Falas polêmicas de
Lula nos primeiros meses de governo: qual o impacto das gafes
Desde
que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu algumas
declarações controversas que geraram debates nas redes sociais, críticas e até
reações de outros países.
Em
alguns casos, ele reconheceu o erro e pediu desculpas. Isso ocorreu, por
exemplo, quando Lula relacionou problemas de saúde mental com violência, em uma
reunião em que anunciou medidas para aumentar a seguranças nas escolas.
Em
outras ocasiões, o presidente tentou corrigir rumos, como fez depois da
repercussão gerada quando disse que a Ucrânia, que foi invadida pela Rússia,
também tem responsabilidade pela guerra.
Mas
até que ponto essas falas do presidente tiveram impacto direto na política
doméstica ou na relação do Brasil com o mundo?
A
BBC News Brasil reuniu aqui algumas das gafes e falas polêmicas mais recentes.
E ouviu especialistas, diplomatas e políticos sobre as consequências dessas
declarações nos primeiros meses do governo Lula.
·
Falas controversas sobre minorias e pessoas com
deficiência
Recentemente,
algumas falas de Lula causaram desconforto entre pessoas com deficiência e
minorias.
Ao
assumir a Presidência, Lula anunciou o ministério com mais diversidade da
história do país — com maior presença de mulheres, negros e indígenas.
Mas,
ao falar de improviso em discursos, alguns deslizes chamaram a atenção.
Por
exemplo, ao visitar em Roraima a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em 13 de
março, Lula falou que a escravidão, apesar de terrível, teria trazido algo de
bom, a miscigenação no Brasil.
“Toda
desgraça que isso causou ao país, causou uma coisa boa, que foi a mistura, a
miscigenação da mistura entre indígenas, negros e europeus, que permitiu que
nascesse essa gente bonita aqui, que gosta de música, que gosta de dança, que
gosta de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhar para
sustentar a sua família e não viver de favor de quem quer que seja",
afirmou.
Muitos
ativistas e historiadores usaram as redes sociais para explicar que a
miscigenação no Brasil, na verdade, é fruto da violência e do estupro de
mulheres negras e indígenas — não de um processo harmônico e pacífico. Também
reforçaram que não há saldo positivo na escravidão.
·
‘Problema de parafuso’
Outro
momento que causou polêmica foi quando Lula disse que pessoas que sofrem de
deficiência intelectual têm “problemas de desequilíbrio de parafuso".
A
fala foi feita durante o anúncio de investimentos em segurança nas escolas,
após o ataque que matou crianças numa creche em Blumenau.
“A
OMS [Organização Mundial da Saúde] sempre afirmou que, na humanidade, deve
haver 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é
verdadeiro, e você pega o Brasil com 220 milhões de habitantes, significa que
temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso”,
disse.
“Pode
uma hora acontecer uma desgraça”, completou.
Mais
uma vez, a declaração gerou fortes críticas, dessa vez de pessoas com
deficiência ou que trabalham por políticas de saúde mental.
O
apresentador Marcos Mion, que tem um filho no espectro autista, usou suas redes
sociais para dizer que a fala de Lula reforça o preconceito contra pessoas com
deficiência intelectual.
"Irresponsavelmente,
a fala dele liga deficientes intelectuais diretamente aos casos de violência
que infelizmente temos visto acontecer. Isso é um absurdo, pois não há qualquer
comprovação. Como pai de um autista, eu me sinto atingido", disse Mignon.
Lula
se retratou depois com uma publicação no Twitter.
"Gostaria
de pedir desculpas sobre uma fala que fiz na semana passada, durante reunião
sobre violência nas escolas. Conversei e ouvi muitas pessoas nos últimos dias e
não tenho vergonha de assumir que sigo aprendendo e buscando evoluir”, disse.
"É
por isso que quero me retratar com toda a comunidade de pessoas com deficiência
intelectual, com pessoas com questões relacionadas à saúde mental e com todos
que foram atingidos de alguma maneira por minha fala."
Ele
também se desculpou por relacionar transtorno mental com violência.
"Não
devemos relacionar qualquer tipo de violência a pessoas com deficiência ou
pessoas que tenham questões de saúde mental. Não vamos mais reproduzir esse
estereótipo. Tanto eu quanto nosso governo estamos abertos ao diálogo."
·
Gafes têm impacto no governo?
Para
o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), vice-líder do governo no
Congresso, as gafes do presidente têm “pouca repercussão no dia a dia do povo
brasileiro” e não abalam a popularidade de Lula.
“Acho
que o impacto é muito pequeno. Você vê o presidente Bolsonaro, anterior ao
Lula. Ele falava os maiores absurdos e a quantidade de preconceitos contra as
pessoas negras, mulheres, contra o povo LGBT, indígenas. Ele fazia isso a torto
e a direito e mesmo assim ele manteve uma certa popularidade”, disse Zarattini
à BBC News Brasil.
