sábado, 29 de abril de 2023

Ibama recomenda negar licença para explorar petróleo na foz do Amazonas

Um parecer técnico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomenda que seja negado o pedido da Petrobras para furar um poço em busca de petróleo no chamado bloco 59, na bacia da foz do Amazonas, a cerca de 160 quilômetros da costa do Oiapoque, no Amapá. Segundo SUMAÚMA apurou, o documento, de acesso restrito por envolver a etapa de conclusão do caso, foi protocolado no dia 20 de abril. Ele afirma que o empreendimento é inviável do ponto de vista ambiental e pede o indeferimento da licença e o arquivamento do processo de licenciamento da prospecção no bloco 59, que já se arrasta há nove anos.

Assinado por toda a equipe técnica encarregada do licenciamento do bloco 59, o parecer é um dos documentos que vai embasar uma decisão do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, sobre a concessão ou não da licença de operação à Petrobras. O texto cita lacunas na previsão dos impactos da atividade nas três terras indígenas da região do Oiapoque e incertezas no plano apresentado pela estatal para atendimento à fauna, em caso de acidente com derrame de óleo – numa área em que há espécies endêmicas ameaçadas e correntes marítimas particularmente fortes. Lembra também que o empreendimento é cercado por insegurança técnica e jurídica por não ter sido feita uma avaliação mais ampla da compatibilidade entre a indústria petrolífera e todo o contexto social e ambiental da região, com a utilização de instrumentos como a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), que foi estabelecida em portaria de 2012 dos ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia.

A perfuração de um poço na bacia da foz do Amazonas, onde há mais oito blocos em processo de licenciamento, teria o potencial de abrir uma nova fronteira de exploração petrolífera na margem equatorial do Brasil, que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá. A região inclui 80% dos mangues do país e um sistema de recifes ainda pouco estudado, considerado fundamental para a atividade pesqueira. Além disso, conhecimentos escassos sobre a dinâmica das correntes marinhas locais tornam difícil prever o que aconteceria em caso de eventual vazamento de óleo e como atuar para conter seus efeitos.

No total, há ainda 47 blocos na margem equatorial em “oferta permanente” pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e 157 em estudo para serem levados a leilão. Em carta enviada em meados de abril a autoridades do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, 80 organizações da sociedade civil, incluindo ONGs ambientalistas e associações indígenas, de pescadores e de comunidades extrativistas da Amazônia pediram a realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar antes de qualquer decisão sobre o bloco 59. Argumentaram também que a abertura de uma nova fronteira petrolífera é “incoerente” com a necessidade de uma “transição energética justa e inclusiva” e com os “compromissos socioambientais assumidos pelo governo brasileiro”.

A exploração da margem equatorial foi considerada prioritária pela Petrobras no plano estratégico para o período de 2024 a 2027, lançado em 2022, ainda no governo do extremista de direita Jair Bolsonaro. Indicado já no governo Lula, o atual presidente da empresa, Jean Paul Prates, reiterou essa prioridade, afirmando que a busca de petróleo na região é fundamental para a manutenção dos negócios da estatal em óleo e gás, “mesmo num panorama de transição energética”. Mais recentemente, Prates disse que cabe à “sociedade” decidir sobre a exploração na margem equatorial. “Estamos preparados para explorar novas reservas se assim a sociedade decidir”, afirmou ele em vídeo.

O parecer técnico publicado no último dia 20 pelo Ibama lembra que a Petrobras, a pedido do órgão ambiental, atualizou a chamada “modelagem” – um estudo feito em computador que faz a previsão de cenários de dispersão do petróleo em caso de acidente. A modelagem também embasa o chamado Plano de Emergência Individual (PEI), que é parte fundamental do processo de licenciamento. Ainda assim, diz o texto, a construção de uma base hidrodinâmica que representasse melhor a dinâmica costeira da margem equatorial ainda não foi concluída, o que aumenta a possibilidade de erros, considerada a intensidade das correntes e ventos na área do bloco 59. O documento lembra mais uma vez que os cenários da Petrobras não preveem a chegada de óleo na costa em um eventual vazamento, embora haja relatos de objetos que alcançaram o litoral do Oiapoque vindos do alto-mar, como estágios de um foguete lançado em 2014 do Centro Espacial de Kourou, na vizinha Guiana Francesa.

No que diz respeito ao impacto nas terras indígenas, onde vivem cerca de 8 mil pessoas, o parecer cita que apenas em fevereiro deste ano, em reunião com o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO) e outras entidades, a Petrobras reconheceu que os voos de helicóptero entre o aeroporto da cidade e o navio-sonda que mantém na área do bloco 59 desde agosto do ano passado já estavam afetando os povos originários, afugentando a fauna de que as aldeias precisam para sua sobrevivência. Na ocasião, a estatal se comprometeu a alterar a altitude desses voos. No entanto, de acordo com o documento, um aumento estimado de 3.000% do tráfego aéreo durante a atividade de prospecção de petróleo exigiria a elaboração de uma nova Avaliação de Impacto Ambiental para o caso específico das terras indígenas, que a Petrobras considerou não ser necessária.

