Tereza Cruvinel:
Vitória do Brasil. Derrotado e isolado, só Bolsonaro
São
muitos os vitoriosos da noite de quinta com a aprovação da reforma tributária,
em dois turnos, pela Câmara: Lula, Haddad e o governo; o presidente da Câmara
Arthur Lira; os 375 deputados que votaram a favor (contando apenas os votos no
segundo turno da madrugada); os governadores que se mobilizaram a favor, em
particular o de São Paulo, Tarcísio de Freitas, porque era contra e soube se
reposicionar, mesmo trombando com Bolsonaro; o relator, que trabalhou e
negociou com afinco, Aguinaldo Ribeiro (PP-BA); o deputado Baleia Rossi
(MDB-SP), autor da proposta original de 2019; o secretário especial da Fazenda
para o tema Bernardo Appy, exímio tributarista que foi de extrema dedicação; os
empresários e economistas e todos os que, na sociedade, apoiaram a reforma.
Isolado
e derrotado mesmo ficou apenas Bolsonaro, que foi contra a reforma só para ser
contra Lula, e viu confirmada sua desimportância. Afora o apoio de Tarcísio e
outros governadores, tidos como bolsonaristas, a reforma teve o voto de 20
deputados de seu PL. Seu, nem tanto.
Em
quatro décadas de acompanhamento da atividade política e legislativa, vi muitas
propostas de reforma tributária morrerem na praia. Vi a Constituinte não
conseguir mudar o velho sistema. Lembro-me do esforço de José Serra e Francisco
Dornelles pela simplificação que nunca vinha porque faltava consenso. Lembro-me
da reforma de Palloci, que morreu na praia. E depois também a de Guido Mantega.
Não
foi coisa pouca, ou uma reformazinha. Se o Senado confirmar a votação da
Câmara, teremos uma mudança na economia comparável à que foi trazida pelo Plano
Real e o fim da hiperinflação.
Chegará
ao fim uma era de atraso, com impostos incidentes em cascata, que tornam tudo
mais caro para o consumidor; com impostos em profusão, que oneram e complicam a
vida das empresas; com a falta de transparência sobre o que é cobrado dos
consumidores; com alíquotas que variam de estado para estado permitindo, entre
outros males, a guerra fiscal. A lista dos males é longa.
Resumidamente,
ficaremos assim: em vez de IPI, Pis e Cofins recolhidos pela União, teremos
apenas a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Em vez de ICMS e ISS
cobrados por estados e municípios, teremos apenas o IBS (imposto sobre Bens e
Serviços).
Vale
recordar que essa reforma não trata de imposto de renda. Essa é outra mudança
que precisa ser feita para que tenhamos mais justiça tributária, para que os
ricos paguem mais, para que os dividendos bilionários passem a ser tributados,
para que os assalariados que ganham menos tenham uma tabela justa. Mas cada
batalha tem seu momento.
Calculou
o IPEA que 90% da população pagará menos impostos, com o fim da
"cascata" e a redução em 50% para transportes públicos, serviços
médicos e educacionais, aviação regional, produtos de higiene e insumos agrícolas
(fala-se em redução para agrotóxicos mas isso veremos na regulamentação).
Projeta-se
crescimento adicional de 12% para a economia nos 15 anos seguintes à plena
implementação do novo sistema, e a geração de 12 milhões de empregos, afora
facilidade maior para investimentos, inclusive estrangeiros.
Este
novo sistema só estará plenamente implantado lá por 2030. Logo, o governo Lula
pode até não colher frutos diretos da reforma, mas a mudança de ambiente, a
positividade criada com a aprovação, já será uma grande alavanca a favor do
governo. Todos nós sabemos: o êxito do governo Lula depende da economia. E do
êxito deste governo de normalização depende o futuro da democracia brasileira,
o não retorno da extrema direita.
O
grande mérito de Lula e Haddad foi esse: abraçaram um projeto necessário ao
país, não ao governo. Este legado já é reconhecido, e representa aumento de
capital político do governo.
Da
mesma forma, acho que é preciso reconhecer o papel de Lira, como fez Haddad, e
não reduzir seu empenho à necessidade de se descolar de denúncias recentes.
Antes disso, ele já estava comprometido com a reforma, seja porque as elites às
quais é ligado a desejavam, seja por ter visto nela uma oportunidade de marcar
indelevelmente sua gestão.
Agora
falta o Senado, e será preciso aprovar depois um grande número de leis
regulamentadoras. Entre elas, a que pode instituir o cash back, a devolução, em
dinheiro, de parte dos impostos pagos pelos mais pobres ao comprar qualquer
quilo de feijão. Isso é justiça tributária, assim como a zeragem de impostos
sobre a cesta básica.
Há
dificuldades e batalhas pela frente mas a força que impulsionou a votação de
agora foi tão grande que eve garantir também a vitória do Brasil racional nos
próximos embates.
Bolsonaro foi o grande perdedor. Por Alex
Solnik
Bolsonaro
resolveu colocar à prova sua liderança na direita. E talvez no país. Ou no
planeta. Tentou levantar os deputados do PL contra a reforma tributária.
“Se o partido ficar unido, não aprovam”, propalou,
em reunião, ontem, em Brasília, interrompendo o discurso de seu pupilo,
Tarcísio de Freitas que defendia a reforma.
