Atos neonazistas em
escolas sobem 760% no Brasil em três anos, diz estudo
A
ocorrência de violações neonazistas e antissemitas em escolas brasileiras
registrou uma alta de 760% entre os anos de 2019 e de 2022, aponta um relatório
inédito do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil. Só no ano
passado houve 43 eventos desse tipo, ante cinco deles em 2019, três em 2020 e
sete em 2021.
Um
relatório preliminar divulgado pela entidade em agosto passado já chamava a
atenção para o fato de que ocorrências neonazistas e antissemitas praticamente
vinham dobrando, ano após ano, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) —e fazia um
sinal de alerta para a sua proliferação no ambiente escolar.
De
acordo com o estudo mais recente, que será divulgado neste sábado (29), 2022
concentrou mais de 50% de todos os episódios envolvendo violações neonazistas
registrados no país desde 2019.
Dos
171 casos identificados no período, 89 se deram no ano passado. A alta também
se refletiu em atos antissemitas: dos 69 ocorridos nos últimos quatro anos, 25
deles (36%) se referem a 2022.
De
acordo com o observatório, o tipo de ação mais frequente (50%) em todo o
período analisado está relacionado à utilização de símbolos característicos do
nazismo, como a suástica, seja em roupas ou desenhados em locais públicos, e
braços estendidos em referência à saudação nazista, entre outros.
Os
pesquisadores chamam a atenção, no entanto, para episódios neonazistas ou
antissemitas envolvendo violência física. Embora representem menos de 10% dos
casos, houve um aumento de cerca de 67% de 2021 para 2022.
"O
fenômeno não é novo no Brasil, que sediou a maior filial do partido nazista
fora da Alemanha, com 3.000 membros, na primeira metade do século 20", diz
o Observatório Judaico. "O que chama a atenção é que esse ideário, que
nunca deixou de existir no país, multiplicou-se a partir de 2019, com a eleição
de Jair Bolsonaro, um representante da extrema direita política e cujo discurso
de ódio como que legitimou o avanço desses grupos", segue.
O
estudo destaca que ações envolvendo a polícia, o Ministério Público e empresas
de tecnologia para coibir esse tipo de atividade são importantes, mas têm se
dado de forma insuficiente. Poderia ser necessário, segundo o relatório,
tipificar criminalmente a apologia do nazismo —que, no Brasil, é punida com
base na lei de crimes raciais.
"O
que os estudiosos do tema constatam é que, ao longo dos anos, esses grupos têm
se articulado ao mesmo tempo em que disputam protagonismo em suas regiões,
amparando-se nas lideranças de extrema direita que ocupam espaços de poder,
seja no Executivo, no Legislativo e até no judiciário", afirma o
observatório.
"A
dificuldade de combatê-los reside não apenas no fato de terem apoio dessas
lideranças, mas também pelo fato de, quando identificados, desmancharem-se e se
reorganizarem. Com isso, conseguem manter a farta distribuição de material
criminoso no submundo da internet, como a literatura que nega o Holocausto ou
nosso histórico de escravidão, plena de mentiras, falsas premissas e teorias da
conspiração", conclui.
Como a educação pode combater os
fantasmas do nazismo? Por Angieli Maros
“Ainda
hoje há pessoas sem a menor ideia do que foi o Holocausto e o
nacional-socialismo”, afirma Juliane Wetzel, do Centro para Pesquisa
Antissemita da Universidade Tecnológica de Berlim, na Alemanha. Em entrevista
concedida ao Plural na esteira de denúncias recentes de casos de nazismo no
Paraná, a historiadora relacionou o aumento de distorções sobre o regime de
terror comandado pelos nazistas no século passado ao avanço dos movimentos de
extrema direita, mais nítido nos últimos anos.
Ela
e outros especialistas ouvidos pela reportagem defendem: educação jamais deve
dar espaço à relativização de fatos cujas consequências ainda seguem vivas na
sociedade.
• Nazismo
A
discussão cresce sob o impacto de denúncias recentes reverberadas em mídia
nacional. No início desta semana, uma professora de Ponta Grossa (PR), na
região dos Campos Gerais, foi demitida por fazer saudação nazista dentro da
sala de aula e em meio a dezenas de alunos adolescentes.
O
desligamento de Josete Biral foi comunicado pelo Colégio Sagrada Família após
um vídeo da cena viralizar. Ao jornal “Folha de S. Paulo”, o advogado da
docente, Alexandre Jorge, negou a prática do gesto e se referiu ao movimento
como uma saudação à bandeira e à pátria durante “momento de descontração”.
• Práticas nazistas
O
Ministério Público (MPPR) recebeu pedido de providências para averiguar o
episódio. A investigação, sob sigilo por envolver adolescentes, se somará a
outro inquérito que apura denúncias de práticas nazistas em andamento no órgão,
também em Ponta Grossa.
