Especialistas
defendem proteção e manejo sustentável das riquezas da Caatinga
O
bioma Caatinga, que abrange a maior parte da Região Nordeste brasileira, tem
enorme potencial para exploração sustentável de suas riquezas. Foi o que
mostrou uma audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) nesta
segunda-feira (24). Os especialistas convidados destacaram a importância das
riquezas da área da Caatinga, que passam pela enorme biodiversidade, pela arte
e cultura, pelo conhecimento das populações tradicionais, pela geração de
energia alternativa, além da ciência e tecnologia, turismo, segurança alimentar
e outros.
A
reunião foi conduzida pela senadora Teresa Leitão (PT-PE), autora do
requerimento para realização da audiência pública. Conhecido por ter longos
períodos de seca e estiagem, disse a senadora, o bioma — que ocupa 11% do
território brasileiro e abriga 27 milhões de habitantes em 1.130 municípios —
permite grande produção de alimentos e geração de energias renováveis, como a
solar e a eólica.
—
Há uma riqueza infinita nesse bioma. Pode-se dizer que o Brasil possui um
verdadeiro oásis chamado Caatinga.
Além
disso, acrescentou Teresa Leitão, a vegetação da região tem imenso potencial
medicinal, alimentar e cosmético, além da exploração do ecoturismo.
• Biodiversidade
O
diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do
Clima, Alexandre Pires, explicou que a Caatinga é a maior floresta tropical
seca da América do Sul e é uma das regiões com maior biodiversidade do mundo.
Ele citou a carnaúba e o babaçu como exemplos de produtos que podem ser mais
explorados.
Segundo
o diretor, o governo federal quer priorizar o combate ao desmatamento da
Caatinga, à degradação do solo e aos efeitos da seca e da desertificação,
estimulando a conservação com manejo sustentável dos recursos naturais, com
base nos conhecimentos ancestrais das populações tradicionais.
Alexandre
Pires informou que o Poder Executivo quer retomar o Plano Nacional de Combate à
Desertificação, revitalizar a Comissão Nacional de Combate à Desertificação e
criar um novo Plano de Combate ao Desmatamento na Caatinga.
Chefe
da Embrapa Semiárido, Maria Auxiliadora Coelho de Lima ressaltou os potenciais
genéticos e biotecnológicos das plantas da Caatinga, especialmente no
aproveitamento alimentar e farmacêutico.
• Saber tradicional
A
professora e pesquisadora Márcia Vanusa da Silva, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), disse que a flora da Caatinga é rica e única, e que os povos
da região têm conhecimentos tradicionais inestimáveis que precisam de ajuda da
comunidade científica para serem preservados.
—
É um conhecimento feminino, idoso e oral — definiu.
Segundo
a pesquisadora, essa riqueza do saber popular pode gerar novos medicamentos,
alimentos, cosméticos e defensivos agrícolas naturais. Muitos desses conhecimentos
já estão sendo catalogados, e a maior parte deles está sendo confirmada por
pesquisas científicas, relatou.
Ela
cobrou mais investimentos em pesquisas científicas sobre o bioma e o seu
reconhecimento como patrimônio nacional. Márcia sugeriu ainda a instalação de
viveiros educativos nas escolas nordestinas e o fomento à bioeconomia com as
espécies nativas da região, principalmente do semiárido.
Também
participaram da audiência pública Mônica Tejo Cavalcanti, diretora do Instituto
Nacional do Semiárido (Insa); o engenheiro florestal Afonso Cavalcanti
Fernandes; e John Elton Cunha, professor e pesquisador da Universidade Federal
de Campina Grande (UFCG). Durante a reunião, Teresa Leitão leu perguntas de
cidadãos enviadas pelo Portal e-Cidadania.
• Complexo cultural
Teresa
Leitão destacou ainda a riqueza cultural da região.
—
A Caatinga é um verdadeiro complexo social, cultural, natural, produtivo e
econômico. (…) É uma terra culturalmente rica e que enriquece, não se pode
falar do Brasil sem falar do povo da Caatinga — disse a senadora, citando
“catingueiros ilustres” como os escritores Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, o
músico Luiz Gonzaga, os povos indígenas da região e personalidades históricas
como Lampião, Antonio Conselheiro e Padre Cícero.