Também entrou em rota de colisão com seu
ex-aliado Arthur Lira, que fez das tripas coração para aprovar a proposta que
ele tentava demolir. E disse, da tribuna, ter votado no ex-presidente em 2022,
mas que o vencedor foi Lula.
Outro, o ex-ministro Ciro Nogueira, reprovou
Bolsonaro. “O projeto é do país”.
À medida em que a perspectiva de poder de
Bolsonaro se esvai, e as punições se aproximam, os ex-aliados o abandonam. Ou
vice-versa. E o que diz entra por um ouvido e sai pelo outro.
Foi péssimo para ele ter entrado nessa
briga. Perdeu uma ótima oportunidade para ficar calado. O PL não caiu na sua
lábia. Vinte deputados, de 95, acompanharam Lira, Haddad e Lula e a maioria que
deu 382 votos à reforma no primeiro turno e 377 no segundo.
Bolsonaro mostrou, sem que ninguém tivesse
pedido, que não lidera coisa alguma. Nem seu partido, nem a direita. Sem a
caneta é um zero à esquerda. Em vez de unir, divide a direita.
E provou mais uma vez que onde pisa não
nasce grama. É campeão em criar desafetos. Briga com a própria sombra. Suas
alianças têm prazo de validade.
Também demonstrou não estar disposto a
dividir seu eleitorado com algum forasteiro, nem que seja seu pupilo. O que
reforça a impressão de que não vai apoiar ninguém a presidente em 2026, a não
ser sua mulher - se é que em 2026 ele terá o eleitorado de 2022. E alguém vai querer associar seu nome ao dele
depois de todas as punições que certamente vai receber até lá.
Lula ganhou, Lira ganhou, Haddad ganhou. O
Brasil ganhou.
O grande perdedor foi Bolsonaro. E tudo
indica que daqui em diante vai acumular derrota após derrota.
Em seis meses de Governo, Lula faz Brasil
enterrar pauta de ódio e olhar para a frente desnorteando bolsonarismo. Por
Luiz Costa Pinto
Não
foi o placar que tangenciou os 400 votos favoráveis à Reforma Tributária,
levando-a a ser aprovada na Câmara dos Deputados ainda no 1º semestre do ano,
como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, haviam prometido, e começando a promover a maior alteração do capítulo
tributário da Constituição de 1988 desde que a Carta foi promulgada.
Não
foi o ambiente de intensas e produtivas reuniões entre os três poderes da
República, suas lideranças e formadores de opinião, investidores daqui mesmo e
do exterior e instituições regulatórias e fiscalizadoras, criado nos dois
últimos meses, em torno da pauta econômica do Brasil e da reinserção do País
nos pólos de decisão do mundo em torno de transição energética e preservação
ambiental (entre outros).
Não
foi apenas a intersecção dessas duas agendas no âmago das discussões reais e
das prioridades em Brasília e de lá para o resto do território nacional. Não!
A
grande e velha novidade do Brasil nesse primeiro ciclo de seis meses do 3º
mandato de Lula é ver o conjunto desses temas, aliado ao transcurso em plena
normalidade do julgamento que decretou a inelegibilidade do trágico personagem
“Jair Bolsonaro” na Corte eleitoral e ao pleno funcionamento das instituições
democráticas e republicanas - atacadas e vilipendiadas no dia 8 de janeiro de
2023 - reconstruírem tijolo a tijolo seus prédios e seus espíritos e propósitos
assentados no Estado de Direito com a apuração de culpas e a incriminação dos
responsáveis pela Grande Infâmia da tentativa de golpe.
Depois
de vencer o golpismo atroz tentado pelo bolsonarismo, cevado pelo ódio e pelos
recalques dos discursos desconexos do ex-presidente, derrotado nas urnas, e da
choldra de militares, ex-militares, policiais militares e ex-PMs, capangas,
jagunços, milicianos, e até “inocentes” úteis (e inúteis também), o presidente
da República eleito em outubro do ano passado tratou de reorganizar o País
internamente e restaurar os mais marcantes programas sociais e de transferência
de renda que tivemos em pleno funcionamento entre 2003 e 2016. Em paralelo,
soube identificar quais os gargalos legislativos que travavam o crescimento e o
bom ambiente de negócios - reviu-os todos. E voltamos a andar, como Nação,
olhando para a frente aqui dentro e de cabeça erguida lá fora.
Há
muito o que fazer ainda, sobretudo aprovar a Reforma Tributária no Senado e
promulgá-la, de fato, até o fim do ano, e tempo escasso para tantas vitórias.
Porém, o Brasil do Governo Lula abre o calendário do segundo semestre de 2023
como um País com rumo e que sabe onde quer chegar. Acima de tudo, com uma
equipe de comando - o presidente, seu vice Geraldo Alckmin, a liderança da área
econômica personificada em Fernando Haddad (mas, também, necessário destacar o
empenho colaborativo da ministra Simone Tebet, o foco total de ministros como
Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, Flávio Dino, da Justiça e Marina
Silva, do Meio Ambiente) - que tem rumo e não chegou à Esplanada e à Praça dos
Três Poderes por estarem a passeio ou por serem aventureiros. Não. Em seis
meses de Governo, Lula e sua equipe fizeram o Brasil enterrar a pauta de ódio e
olhar para a frente desnorteando o bolsonarismo e o trágico mito deles.
Fonte:
Brasil 247
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