sábado, 29 de abril de 2023

Especialistas defendem proteção e manejo sustentável das riquezas da Caatinga

O bioma Caatinga, que abrange a maior parte da Região Nordeste brasileira, tem enorme potencial para exploração sustentável de suas riquezas. Foi o que mostrou uma audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) nesta segunda-feira (24). Os especialistas convidados destacaram a importância das riquezas da área da Caatinga, que passam pela enorme biodiversidade, pela arte e cultura, pelo conhecimento das populações tradicionais, pela geração de energia alternativa, além da ciência e tecnologia, turismo, segurança alimentar e outros.

A reunião foi conduzida pela senadora Teresa Leitão (PT-PE), autora do requerimento para realização da audiência pública. Conhecido por ter longos períodos de seca e estiagem, disse a senadora, o bioma — que ocupa 11% do território brasileiro e abriga 27 milhões de habitantes em 1.130 municípios — permite grande produção de alimentos e geração de energias renováveis, como a solar e a eólica.

— Há uma riqueza infinita nesse bioma. Pode-se dizer que o Brasil possui um verdadeiro oásis chamado Caatinga.

Além disso, acrescentou Teresa Leitão, a vegetação da região tem imenso potencial medicinal, alimentar e cosmético, além da exploração do ecoturismo.

•        Biodiversidade

O diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Alexandre Pires, explicou que a Caatinga é a maior floresta tropical seca da América do Sul e é uma das regiões com maior biodiversidade do mundo. Ele citou a carnaúba e o babaçu como exemplos de produtos que podem ser mais explorados.

Segundo o diretor, o governo federal quer priorizar o combate ao desmatamento da Caatinga, à degradação do solo e aos efeitos da seca e da desertificação, estimulando a conservação com manejo sustentável dos recursos naturais, com base nos conhecimentos ancestrais das populações tradicionais.

Alexandre Pires informou que o Poder Executivo quer retomar o Plano Nacional de Combate à Desertificação, revitalizar a Comissão Nacional de Combate à Desertificação e criar um novo Plano de Combate ao Desmatamento na Caatinga.

Chefe da Embrapa Semiárido, Maria Auxiliadora Coelho de Lima ressaltou os potenciais genéticos e biotecnológicos das plantas da Caatinga, especialmente no aproveitamento alimentar e farmacêutico.

•        Saber tradicional

A professora e pesquisadora Márcia Vanusa da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), disse que a flora da Caatinga é rica e única, e que os povos da região têm conhecimentos tradicionais inestimáveis que precisam de ajuda da comunidade científica para serem preservados.

— É um conhecimento feminino, idoso e oral — definiu.

Segundo a pesquisadora, essa riqueza do saber popular pode gerar novos medicamentos, alimentos, cosméticos e defensivos agrícolas naturais. Muitos desses conhecimentos já estão sendo catalogados, e a maior parte deles está sendo confirmada por pesquisas científicas, relatou.

Ela cobrou mais investimentos em pesquisas científicas sobre o bioma e o seu reconhecimento como patrimônio nacional. Márcia sugeriu ainda a instalação de viveiros educativos nas escolas nordestinas e o fomento à bioeconomia com as espécies nativas da região, principalmente do semiárido.

Também participaram da audiência pública Mônica Tejo Cavalcanti, diretora do Instituto Nacional do Semiárido (Insa); o engenheiro florestal Afonso Cavalcanti Fernandes; e John Elton Cunha, professor e pesquisador da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Durante a reunião, Teresa Leitão leu perguntas de cidadãos enviadas pelo Portal e-Cidadania.

•        Complexo cultural

Teresa Leitão destacou ainda a riqueza cultural da região.

— A Caatinga é um verdadeiro complexo social, cultural, natural, produtivo e econômico. (…) É uma terra culturalmente rica e que enriquece, não se pode falar do Brasil sem falar do povo da Caatinga — disse a senadora, citando “catingueiros ilustres” como os escritores Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, o músico Luiz Gonzaga, os povos indígenas da região e personalidades históricas como Lampião, Antonio Conselheiro e Padre Cícero.