Na
audiência, o poeta Antonio Marinho declamou versos de artistas da Caatinga,
como Rogaciano Leite, poeta e jornalista pernambucano. Marinho disse que o
bioma é símbolo da identidade brasileira:
—
A Caatinga encarna essa alma brasileira e essa alma nordestina, de ser capaz de
resistir, de sua resiliência, de fazer graça até da desgraça e enfrentar o
desmando, as ausências estatais, as negligências de política pública. Enfrentar
tudo isso com uma sublimação existencial muito forte, principalmente a partir
da arte e da cultura popular, grande símbolo do nosso povo.
A
presidente da CMA é a senadora Leila Barros (PDT-DF). O vice-presidente é o
senador Fabiano Contarato (PT-ES).
O consumo de carne e a degradação da
Floresta Amazônica. Entrevista com Elke Stehfest
Na
opinião da bióloga e cientista ambiental holandesa Elke Stehfest, o
desmatamento realizado para a agricultura, seja para plantio de alimentos ou
para o plantio de pastagens para o gado, é o fator de maior impacto na
diminuição da Floresta Amazônica. Na entrevista que concedeu ao Instituto
Humanitas Unisinos – IHU por e-mail, a pesquisadora que trabalha na Agência de
Avaliação Ambiental da Holanda, na equipe IMAGE, destaca o “forte efeito da
produção pecuária, especialmente criação de gado, sobre o efeito estufa”. Isso
é confirmado no estudo que realizaram, acentua. A equipe IMAGE esteve
extensivamente envolvida no recente relatório do IPCC e em vários outros
estudos e avaliações sobre mudanças ambientais globais.
Stehfest
acentua que o consumo mundial de carne precisa ser reduzido, e enumera vários
outros motivos para diminuir esse consumo, para além do aumento do aquecimento
global. Saúde, conservação da biodiversidade e bem-estar animal são alguns
desses motivos.
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Confira a entrevista.
• IHU On-Line – A dieta do clima proposta
pela Agência de Impacto Ambiental da Holanda sugere consumir até 400g de carne
por semana. Com isso, a pretensão é que se reduza a emissão dos gases estufa em
10%, já que se diminuiria o número de animais criados. Qual é a viabilidade
dessa proposta?
Elke
Stehfest – Nós realmente calculamos um cenário com cerca de 400g de consumo de
carne por semana e per capita, no mundo todo. Para muitos países desenvolvidos,
isso significaria reduzir seu consumo de carne para 2/3. Para alguns países
africanos isso na verdade significaria um crescimento comparado com a
referência. É difícil dizer algo sobre a viabilidade, e não examinamos isso em
nosso artigo. Isso obviamente depende de medidas que devem ser tomadas para que
se consiga uma redução no consumo de carne. As possíveis medidas são:
-
Informar os consumidores a respeito dos benefícios da redução do consumo de
carne para a biodiversidade, clima e para sua própria saúde. Talvez
introduzindo rótulos informativos nos produtos;
-
Viabilizar alternativas saborosas para a carne. Por exemplo, burgers
vegetarianos e molhos;
-
Um passo ainda maior seriam medidas para proteger florestas tropicais,
colocando um preço no carbono da terra. Nas negociações climáticas de
Copenhagen, o mecanismo “Reduzindo Emissões do Desmatamento e Degradação”
(“Reducing Emissions from Deforestation and Degradation”, REDD) é discutido
como uma medida possível para reduzir emissões. Ambas podem ter um efeito nas
áreas usadas para produção de carne e alimento.
• IHU On-Line – Quais são as evidências
científicas entre a criação dos bovinos e o aumento do efeito estufa?
Elke
Stehfest – O forte efeito da produção pecuária, especialmente criação de gado,
sobre o efeito estufa é muito bem estabelecido, e novamente confirmado em nosso
estudo. Um dos mais bem conhecidos estudos é “A grande sombra da pecuária”
("Livestock`s long shadow" - FAO ).
• IHU On-Line – Que outros hábitos
alimentares humanos vêm interferindo seriamente no clima?
