domingo, 30 de abril de 2023

Fiadores da Agrishow são os mesmos da bancada ruralista

Em sua 28ª edição, a Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação — mais conhecida como Agrishow — não faz nenhuma questão de esconder sua filiação ao bolsonarismo. Previsto para acontecer entre os dias 1º e 5 de maio, em Ribeirão Preto (SP), o maior evento agropecuário do país ganhou as manchetes nesta semana, após o ministro da Agricultura Carlos Fávaro revelar à CNN Brasil ter sido “desconvidado” da cerimônia de abertura.

Segundo Fávaro, a organização da Agrishow preferiu privilegiar a participação de Jair Bolsonaro (PL), dando ao ex-presidente seu primeiro palanque público após ter retornado ao país, no início de abril. Em troca, foi oferecida ao ministro de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a opção de falar no segundo dia do evento, em uma mesa dividida com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) — a face institucional da bancada ruralista no Congresso.

Fávaro recusou:

— Sem nenhum rancor, compreendo as entidades. Eu fui desconvidado talvez para evitar algum mal-estar. Foi pedido se não seria melhor eu ir no dia 2. Eu entendi o recado, compreendo. Em outra oportunidade, eu visito o Agrishow com muito carinho. Tudo no seu tempo.

Além de organizar a Agrishow, as “entidades” citadas pelo ministro de Lula são também integrantes da cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (IPA), o braço logístico por trás da FPA. São elas: a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Conforme revelado pelo dossiê “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“, publicado em julho de 2022 pelo De Olho nos Ruralistas, cada uma das 48 associações mantenedoras do IPA contribui com verbas mensais, que são aplicadas na operação da máquina de lobby ruralista.

As associações, por sua vez, são compostas por 1.078 empresas privadas e mais de 69 mil associados individuais — entre sojicultores, pecuaristas, usineiros e algodoeiros, além de multinacionais como as produtoras de agrotóxicos e sementes transgênicas Bayer, Basf e Syngenta, as processadoras de soja Cargill, Bunge, ADM e Louis Dreyfus; os frigoríficos JBS e Marfrig e indústrias do setor alimentício como Nestlé e Danone.

AGRISHOW FEZ CAMPANHA ABERTA PARA BOLSONARO EM 2022

Depois de dois anos sem a realização de eventos presenciais por conta da pandemia, a 27ª edição da Agrishow, realizada entre 25 e 29 de abril de 2022, ficou marcada como primeiro grande ato de campanha de Jair Bolsonaro na disputa pela reeleição. Com apoio explícito do agronegócio, o ex-presidente participou da cerimônia de abertura do evento e fez um discurso atacando o Supremo Tribunal Federal (STF) e os povos indígenas.

Semanas antes, a corte havia colocado em pauta o julgamento sobre a aplicação do “marco temporal” na demarcação da Terra Indígena Guyraroká, no Mato Grosso do Sul. Segundo essa tese, só teriam direito à demarcação as etnias que consigam comprovar a ocupação ininterrupta da área desde 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Na ocasião, Bolsonaro disse que não cumpriria a decisão do STF caso os ministros não aprovassem o Marco Temporal. “Ou entrego a chave para o Supremo, ou não vou cumprir”, afirmou, sob aplausos de dirigentes de sindicatos rurais e associações do agronegócio. “Se eles [ministros] acham que podem fazer melhor, que se candidatem. Que sejam a chamada terceira via”.

Após as ameaças de Bolsonaro, a votação do Marco Temporal foi adiada. Conforme revelado pelo De Olho nos Ruralistas, o ex-deputado Neri Geller (PP-MT), que chancelou a indicação de Carlos Fávaro ao Ministério da Agricultura, admitiu que o adiamento era fruto do lobby da FPA, que atuava nos bastidores com a expectativa que o Congresso votasse um projeto de lei instituindo o marco temporal antes das eleições. O projeto não foi votado, diante da vitória de Lula, e o julgamento no STF deve ser retomado em 07 de junho.

Entre as associações que organizam a Agrishow, a postura nas eleições variou entre a neutralidade —Abag e Abimaq — e o apoio explícito à reeleição de Bolsonaro, como declarado pela Faesp e SRB.

PATROCINADORES DA AGRISHOW FINANCIAM INSTITUTO PENSAR AGRO

A 28ª edição da Agrishow conta com patrocínio direto do governo federal e do Banco do Brasil. Além do financiamento público, oito empresas privadas compraram cotas de publicidade na feira agropecuária: os bancos Bradesco e Santander, a petroquímica Braskem, as cooperativas de crédito Sicredi, Sicoob e Cresol, o fundo Genial Investimentos e o grupo de tecnologia Solinftec. A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) também apoia financeiramente o evento.

Destas, cinco são financiadoras do Instituto Pensar Agro. O banco espanhol Santander pertence a duas associações que contribuem mensalmente para a manutenção das atividades parlamentares da bancada ruralista: a Abag e a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg). A primeira tem também em suas fileiras o Banco do Brasil, a Sicredi e a OCB.

A FenSeg conta, entre seus associados, com o Bradesco Seguros, parte do grupo financeiro fundado por Amador Aguiar, cujos herdeiros são donos de fazendas sobrepostas a terras indígenas no Paraná, conforme revelado no relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado no dia 19 pelo De Olho nos Ruralistas.

Além de participarem de associações patronais, Sicredi e OCB são membros votantes no IPA. A organização de cooperativas possui um assento na diretoria do think tank ruralista, sendo representada por sua superintendente Tânia Regina Zanella. No Congresso, a OCB é representada diretamente pelo deputado Sergio Souza (MDB-PR), ex-presidente da FPA e diretamente ligado às cooperativas paranaenses que comandam a associação.