“O
presidente Lula toma o maior cuidado. E ele não é preconceituoso nem com as
mulheres, nem com os gays, nem com os negros. Mas, às vezes, tem questões que
são um modo de falar da população brasileira, que ainda está muito introjetado
nas pessoas. Então, às vezes, qualquer pessoa, por mais que tenha uma visão
moderna, tenha uma visão progressista, comete também esse tipo de fala,
entende? Mas tem muito pouca repercussão isso no dia a dia do povo brasileiro.”
Pesquisa
da Genial/Qaest de abril mostrou que a avaliação positiva do governo Lula
recuou quatro pontos percentuais desde fevereiro, passando de 40% para 36%.
Mas, de fato, segundo o levantamento, a queda se deu sobretudo entre eleitores
de Jair Bolsonaro (PL), não entre quem votou no atual presidente.
Ou
seja, ao menos por enquanto, as gafes não se refletiram necessariamente em
perda de apoio popular.
“Foram
os eleitores que votaram em Bolsonaro na eleição do ano passado que passaram a
se posicionar contrariamente ao governo. Entre os bolsonaristas, a avaliação
negativa do governo subiu de 51% para 60%, enquanto a não resposta caiu de 20%
para 5%”, explicou Felipe Nunes, da Genial/Qaest, em post no Twitter.
“Lula
tem sido um bom presidente para quem votou nele, mas seu governo, ao não fazer
acenos para o eleitorado de centro e oposicionista, dá boas razões para que ele
passe a buscar motivos para não gostar do que está vendo", avaliou.
·
Na política externa, impacto é maior
Mas
outras declarações de Lula que envolvem política externa provocaram reações
imediatas de outros países. E, segundo diplomatas e especialistas ouvidos pela
BBC News Brasil, tiveram impacto concreto na relação do Brasil com o mundo.
É
o caso de duas falas de Lula relacionadas à Guerra da Ucrânia.
Em
entrevista coletiva quando visitava a Arábia Saudita, Lula atribuiu à Ucrânia,
que foi invadida pela Rússia, responsabilidade pela guerra.
Antes,
quando visitava a China, sugeriu que Estados Unidos e Europa contribuem para a
continuidade da guerra.
“É
preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em
paz. É preciso que a União Europeia pare de incentivar a guerra e comecem a
falar em paz", disse.
A
Casa Branca reagiu. Um porta-voz do governo americano chegou a dizer que a
posição brasileira “é profundamente problemática” e que o país estaria
"papagueando propaganda russa e chinesa" sobre a guerra.
A
Europa também se manifestou. “Não é verdade que os Estados Unidos e a União
Europeia estão ajudando a prolongar o conflito. Nós oferecemos inúmeras
possibilidade à Rússia de um acordo de negociação em termos civilizados”, disse
Peter Sano, porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia.
Depois,
em Portugal, Lula tentou corrigir rumos ao enfatizar que o Brasil condena as
ações da Rússia na Ucrânia.
"Nunca
igualei os dois países porque sei o que é invasão e integridade territorial.
Todos nós achamos que a Rússia errou e já condenamos em todas as decisões da
ONU”, disse.
·
Efeito da retratação
Mas,
segundo o professor Christopher Sabatini, especialista em Relações
Internacionais, as declarações anteriores do presidente podem ter minado a
tentativa do Brasil de ter papel ativo nas negociações pela paz entre Rússia e
Ucrânia.
Sabatini
foi professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e é pesquisador
da Chatham House, instituto de políticas públicas em Londres, no Reino Unido.
“Claramente
as falas de Lula em Portugal são uma tentativa de correção de rumos, mas pode
ser tarde demais. Acho que permanece a desconfiança gerada pelas declarações
dele na China”, disse à BBC News Brasil.
“Ele
realmente pode ser um mediador neutro? Onde está a lealdade dele? Ele tende a
uma posição pró-Rússia? Acho que vários governos da Europa Ocidental vão ficar
relutantes em confiar a Lula qualquer tipo de esforço sério de servir como
mediador da paz.”
Já
Zarattini, vice-líder do governo no Congresso, minimizou as consequências
dessas declarações e disse que Lula está reforçando a posição de independência
do Brasil em relação aos Estados Unidos.
“Os
governos do Lula e da Dilma sempre tiveram uma posição de independência. A
gente sempre teve boas relações com os Estados Unidos e com outros países, mas
sempre mantendo uma posição de independência. Então, não é porque o Estados
Unidos têm uma opinião que nós devemos seguir exatamente aquela opinião. Nós temos
uma opinião diferente, nesse caso, em relação a esse conflito”, disse.
