Entenda
o PL das Fake News, inspirado em lei alemã
A Câmara Federal deve votar na próxima terça-feira
(02/05) o Projeto da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e
Transparência na Internet, que ficou conhecido como PL das Fake News. O projeto
prevê medidas para o combate à desinformação nas redes sociais e regras para a
atuação e responsabilização das chamadas big techs no Brasil.
Em discussão há três anos, o projeto ganhou força
recentemente, após os ataques golpistas de 8 de janeiro e ataques a escolas em
São Paulo e Blumenau.
Proposto originalmente pelo senador Alessandro
Vieira (PSDB-SE) e aprovado pelo Senado em 2020, o texto que será votado sofreu
modificações incorporadas pelo relator do projeto na Câmara, deputado Orlando
Silva (PC do B-SP).
Nesta quinta-feira, Silva retirou do projeto o
artigo que previa a criação de uma agência fiscalizadora para aplicar as
medidas e incluiu trechos para reforçar que o texto não tem a intenção de
afetar a liberdade religiosa, como forma de aplacar a bancada evangélica.
Se passar na Câmara, o texto voltará ao Senado, que
deverá avaliar as mudanças. Caso também seja aprovado novamente pelos
senadores, o PL seguirá para sanção presidencial.
• Projeto
em parte inspirado em lei alemã
O PL das Fake News tem parte do seu conteúdo
inspirado na alemã Netzwerkdurchsetzungsgesetz, ou NetzDG (Lei de Fiscalização
da Rede, em tradução livre), que ficou conhecida no país europeu como "Lei
do Facebook". Implementada em 2017, a lei alemã rapidamente serviu de
modelo para outras legislações mundo afora, e foi citada no voto do relator do
projeto brasileiro.
Seus principais pontos são a obrigação da remoção de
conteúdos "claramente ilegais" em até 24 horas, a previsão de multas
de até 50 milhões de euros em caso de descumprimento e a instituição de canais
de denúncia. O texto mira especialmente redes sociais com mais de 2 milhões de
usuários na Alemanha e teve como principal motivação o combate à divulgação
online de conteúdo extremista.
Em 2021, uma emenda foi adicionada à lei, obrigando
as redes a reportarem conteúdo específicos ilegais para a polícia federal
alemã. A medida foi tomada após uma série de ataques de motivação extremista de
direita, como o assassinato do político conservador Walter Lübcke e um atentado
contra uma sinagoga em Halle.
Desde então, as redes têm que comunicar as
autoridades sobre conteúdos que põem em perigo o Estado Democrático de Direito,
atentam contra a ordem pública, incluem pornografia infantil ou constituem
ameaça à vida, à autodeterminação sexual ou à integridade pessoal.
Em julho de 2019, o Facebook foi multado pelas
autoridades alemãs em 2 milhões de euros por subnotificar denúncias sobre
conteúdo ilegal.
• O
alcance do projeto de lei brasileiro
O PL das Fake News tem pontos mais brandos que a lei
alemã, mas prevê um alcance maior em relação à aplicação. As normas brasileiras
se aplicariam aos provedores com número de usuários no Brasil maior do que 10
milhões, mas não se limita a plataforma sociais, incluindo também serviços de
mensagens instantâneas e ferramentas de busca. Assim como na Alemanha, veículos
de imprensa e aplicativos de videoconferência não estão contemplados.
O projeto também estabelece que as redes sociais
tenham representação no Brasil, para o caso de precisarem ser acionadas
judicialmente e administrativamente. Em 2022, o aplicativo Telegram entrou na
mira do Judiciário por ignorar contatos e ordens de tribunais. Depois de ter o
aplicativo bloqueado em todo o país, a empresa finalmente apontou um
representante brasileiro.
• Crimes
e mecanismos de denúncia
De acordo com o projeto, decisões judiciais que
determinarem a remoção imediata de conteúdo ilícito relacionado à prática de
crimes deverão ser cumpridas pelas plataformas no prazo de até 24 horas, sob
pena de multa.
Da mesma forma que já ocorre na Alemanha, o PL das
Fake News prevê que as plataformas deverão disponibilizar aos usuários
mecanismos de denúncia e "atuar diligentemente para prevenir e
mitigar" uma série de crimes.