 

       Principais financiadores da bancada ruralista faturam mais de R$ 1,47 trilhão

 

As principais empresas que integram a cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (IPA), motor logístico da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), faturam juntas, por ano, mais de R$ 1,47 trilhão. O valor é subdimensionado, pois leva em conta apenas balanços dos exercícios financeiros de 2019 e 2020, disponibilizados pelas próprias companhias, em informes ao mercado ou releases para a imprensa.

De Olho nos Ruralistas analisou os resultados financeiros de 128 companhias, dentre aquelas que participam simultaneamente em duas ou mais associações mantenedoras. O montante não inclui as receitas obtidas pelas corporações em outros países onde elas atuam. Algumas, mesmo sendo de capital aberto, especificam somente as vendas e os lucros totais ou por continente. A soma também não engloba as cifras correspondentes aos bancos, que aparecem como financiadores ocultos do IPA.

Mesmo assim, a receita é maior que o Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal, 47º do mundo e estimado em R$ 1,24 trilhão, e que o da Finlândia, que fechou o ano de 2020 com um PIB de R$ 1,41 trilhão, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para uniformizar os valores, o observatório utilizou a taxa de câmbio média informada pelo Banco Central no ano.

Os dados fazem parte do dossiê “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“, publicado na segunda (18), com versões em português e inglês.

LISTA DE FINANCIADORES INCLUI AS DEZ MAIORES DO AGRONEGÓCIO

Responsável por formular as pautas legislativas e definir o posicionamento político da FPA no Congresso, o think tank ruralista recebe a contribuição direta de 48 associações do agronegócio que, por sua vez, são compostas por 1.078 empresas privadas e mais de 69 mil associados individuais — entre sojicultores, pecuaristas, usineiros e algodoeiros.

A cadeia de financiamento do IPA engloba tanto corporações brasileiras como grupos de capital estrangeiro, sediados em 34 países, de quatro continentes diferentes. Uma miríade que será detalhada pelo observatório em série de reportagens durante as próximas semanas.

Dentre as holdings há 47 gigantes, listadas entre as cem maiores do agronegócio pela Forbes. Conforme a revista, elas apresentam, no total, receita líquida anual superior a R$ 1 trilhão. O levantamento da Forbes tem como base informações da agência Standard & Poor’s, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e da consultoria Economatica.

A lista de financiadoras indiretas do IPA inclui as dez primeiras colocadas no ranking da publicação. A líder é a JBS, maior processadora de carnes do mundo, que atingiu, em 2020, em plena pandemia, a receita recorde de R$ 270,2 bilhões, um crescimento de 32% em relação a 2019. A empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista aparece em destaque também na articulação setorial, estando associada a sete organizações mantenedoras do instituto, com destaque para a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), atualmente presidida por Antônio Jorge Camardelli, ex-diretor de estratégia empresarial da JBS e membro da diretoria do IPA.

Na sequência vêm Raízen (R$ 120,6 bi), ou seja, Shell e Cosan, a própria Cosan (R$ 68,6 bi), Marfrig (R$ 67,5 bi), Cargill (R$ 67,2 bi), Ambev (R$ 58,4 bi), Bunge (50,5 bi), Copersucar (R$ 38,7 bi) BRF (R$ 33,5 bi) e Cofco (R$ 33,22 bi).

A Forbes considera em sua lista apenas as empresas com faturamento no Brasil superior a R$ 1 bilhão. A pesquisa se baseia no grau de atuação de cada uma ou no grupo do agronegócio brasileiro, mesmo que sua atividade principal não tenha relação direta com a produção agropecuária nacional. A Ambev, por exemplo, uma das lideres do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), recém-filiado ao IPA, produz cevada no Paraná e no Rio Grande do Sul.

Constam no ranking, entre as cem maiores, outras financiadoras do IPA, como Suzano, Cofco, Louis Dreyfus (LDC), Amaggi, Minerva Foods, Tereos, Klabin, Aurora, C. Vale, Bayer, Lar Cooperativa, Biosev, Atvos, Eldorado Brasil, Cooxupé, Copacol, São Martinho, Castrolanda, Citrosuco, Frimesa, Itambé e Coopavel.

PIB DO AGRONEGÓCIO CRESCE ENQUANTO PAÍS VOLTA AO MAPA DA FOME

Os demonstrativos financeiros das empresas que compõem a cadeia de financiamento do IPA evidenciam que, apesar do empobrecimento da população e do retorno do Brasil ao Mapa da Fome, para o setor não houve crise.

O PIB do agronegócio fechou 2020 — ano-base para o levantamento da Forbes — com uma expansão recorde de 24,31%, na comparação com 2019, de acordo com cálculo realizado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Cepea/Esalq/USP). Em 2021, o número teve um novo salto, crescendo 8,36% em relação ao ano anterior, um aumento considerado “abaixo das projeções” pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), uma das parceiras na divulgação do estudo.

O crescimento do setor em meio à pandemia tornou-se tema de campanha de empresas e entidades do agronegócio. Usado pela primeira vez em março de 2020 em um vídeo institucional da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), o slogan “O Agro não Para” foi veiculado em anúncios publicitários pela brasileira Ourofino e pela multinacional francesa Ceva, ambas integrantes do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), uma das fundadoras do Pensar Agro. Adotada por líderes da FPA como os deputados Pedro Lupion e Aline Sleutjes, a frase virou até mesmo refrão de música da dupla Zé Gabriel e Rafael.

Enquanto o “Agro” não parava, trabalhadores morriam na pandemia, como o De Olho nos Ruralistas mostrou em reportagem de julho de 2020: “Agronegócio pode ter infectado 400 mil trabalhadores no Brasil por Covid-19”.

 

Fonte: De Olho nos Ruralistas

 

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