Nesse
segundo inquérito, os trabalhos da Promotoria local miram numa suposta troca de
mensagens de conteúdo criminoso entre alunos do curso de Agronomia da
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
A
denúncia envolve conteúdos nazistas e também racistas e homofóbicos. A reitoria
da instituição confirmou uma apuração interna e o consequente afastamento dos
envolvidos, embora representantes acadêmicos venham se manifestando pela
expulsão dos estudantes, assim como medida inédita adotada pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
• Negação
Em
julho, a instituição gaúcha decidiu pelo desligamento de um doutorando em
Filosofia que assumiu à Polícia Civil a autoria de mensagens contra o namoro de
uma mulher branca e um homem negro e de outras negando a existência do
Holocausto, ainda que, conforme o ex-aluno, não tenha havido crime.
• Responsabilidade
O
ambiente escolar e universitário como denominador comum dos episódios não
significa uma condescendência da Educação ao revisionismo e ao negacionismo
histórico. No Brasil, a abordagem sobre movimentos totalitários está ancorada
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que determina, ainda no Ensino
Fundamental, a discussão sobre a ascensão do totalitarismo e o posterior
processo de afirmação dos direitos fundamentais e de defesa da dignidade humana
violados por movimentos como o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália.
Subestimar
os fatos, portanto, não é conteúdo de sala de aula. Mas o que os episódios nos
dizem, apontam os especialistas, é que é preciso dar mais atenção ao passado
como ferramenta de reflexão crítica ao presente.
• Pandemia
“Nós
vimos como a própria pandemia afetou a história do Holocausto, por exemplo, e é
de certa forma inacreditável ver o que algumas pessoas têm em mente ao se
comparar com outras que resistiram a um regime de terror”, diz Wetzel,
referindo-se a europeus que usaram a estrela de Davi em movimentos contra a
vacina da covid-19.
A
estrela amarela é um símbolo do Holocausto. Era usada por judeus como elemento
discriminatório a mando dos nazistas e, no ano passado, foi empregada em
manifestações antivacina em metáfora deturpada de “liberdade” contra passaporte
sanitário. “É tão importante que mais jovens conheçam mais sobre o Holocausto,
o nacional socialismo [ideologia do nazismo] e seu contexto. E quando eu digo
isso, não significa apenas ir a Auschwitz ou a outros memoriais, mas realmente
se aprofundar sobre que foi essa parte da história. Isso não tem nada ver com
culpar os mais novos pelo que aconteceu. ‘Ah, eu não tenho culpa porque eu não
vivia lá na época!’. Essa não é a questão. A questão é entender a história e
ter responsabilidade. É disso que precisamos”, diz a professora Juliane Wetzel,
da Universidade Tecnológica de Berlim.
• Para refletir
Apesar
das sequelas gritantes, o debate sobre o nazismo, seu contexto e suas
consequências nas matrizes curriculares da educação básica alemã ganhou
profundidade apenas no fim da década de 1970, quando a exibição de uma série
produzida nos Estados Unidos suscitou um amplo debate público na então Alemanha
Ocidental. “Pela primeira vez os números do massacre geraram um impacto. Era
uma novela, não era a realidade, mas trouxe o debate inclusive para dentro do
sistema educacional”, diz Wetzel.
Hoje,
a abordagem do tema é obrigatória e definida pelos governos de cada um dos 16
estados federados que compõem o país. Imprescindível, na avaliação de Wetzel,
mas uma medida que não se esgota em si. “Nós não podemos concentrar tudo sobre
os ombros dos professores porque essa é uma questão de toda a sociedade”,
diz.
• No presente
Uma
questão que, como um espelho, também reflete muito sobre o presente, afirma a
historiadora Anna Viana, uma das coordenadoras do Núcleo Brasileiro de Estudos
de Nazismo e Holocausto (Nepat). Para ela, o nazismo tem de ser superado como
um conteúdo datado em sala de aula, já que uma série de questões intrínsecas à
ideologia do movimento seguem em movimento e sob alerta.
“A
gente tem visto uma série de violência contra outros setores da população não
contempladas dentro dessa ideologia, necessariamente, o que também é um
absurdo. Um passado traumático com o qual nos relacionamos mais do que
Holocausto é pensarmos, por exemplo, na escravidão, na questão do racismo que
tem que ser analisada com muito cuidado porque também estamos falando de
violência contra uma parte da população”.
• Mensagens
Michel
Ehrlich, coordenador do departamento de História do Museu do Holocausto de
Curitiba, observa que o desafio da convergência entre nazismo e educação hoje
não está em quantificar o ensino – dar mais espaço em grades, por exemplo –,
mas pensar em como transmitir as mensagens que vertem do conteúdo, incluindo a
percepção da gravidade de gestos e declarações como as que ganharam repercussão
no Brasil nos últimos meses.