Por último, o parecer técnico do Ibama analisa o Plano de Proteção à Fauna (PPAF) apresentado pela estatal como parte do Plano de Emergência Individual (PEI). O documento rejeita o PPAF da Petrobras, e portanto não recomenda a realização da Avaliação Pré-Operacional, uma simulação de resposta a acidentes que é a última etapa do processo de licenciamento. De acordo com o texto, todas as alternativas propostas pela empresa para o resgate e transporte dos animais afetados por um eventual vazamento preveem um tempo muito longo para esse socorro e não levam em conta a possibilidade de mudanças abruptas nas condições climáticas na área do bloco 59, que afetariam o tempo e a viabilidade da navegação e dos voos. O parecer lembra que, dadas as especificidades da costa do Oiapoque, que não permitem o atracamento de navios de grande porte, toda a estrutura marítima de suporte às atividades da Petrobras estaria baseada em Belém, a 830 quilômetros do poço – distância percorrida em 43 horas em média por embarcações. Mesmo com lanchas rápidas, o deslocamento da capital paraense até o bloco 59 seria de no mínimo 26 horas.

O parecer assinado por dez técnicos foi endossado pelo coordenador de Licenciamento da Exploração de Petróleo e Gás Offshore (Coexp) do Ibama, Ivan Werneck Sánchez Bassères, e pelo coordenador geral de Licenciamento de Empreendimentos Marinhos e Costeiros (CGMac), Itagyba Alvarenga Neto. Porém, segundo SUMAÚMA apurou, o atual diretor substituto de Licenciamento do Ibama, Régis Fontana Pinto, discordou parcialmente do parecer – Rodrigo Agostinho, o presidente do instituto que assumiu no governo Lula, ainda não nomeou o novo titular desse cargo.

Em despacho enviado a Agostinho, Fontana Pinto diz que as considerações sobre os impactos em terras indígenas e sobre a realização prévia da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não representam condicionantes para a emissão da licença de operação. Em relação às dificuldades logísticas para a implementação bem-sucedida do Plano de Proteção à Fauna (PPAF), ele sugere que a Petrobras tenha a oportunidade de melhorar o projeto e de provar que ele pode ser viável com a realização da Avaliação Pré-Operacional (APO). Essa simulação de acidente chegou a ser pré-marcada para 20 de março, mas acabou não sendo confirmada por causa do tempo necessário para a análise, pelo Ibama, das respostas enviadas pela estatal a suas observações sobre o Plano de Proteção à Fauna e a relação com os povos originários.

Em seu despacho, protocolado no dia 27, o diretor substituto de Licenciamento reconhece o peso de uma decisão que pode levar à abertura de uma nova fronteira petrolífera, mas diz que essa avaliação não cabe ao Ibama, e sim a instâncias superiores que definem a política ambiental e energética do país.

 

Ø  Antigos incêndios podem estar ajudando a Amazônia a sobreviver às secas – os de hoje, nem tanto

 

Incêndios florestais antigos parecem ter desempenhado um papel no aumento da resistência à seca na Amazônia, sugere um estudo recente. A pesquisa, publicada no periódico Frontiers in Forests and Global Change, concentrou-se em áreas sem incêndios recentes conhecidos, mas com altas concentrações de carbono pirogênico (PyC), um material encontrado no solo que é produzido pela queima da vegetação. A maior presença de PyC nessas áreas indica um registro de incêndios florestais ocorridos há muito tempo. Onde suas concentrações no solo eram maiores, descobriram os pesquisadores, características relacionadas à resistência à seca, como maior fertilidade e capacidade de retenção de água, também eram mais perceptíveis.

“Trabalhos recentes mostraram que a Floresta Amazônica já teve eventos de incêndio séculos ou milênios atrás, embora em uma escala muito menor do que a que se vê hoje”, diz a principal autora do estudo, Laura Vedovato, pesquisadora da Universidade de Exeter, no Reino Unido. Essa descoberta contraria a ideia de que a floresta só começou a sofrer incêndios nas últimas décadas, como as queimadas intencionais feitas por fazendeiros para a expansão da agropecuária. “Este é um estudo sem precedentes, nunca realizado em outras florestas tropicais”, disse Vedovato à Mongabay.

Os pesquisadores analisaram a dinâmica da floresta – contabilizando taxonomia, crescimento florestal e mortalidade de árvores, entre outros – e coletaram amostras de solo em 95 locais diferentes na Bacia Amazônica. Depois de analisá-los quanto à fertilidade, textura e concentração de carbono pirogênico, eles combinaram as descobertas com dados sobre períodos de seca extrema nas últimas quatro décadas. “Nossos resultados indicaram que as áreas com maior concentração de PyC no solo, ou seja, com indícios de maior ocorrência de queimadas ancestrais, mantiveram a capacidade de ganho de carbono nas mesmas taxas em relação aos anos sem seca”, diz Vedovato.