Na audiência, o poeta Antonio Marinho declamou versos de artistas da Caatinga, como Rogaciano Leite, poeta e jornalista pernambucano. Marinho disse que o bioma é símbolo da identidade brasileira:

— A Caatinga encarna essa alma brasileira e essa alma nordestina, de ser capaz de resistir, de sua resiliência, de fazer graça até da desgraça e enfrentar o desmando, as ausências estatais, as negligências de política pública. Enfrentar tudo isso com uma sublimação existencial muito forte, principalmente a partir da arte e da cultura popular, grande símbolo do nosso povo.

A presidente da CMA é a senadora Leila Barros (PDT-DF). O vice-presidente é o senador Fabiano Contarato (PT-ES).

 

       O consumo de carne e a degradação da Floresta Amazônica. Entrevista com Elke Stehfest

 

Na opinião da bióloga e cientista ambiental holandesa Elke Stehfest, o desmatamento realizado para a agricultura, seja para plantio de alimentos ou para o plantio de pastagens para o gado, é o fator de maior impacto na diminuição da Floresta Amazônica. Na entrevista que concedeu ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por e-mail, a pesquisadora que trabalha na Agência de Avaliação Ambiental da Holanda, na equipe IMAGE, destaca o “forte efeito da produção pecuária, especialmente criação de gado, sobre o efeito estufa”. Isso é confirmado no estudo que realizaram, acentua. A equipe IMAGE esteve extensivamente envolvida no recente relatório do IPCC e em vários outros estudos e avaliações sobre mudanças ambientais globais.

Stehfest acentua que o consumo mundial de carne precisa ser reduzido, e enumera vários outros motivos para diminuir esse consumo, para além do aumento do aquecimento global. Saúde, conservação da biodiversidade e bem-estar animal são alguns desses motivos.

>>>> Confira a entrevista.

•        IHU On-Line – A dieta do clima proposta pela Agência de Impacto Ambiental da Holanda sugere consumir até 400g de carne por semana. Com isso, a pretensão é que se reduza a emissão dos gases estufa em 10%, já que se diminuiria o número de animais criados. Qual é a viabilidade dessa proposta?

Elke Stehfest – Nós realmente calculamos um cenário com cerca de 400g de consumo de carne por semana e per capita, no mundo todo. Para muitos países desenvolvidos, isso significaria reduzir seu consumo de carne para 2/3. Para alguns países africanos isso na verdade significaria um crescimento comparado com a referência. É difícil dizer algo sobre a viabilidade, e não examinamos isso em nosso artigo. Isso obviamente depende de medidas que devem ser tomadas para que se consiga uma redução no consumo de carne. As possíveis medidas são:

- Informar os consumidores a respeito dos benefícios da redução do consumo de carne para a biodiversidade, clima e para sua própria saúde. Talvez introduzindo rótulos informativos nos produtos;

- Viabilizar alternativas saborosas para a carne. Por exemplo, burgers vegetarianos e molhos;

- Um passo ainda maior seriam medidas para proteger florestas tropicais, colocando um preço no carbono da terra. Nas negociações climáticas de Copenhagen, o mecanismo “Reduzindo Emissões do Desmatamento e Degradação” (“Reducing Emissions from Deforestation and Degradation”, REDD) é discutido como uma medida possível para reduzir emissões. Ambas podem ter um efeito nas áreas usadas para produção de carne e alimento.

•        IHU On-Line – Quais são as evidências científicas entre a criação dos bovinos e o aumento do efeito estufa?

Elke Stehfest – O forte efeito da produção pecuária, especialmente criação de gado, sobre o efeito estufa é muito bem estabelecido, e novamente confirmado em nosso estudo. Um dos mais bem conhecidos estudos é “A grande sombra da pecuária” ("Livestock`s long shadow" - FAO ).

•        IHU On-Line – Que outros hábitos alimentares humanos vêm interferindo seriamente no clima?

Elke Stehfest – A produção pecuária para carne e leite/laticínios tem mesmo o maior impacto nas emissões de gases de efeito estufa.