Elke
Stehfest – A produção pecuária para carne e leite/laticínios tem mesmo o maior
impacto nas emissões de gases de efeito estufa.
• IHU On-Line – Nesse estudo, vocês
sugerem que se inclua nos rótulos o custo ambiental da carne. Acredita que a
população já está suficientemente preparada e mobilizada para esse tipo de
alerta?
Elke
Stehfest – Alguns governos, como o holandês, também perceberam o grande impacto
do consumo de carne. O governo não quer controlar a escolha dos consumidores,
mas quer prover todas as informações que os farão ter uma escolha informada.
• IHU On-Line – Além do fator ambiental,
que outros motivos teríamos para não ingerir carne?
Elke
Stehfest – Embora não sejamos especialistas nessas áreas e não examinamos isso
em detalhe, afirmo que existem outras razões bem conhecidas pelas quais as
pessoas comem menos carne. Saúde deve ser a razão mais importante para a
redução do consumo de carne bovina e suína, uma vez que ambas são suspeitas de
contribuírem para câncer no intestino e doenças coronárias.
Outras
razões ambientais, junto com a mudança climática, são a conservação da Natureza
e da biodiversidade, isto é, menos desmatamento tropical para a produção de
carne e soja. O bem-estar animal é uma das outras importantes razões pelas
quais as pessoas tentam comer menos carne ou mesmo sejam vegetarianas.
• O economista norte-americano Jeremy
Rifkin afirma que estamos destruindo a Amazônia para alimentar vacas. Como esse
ecossistema vem reagindo a essa investida pecuarista?
Elke
Stehfest – O desmatamento para a agricultura, tanto para plantio quanto para
pastagem para o gado, é a mais importante razão para a degradação da Floresta
Amazônica. Os efeitos desse desmatamento são:
-
perda de habitats naturais
-
extinção de espécies
-
degradação ou erosão dos solos
-
efeitos hídricos como aumento de inundações
-
problemas na viabilidade de recursos hídricos com menos tamponamento florestal
-
desmatamento em larga escala pode causar a morte de ainda mais florestas
-
queda das chuvas em áreas de plantio no leste do Brasil (uma vez que as
nuvens/chuvas são produzidas sobre a floresta tropical amazônica).
• IHU On-Line – Segundo estimativas, para
cada 900 kg de alimento produzido, se produz apenas 1 kg de carne. Chegou a
hora de revermos nosso padrão alimentar?
Elke
Stehfest – Sim, a produção de carne, especialmente a bovina, utiliza uma grande
quantidade de investimento, e também investimento de terra em função de
alimentar a crescente população mundial. Para conservar os habitats naturais do
mundo, o atual consumo de carne dos países em desenvolvimento não pode ser
seguido. Ele deve ser reduzido.
• Para esse mesmo 1kg de carne produzido
são necessários de 20 a 30 mil litros de água. Além disso, a pecuária é
responsável por 1/3 da poluição de águas potáveis com nitrogênio e fósforo.
Pode-se falar em um comprometimento do potencial hidrológico do qual dispomos
em função da criação de gado?
Elke
Stehfest – Os números do uso de água para a produção de carne bovina parece
alto, possivelmente porque inclui a evaporação/transpiração do pasto. Se
considerarmos apenas o consumo de água pelo gado da ordem de 4 a 10 litros por
quilo de alimentação seca consumida e a conversão de eficiência de 30 a 60
quilos de alimento seco por quilo de carne, o consumo de água é de uma
magnitude menor.
No
que se refere à poluição das águas superficiais e subterrâneas, não achamos que
os problemas são tão graves quanto em países como a Holanda, onde mais gado é
criado em estábulos e o esterco é espalhado por áreas relativamente pequenas de
terra. Nos estados brasileiros com áreas importantes de criação de gado, os
sistemas são geralmente mais extensos. Com lençóis de água profundos e
transporte lento de água e nitrato pelo sistema subterrâneo, as chances de
ocorrer desnitrificação são grandes. Mas sim, é correto dizer que a produção de
carne bovina pode contribuir para a poluição da água da superfície e
subterrânea, mas é difícil dizer sem mais informações que essa contribuição é
de 1/3.
Fonte:
Agencia Senado/IHU OnLine
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