameaças nas redes sociais, mas não posso deixar que a minha dor seja maior que
a coerência. Nós temos liberdades e conquistas que precisam ser respeitadas”,
afirmou a senadora.
Na
avaliação da senadora, as plataformas digitais estão dispostas a colaborar. “Se
temos dúvida de que o efeito (do projeto de lei) não é o que esperamos, é
melhor recuar e estudar mais o tema. Isso não quer dizer que a gente não terá,
num outro momento, que melhorar o que está acontecendo nas redes”, argumentou.
PL das Fake News é vago, e plataforma já
modera conteúdo, diz diretor do Google
O diretor de Relações Governamentais e
Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, avalia que o PL das Fake
News é vago. Ele também defende que a empresa já adota medidas para moderar
conteúdo de ódio e que a responsabilidade por violência nas escolas não é só
das plataformas.
Lacerda
tece uma série de críticas ao projeto relatado pelo deputado Orlando Silva (PC
do B-SP), que deve ser votado na próxima terça-feira (2). Segundo ele, o texto
deixa incertezas sobre como será feita a regulação das plataformas e se
equivoca ao equiparar o cuidado exigido por mecanismos de buscas ao de redes
sociais.
A
discussão em torno do projeto ganhou força após o ataque a uma escola em São
Paulo que terminou com a morte de uma professora e um atentado em creche de
Blumenau (SC) que deixou quatro mortos. O argumento é que a regulamentação das
redes poderia ajudar a impedir novas ondas de violência.
A
movimentação causou reação das big techs, que afirmam que o projeto relatado
por Orlando é genérico e que a violência nas escolas é um problema social, não
apenas digital.
"A
gente está olhando um problema que tem várias facetas sob só um ponto
específico. Não adianta a gente só atacar as redes e falar que foram as
plataformas [as responsáveis pela violência] quando tem uma série de outras
questões que também precisam ser endereçadas, de cunho social, da própria
escola, dos próprios pais, e que a gente também ajuda, como a educação midiática",
diz à reportagem Lacerda.
"Se
a gente olhar isso só sob um aspecto, a gente pode eventualmente resolver ou
endurecer [as leis], mas tem uma série de outros aspectos que não vão",
continua.
Lacerda
defende que o parecer apresentado na noite desta quinta-feira (27) é vago e
traz dispositivos que podem ser "perversos".
Quando
questionado se as regras de controle interno do Google são suficientes para
impedir a disseminação de discurso de ódio na internet, tendo em vista os
ataques às escolas, o diretor defendeu que o projeto precisa ser mais debatido
e que sempre há espaço para melhorar.
"A
questão é que a gente não é contra nenhum tipo de regulação que fale, ‘ok, a
partir de agora você vai ter que fazer x, y ou z'. A questão só é que a gente
ainda tem dúvidas sobre o texto que está na mesa, se isso realmente vai ter
esse efeito positivo que todo mundo está esperando", diz.
"Porque
ainda falta mais concretude em vários dos dispositivos que estão lá e, para
isso, precisaria de um pouco mais de tempo para entender e discutir se essas
soluções que estão na mesa realmente vão dar o resultado esperado",
afirma.
Ele
diz ainda que o Google, entre março e abril, cumpriu 740 pedidos de acessos a
dados das autoridades governamentais relacionados a terrorismo e ataques a
escolas. Mas entende que o projeto, da forma como está redigido, abre brechas
para que a lei seja usada contra os seus princípios.
Fonte:
Dinheiro Rural/FolhaPress/Agencia Estado
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