Embora o mecanismo real por trás desse fenômeno permaneça desconhecido, o estudo aponta para três explicações possíveis. Como a maior presença de PyC está relacionada com o aumento da fertilidade do solo, as árvores nessas áreas podem estar morrendo e crescendo a uma taxa mais alta, lideradas por espécies com menor densidade de madeira.

“Assim, mesmo com a mortalidade de árvores em períodos de estiagem, há também o crescimento de novas árvores em um período tão curto, sem alterar o equilíbrio entre perda e ganho de carbono”, diz Vedovato.

Essa hipótese também se relaciona com a segunda, relativa à mudança de espécies arbóreas quando uma área é perturbada por incêndios, o que permite o predomínio de espécies com um período de crescimento mais rápido. A terceira teoria refere-se à maior capacidade de retenção de água das árvores para sobreviver aos períodos secos, o que também se relaciona com a presença de carbono pirogênico. “Uma ou mais hipóteses podem estar corretas”, diz Vedovato, acrescentando que são necessários mais estudos sobre os mecanismos subjacentes.

·         Incêndios modernos são diferentes

Essa resposta histórica aos incêndios naturais, no entanto, não é uma indicação de como a Amazônia pode se adaptar às ameaças atuais. “O regime de ocorrência dos incêndios ancestrais não pode ser comparado aos intensos e frequentes incêndios que ocorrem hoje”, diz Ted Feldpausch, professor da Universidade de Exeter, que supervisionou o estudo. “Os incêndios florestais registrados nos últimos anos ocorreram em condições diferentes daqueles de séculos atrás”, diz ele, referindo-se às queimadas feitas de modo controlado por populações humanas nos séculos anteriores à colonização portuguesa.

Embora os incêndios antigos ocorressem em intervalos de poucas centenas ou mesmo milhares de anos, hoje em dia algumas áreas da Amazônia sofrem vários incêndios na mesma década. Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), os incêndios na Amazônia brasileira aumentaram 74% em 2020, se comparados com a virada do século.

Sonaira Silva, professora da Universidade Federal do Acre especializada em incêndios florestais na Amazônia, que analisou o artigo a pedido da Mongabay, concorda.

“O estudo chama a atenção para o fato de que, ao contrário do que se pensa, as queimadas não são um fenômeno novo”, diz ela. “Mas o contexto atual é muito mais difícil porque temos uma sinergia de ameaças: desmatamento, um número maior de fontes de ignição, temperaturas mais quentes em geral e áreas de floresta fragmentada que ficam mais secas, mesmo que a seca não seja tão intensa como no passado.”

O resultado, diz Silva, são incêndios florestais que não só se tornaram mais frequentes, como também podem se espalhar mais rapidamente por conta da falta de umidade.

A ação humana desempenha um papel central em tornar a floresta mais vulnerável, de acordo com Philip Fearnside, biólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “É um ciclo vicioso: primeiro vem a extração de madeira, depois um incêndio, depois um segundo incêndio traz ainda mais destruição, e depois de três ou quatro incêndios não podemos mais falar que existe uma floresta de verdade”, diz Fearnside.

O desmatamento provocado pelo homem contribui para a fragmentação da floresta e adiciona mais material inflamável ao meio ambiente: quando uma árvore está viva, ela pode preservar a umidade e atuar como uma barreira natural contra incêndios. Mas, quando ela é derrubada, os galhos e tocos deixados para trás secam e se tornam apenas mais combustível no caminho da destruição.

“Pode ser ainda mais perigoso do que o próprio desmatamento, porque com o desmatamento o governo ainda pode agir preventivamente”, disse Fearnside à Mongabay. “Mas se um incêndio florestal cresce além do controle, não há nada que possa ser feito para detê-lo.”

Revendo o estudo, Fearnside diz que é necessário colocar os dados em contexto para evitar interpretações errôneas de suas conclusões.

“Aqueles que leem o título podem ter uma ideia errada” sobre o que exatamente os incêndios podem fazer para aumentar a resistência à seca, diz ele. Esta posição é compartilhada pelos autores, que dizem que os resultados precisam ser considerados apenas em relação a incêndios antigos, e provavelmente não serão replicáveis no futuro, devido à forma que a natureza dos incêndios tomou nas últimas décadas.

“Os mecanismos que discutimos provavelmente não são válidos quando consideramos os incêndios modernos, mas são relevantes para ajudar a entender os impactos dos incêndios ancestrais na Amazônia”, diz Vedovato. “Os efeitos dos incêndios permanecem nas florestas por mais de duas décadas após o fato. O aumento da frequência desses incêndios não dá à floresta tempo suficiente para se recuperar e mostrar quaisquer benefícios durante as secas de curto prazo”.

 

Fonte: Sumaúma/Mongabay

 

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