Na lista estão crimes contra o Estado Democrático de
Direito, atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo, crime de
induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, crimes contra
crianças e adolescentes e de incitação à prática de crimes contra crianças e
adolescentes, crime de racismo, violência contra a mulher, infração sanitária,
por deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias
quando sob situação de Emergência em Saúde Pública.
Além disso, os provedores terão que elaborar e
publicar relatórios de transparência semestrais com informações sobre a
moderação de conteúdo.
• Responsabilização,
publicidade paga e robôs
Embora os provedores não possam ser imediatamente
responsabilizados por conteúdos individuais falsos ou criminosos produzidos por
usuários comuns, a avaliação muda no caso da distribuição paga ou publicidade.
Pelo texto, as plataformas serão responsabilizadas de forma solidária pela
reparação de danos se essa distribuição tiver sido feita mediante pagamento.
Além disso, o texto determina que as plataformas
exijam a identificação, por meio de documento válido, de anunciantes e usuários
que pagam para impulsionar conteúdo. A medida mira especialmente anúncios de
golpes financeiros disfarçados ou a propagação de fake news.
O texto ainda prevê a tipificação de um novo crime,
que envolve usar robôs para divulgar em massa mensagens inverídicas sobre o
processo eleitoral ou que possam causar dano à integridade física.
De acordo com o projeto, será considerado crime
"promover ou financiar, pessoalmente ou por meio de terceiros, mediante
uso de conta automatizada e outros meios ou expedientes não fornecidos
diretamente pelo provedor de aplicações de internet, divulgação em massa de
mensagens que contenha fato que sabe inverídico, que seja capaz de comprometer
a higidez do processo eleitoral ou que possa causar dano à integridade física e
seja passível de sanção criminal". A pena prevista é de um a três anos de
reclusão e multa.
• Limitações
em aplicativos de mensagem
O projeto também prevê a necessidade de
consentimento para inclusão em grupos ou listas de transmissão em aplicativos
de mensagens e que exista uma limitação no número permitido de encaminhamento
de mensagens ou mídias.
Segundo a proposta, haverá uma limitação de
encaminhamentos de mensagens ou mídias recebidas de outro usuário para
múltiplos destinatários.
Listas de transmissão, por exemplo, somente poderão
ser encaminhadas e recebidas por pessoas que estejam identificadas tanto nas
listas de contatos de remetentes e destinatários.
Nos últimos anos, a criação da ferramenta de
Comunidades do WhatsApp, que permite criar grupos com até 5 mil pessoas,
levantou acusações de que esses aplicativos de mensagens deixaram de ser
simplesmente um espaço de comunicação interpessoal e passaram, na realidade, a
funcionar como meios de comunicação de massa. Os efeitos desse tipo de
ferramenta foram sentidos nas eleições de 2018, quando aplicativos se tornaram
uma arena de disparos em massa de fake news.
• Punições
Caso os provedores não cumpram decisões judiciais
para a remoção de conteúdo, as multas podem variar de R$ 50 mil a R$ 1 milhão
por hora de descumprimento e poderão triplicar de valor caso envolvam
publicidade paga.
No caso de descumprimento das normas previstas na
lei, os provedores poderão enfrentar multas que podem chegar a 10% do
faturamento da empresa no Brasil ou de R$ 10 a R$ 1.000 por usuários
cadastrado, com limite de R$ 50 milhões. Também estão previstos mecanismos de
suspensão temporária das atividades.
• Imunidade
e bloqueios
O projeto inclui ainda um artigo que prevê a
extensão da imunidade parlamentar nas redes sociais. Esse artigo gerou
controvérsia e temor de quer acabe funcionando como uma "blindagem"
para deputados que usam suas redes para propagar mentiras. Também foi levantado
o temor que as plataformas sejam mais lenientes com contas de políticos com
mandato.
Por outro lado, o relator afirma que a inclusão foi
apenas "redundante", já que a imunidade está assegurada na
Constituição e que, mesmo com esse privilégio, políticos com mandato podem ser
processados e presos.