•        IHU On-Line – Nesse estudo, vocês sugerem que se inclua nos rótulos o custo ambiental da carne. Acredita que a população já está suficientemente preparada e mobilizada para esse tipo de alerta?

Elke Stehfest – Alguns governos, como o holandês, também perceberam o grande impacto do consumo de carne. O governo não quer controlar a escolha dos consumidores, mas quer prover todas as informações que os farão ter uma escolha informada.

•        IHU On-Line – Além do fator ambiental, que outros motivos teríamos para não ingerir carne?

Elke Stehfest – Embora não sejamos especialistas nessas áreas e não examinamos isso em detalhe, afirmo que existem outras razões bem conhecidas pelas quais as pessoas comem menos carne. Saúde deve ser a razão mais importante para a redução do consumo de carne bovina e suína, uma vez que ambas são suspeitas de contribuírem para câncer no intestino e doenças coronárias.

Outras razões ambientais, junto com a mudança climática, são a conservação da Natureza e da biodiversidade, isto é, menos desmatamento tropical para a produção de carne e soja. O bem-estar animal é uma das outras importantes razões pelas quais as pessoas tentam comer menos carne ou mesmo sejam vegetarianas.

•        O economista norte-americano Jeremy Rifkin afirma que estamos destruindo a Amazônia para alimentar vacas. Como esse ecossistema vem reagindo a essa investida pecuarista?

Elke Stehfest – O desmatamento para a agricultura, tanto para plantio quanto para pastagem para o gado, é a mais importante razão para a degradação da Floresta Amazônica. Os efeitos desse desmatamento são:

- perda de habitats naturais

- extinção de espécies

- degradação ou erosão dos solos

- efeitos hídricos como aumento de inundações

- problemas na viabilidade de recursos hídricos com menos tamponamento florestal

- desmatamento em larga escala pode causar a morte de ainda mais florestas

- queda das chuvas em áreas de plantio no leste do Brasil (uma vez que as nuvens/chuvas são produzidas sobre a floresta tropical amazônica).

•        IHU On-Line – Segundo estimativas, para cada 900 kg de alimento produzido, se produz apenas 1 kg de carne. Chegou a hora de revermos nosso padrão alimentar?

Elke Stehfest – Sim, a produção de carne, especialmente a bovina, utiliza uma grande quantidade de investimento, e também investimento de terra em função de alimentar a crescente população mundial. Para conservar os habitats naturais do mundo, o atual consumo de carne dos países em desenvolvimento não pode ser seguido. Ele deve ser reduzido.

•        Para esse mesmo 1kg de carne produzido são necessários de 20 a 30 mil litros de água. Além disso, a pecuária é responsável por 1/3 da poluição de águas potáveis com nitrogênio e fósforo. Pode-se falar em um comprometimento do potencial hidrológico do qual dispomos em função da criação de gado?

Elke Stehfest – Os números do uso de água para a produção de carne bovina parece alto, possivelmente porque inclui a evaporação/transpiração do pasto. Se considerarmos apenas o consumo de água pelo gado da ordem de 4 a 10 litros por quilo de alimentação seca consumida e a conversão de eficiência de 30 a 60 quilos de alimento seco por quilo de carne, o consumo de água é de uma magnitude menor.

No que se refere à poluição das águas superficiais e subterrâneas, não achamos que os problemas são tão graves quanto em países como a Holanda, onde mais gado é criado em estábulos e o esterco é espalhado por áreas relativamente pequenas de terra. Nos estados brasileiros com áreas importantes de criação de gado, os sistemas são geralmente mais extensos. Com lençóis de água profundos e transporte lento de água e nitrato pelo sistema subterrâneo, as chances de ocorrer desnitrificação são grandes. Mas sim, é correto dizer que a produção de carne bovina pode contribuir para a poluição da água da superfície e subterrânea, mas é difícil dizer sem mais informações que essa contribuição é de 1/3.

 

Fonte: Agencia Senado/IHU OnLine

 

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