Para
Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard e especialista em Relações
Internacionais, apesar do ruído causado pelas falas de Lula sobre
Ucrânia, existe um
desejo das potências ocidentais em reforçar a boa relação histórica
com o Brasil, após tensões durante o governo Bolsonaro.
Na
visão dele, Lula tem a seu favor o fato de ser visto internacionalmente como um
democrata, em contraste com seu antecessor. E também o fato de se dizer
comprometido em proteger a Amazônia, depois dos recordes de desmatamento no
governo anterior.
"Esse
momento de aparente estremecimento é absolutamente superável porque há uma convergência
maior de agenda e complementaridade mais aguda de interesses entre Lula e
Europa e o governo (americano de Joe) Biden”, disse Kalout.
Ø
Lula
diz que governo vai fazer concursos públicos e ter gente 'atrás do balcão'
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu nesta sexta-feira (28) a
realização de concursos públicos pelo governo federal, para reposição de cargos
e suprir carências resultantes da falta de contratação.
Lula
ainda afirmou que é preciso "ter gente atrás do balcão".
Às
vezes, há uma incompreensão, não sei se por má-fé ou não, mas toda vez que a
gente fala em fazer concurso algumas pessoas começam a falar 'começou a
gastança, começou a gastança'. As pessoas não querem compreender que para
melhorar qualquer serviço público, em qualquer país do mundo, você tem que
contratar seres humanos, mulheres e homens para fazer o serviço que somente o
ser humano pode fazer", afirmou o presidente.
"Não
é porque estamos em um mundo desenvolvido, do ponto de vista digital, que a
gente vai prescindir do ser humano. O ser humano precisa do ser humano. A nossa
relação é uma relação química. E nós precisamos de gente atrás do balcão para
cumprimentar, para sorrir para ouvir, para dizer sim, para dizer não",
completou.
O
mandatário participou de cerimônia no Palácio do Planalto, na qual sancionou o
projeto de lei que abre espaço para o reajuste de 9% para servidores públicos
federais. Lula também assinou uma medida provisória determinando esse aumento.
O
presidente saiu em defesa do serviço público, indicando que vai fortalecer com
concursos e também com reajustes para os profissionais
Também
participaram do evento a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos,
Esther Dweck, e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, e
o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.
Após
o evento, Esther Dweck confirmou que vai abrir concurso para 502 vagas para a
Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e que a pasta deve autorizar em
breve seleção para o Ministério do Meio Ambiente.
A
ministra também informou que o valor previsto no orçamento para a realização de
concurso está em torno de R$ 2 bilhões e que a expectativa é anunciar todo o
cronograma até o final de maio. Está sendo estudado o número de 8,5 mil vagas,
embora ainda não esteja fechado
O
texto sancionado por Lula prevê o reajuste de 9% para todos os servidores
públicos federais civis, incluindo aposentados e pensionistas. A lei, na
prática, abre espaço nas contas pública para destinar esses recursos para o
aumento salarial
Lula
também assinou uma medida provisória que determina o reajuste proposto.
A
proposta, que havia sido enviada pelo governo, foi aprovada pelo Congresso
Nacional nesta quarta-feira (26). Com a sanção, Os novos valores já passam a
valer no mês de maio e são acompanhados de mais R$ 200 no vale-alimentação.
O
reajuste será concedido de forma linear a todas as categorias e começa a contar
a partir da folha de pagamento de 1º de maio, sendo pago no vencimento do mês
seguinte. O governo afirma que serão beneficiados diretamente mais de um milhão
de pessoas.
O
custo da medida para os cofres públicos será de R$ 11,2 bilhões, montante já
previsto na LOA (Lei Orçamentária Anual).
Também
presente no evento, o ministro Luiz Marinho criticou a política de juros do
Banco Central. Os ataques à instituição e à taxa básica viraram uma tônica nos
últimos meses, partindo do próprio Lula. O mandatário dessa vez, no entanto,
não abordou o tema.
"Evidente
que tem um entrave colocado nesse momento que é o posicionamento do Banco Central
brasileiro que insiste em achar que ainda não tem os parâmetros técnicos para
poder iniciar uma redução dos juros no país", afirmou Marinho.
"Não
estamos pedindo absolutamente, não é pelo presidente Lula, pelo governo, é pelo
país, é pela geração de empregos e de oportunidades. A redução dos juros seria
uma injeção na veia da retomada dos empregos formais do país, retomada do
crescimento da economia.
Após
o evento, Marinho também disse que o compromisso de Lula mantém o compromisso
de isentar de Imposto de Renda os salários de até R$ 5 mil. Mas, disse que as
próximas faixas de isenção serão discutidas quando as condições fiscal e
econômica permitirem.
Em
fevereiro, quando também anunciou a elevação do mínimo para R$ 1.320, Lula
havia aumentado a faixa de isenção para R$ 2.640.
Fonte:
BBC News BrasilFolhaPress
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