O projeto também estabelece que autoridades
políticas com mandato ou que ocupem cargos em ministérios e secretarias não
poderão mais bloquear usuários em suas contas institucionais ou impedir a
visualização de publicações.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o então
presidente bloqueou vários jornalistas em suas redes sociais. Os bloqueios
chegaram a resultar numa ação judicial movida pela Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo (Abraji).
• Remuneração
de conteúdos jornalísticos
Um dos pontos do projeto prevê que as plataformas
sociais remunerem empresas de mídia pelo conteúdo jornalístico veiculado. Uma
exceção à regra seriam matérias jornalísticas compartilhadas por usuários, algo
que deve aliviar a situação para plataformas como o Facebook. No entanto, causa
mais impacto no Google, que tem um sistema agregador de notícias. Legislações
semelhantes já existem na Austrália e Canadá.
O texto ainda determina que os valores a serem pagos
pelas plataformas serão objeto de negociações diretas entre as empresas
envolvidas. Caso não haja acordo, entrará em cena um mecanismo de arbitragem,
função que será assumida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), para evitar que as plataformas abusem de sua posição dominante na
negociação com as empresas jornalísticas. O PL ainda determina que as
plataformas não poderão remover conteúdo jornalístico para escapar do pagamento.
A remuneração é defendida por grandes empresas
jornalísticas representadas pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Outras entidades, que representam profissionais da
imprensa, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Federação Nacional
dos Jornalistas (FNJ), inicialmente defenderam que o tema fosse tratado em um
projeto à parte, mas diante da manutenção do artigo no PL, passaram a defender
que os valores sejam direcionados para um fundo de fomento ao jornalismo. Já a
Associação de Jornalismo Digital (Ajor) afirma temer que a negociação direta
ocorra sem a instituição de mecanismos de transparência sobre valores e
critérios.
• Retirada
de agência fiscalizadora
Um dos cernes originais do projeto era a criação de
uma entidade autônoma que teria o poder de instaurar processos administrativos
contra as plataformas e aplicar sanções.
No entanto, uma parte significativa da Câmara não
manifestou apoio ao artigo que previa essa entidade. A oposição bolsonarista,
por sua vez, levantou acusações de que o órgão se tornaria um orwelliano
"Ministério da Verdade", motivado por razões ideológicas.
O deputado Orlando Silva optou, então, por retirar a
criação da entidade da versão final do texto. Ao anunciar a decisão, ele disse
que manter o artigo acabaria inviabilizando a aprovação de todo o projeto de
lei.
"Houve muita crítica de diversas bancadas. A
minha impressão é que se mantivéssemos essa ideia, poderia interditar o debate
e inviabilizar o avanço da proposta", disse.
• Defensores
e opositores
Em seu relatório, o deputado Orlando Silva mencionou
que diversos países, como Alemanha e França, já contam com legislações
semelhantes e citou o combate à disseminação de fake news como um dos motivos
para a aprovação do projeto.
"A liberdade na internet, embora propiciadora
da sociedade em rede e concretizadora de vários direitos fundamentais, traz
consigo algumas externalidades negativas. Uma delas são as notícias falsas ou,
como têm sido comumente chamadas, as fake news", escreveu o deputado.
O projeto é apoiado pelo governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Já as big techs resistem à aprovação e divulgaram
notas afirmando que o tema precisava de "mais debate", embora o
projeto esteja em discussão há três anos no Congresso e tenha sido tema de
audiências públicas.
Segundo o jornal O Globo, representantes de
plataformas como TikTok e YouTube procuraram nos últimos dias influenciadores
digitais para sugerir que eles se manifestassem contra a tramitação em urgência
do projeto.
A bancada de extrema direita do Congresso também vem
articulando oposição ao projeto, acusando o texto de ser uma ferramenta de
censura e espalhando fake news sobre seu teor.
No final de abril, o ex-procurador da Lava Jato e
deputado Deltan Dalllagnol (Podemos-PR), por exemplo, veiculou mensagens em
suas redes sociais afirmando que a aprovação da lei levaria à censura da
divulgação na internet de certos versículos da Bíblia, ainda que projeto não
avançasse sobre a liberdade religiosa.
Em reposta, o deputado Orlando Silva veio a público
afirmar que isso não era verdade, e tratou de deixar mais explícito na redação
que esse não era o caso.
Fonte: Deutsche Welle
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