Mestre
em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o especialista defende
como questão primordial para o ensino do nazismo e do Holocausto dentro das
escolas a ênfase na correlação entre o regime e cidadãos comuns, algo que a
percepção geral, baseada na teoria da história dos grandes homens, tende a
encolher diante da figura monopolizadora de Adolf Hitler.
• Engajamento
“Quando
a gente narra o nazismo e os crimes nazistas pela perspectiva de que Adolf
Hitler fez A, B e C em 1945, para muita gente isso fica no passado porque não
estamos mais em 1945 e Hitler está morto. Mas ocorre que o nazismo e seus
crimes não partiram da cabeça de meia dúzia que saíram depois executando. Essa
execução só foi possível porque houve todo um processo de engajamento das
pessoas comuns”, explica. “E quando a gente percebe que tais crimes envolveram
amplo setor da sociedade, essa é a compreensão da história que, em termos
educativos, vale ter seu aspecto reforçado”.
• Museu do Holocausto de Curitiba
Essa
é assimilação primordial proposta pela política pedagógica do Museu do
Holocausto de Curitiba, cujos acervo e materiais disponíveis se tornaram uma
referência para a elaboração de planos de aula sobre a consolidação dos estados
totalitários de acordo com as demandas da BNCC. Inaugurado em 2011, o espaço
tem em mais de 80% de seus visitantes físicos alunos de escolas públicas e
particulares.
“Para
os alunos da professora que realizou uma saudação nazista talvez não sirva
muito saber todos os detalhes da vida de Adolf Hitler. O mais interessante é
expor as experiências na sociedade da época, como a propaganda nazista, a
juventude hitlerista, a forma como o nazismo envolveu a sociedade para justificar
seus crimes, e mostrar que talvez nossa sociedade não esteja tão distante assim
desses fatos”, diz Michel Ehrlich.
• Nazismo no Paraná
Para
Anna Viana, do Nepat, episódios como os registrados no Paraná no último mês
também não podem ser tratados de maneira isolada, tampouco menosprezados. O
acúmulo de denúncias, analisa a historiadora, é mais uma chance de dar à
discussão a importância que ela merece.
“Nós
temos que pensar na história, sobretudo quando falamos de nazismo, de
Holocausto, das vítimas, como uma ferramenta para compreender o mundo. Se hoje
temos manifestações em muitos lugares de pessoas apoiando esse tipo de
ideologia, por definição, genocida, é importantíssimo dar ainda mais atenção
especial a esse passado e como ele pode nos ajudar a refletir criticamente o
nosso presente”, diz Anna Viana.
"Estamos vivendo o nazismo
bolsonarista em seu momento de destruição", diz Michel Gherman
Na
última segunda-feira, dia 24, o programa Boa Noite 247 recebeu o professor
Michel Gherman, especialista em estudos sobre o nazismo, para uma entrevista
com os jornalistas Florestan Fernandes Júnior e Dayane Santos. Durante a
conversa, Gherman fez diversas considerações sobre o atual cenário político
brasileiro, especialmente no que diz respeito ao surgimento e a queda do
nazismo bolsonarista.
O
professor iniciou a entrevista com uma afirmação impactante: "Estamos
vivendo o nazismo em seu momento de destruição". Essa fala evidencia que,
apesar do tema delicado, é importante compreender que o nazismo não foi apenas um
evento histórico, mas um sistema de crenças que ainda influencia muitos
aspectos da nossa sociedade atual.
Gherman
também destacou que o nazismo brasileiro, sem a mediação do líder Bolsonaro,
está implodindo, como visto no dia 8 de janeiro, quando uma grande manifestação
contra o governo aconteceu em diversas cidades do país. Essa observação é
relevante para entendermos que, embora as lideranças políticas tenham grande
influência, a sociedade tem um papel importante em resistir e combater
discursos de ódio e intolerância.
Ainda
sobre Bolsonaro, o professor lembrou que o ex-presidente em vários momentos
elogiou Adolf Hitler, um dos líderes mais icônicos do regime nazista. Essas
falas não apenas demonstram a falta de sensibilidade do presidente para com questões
históricas, mas também a falta de comprometimento com a democracia e com os
direitos humanos.
Outro
ponto abordado na entrevista foi a reflexão da comunidade judaica sobre as
consequências do nazismo bolsonarista. Gherman afirmou que, infelizmente, essa
comunidade não refletiu adequadamente sobre o tema, o que pode ter contribuído
para o fortalecimento do discurso de ódio no país. Essa reflexão é fundamental
para que todos possam compreender a gravidade do tema e tomar medidas efetivas
para combater o nazismo e outras formas de intolerância. Por fim, Gherman
ressaltou que o nazismo na sua última etapa é dantesco e produz nojo e asco.
Fonte:
FolhaPress/Plural/Brasil 247
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