Seria o PL hoje o centro articulador da direita “moderada” no Brasil?
Nos últimos meses, um valoroso espaço midiático
está sendo dado ao Partido Liberal (PL) com uma tônica de que este pode ser o
porta-voz mobilizador da direita nacional, no curto período. A questão se
aprofunda ainda mais quando notamos que há um palco para que este processo
ocorra dentro do ideal de uma direita civilizada, moderada e preocupada com a
pauta nacional, nos moldes de um liberalismo clássico. Alguns dirigentes deste
partido estão sendo convocados a demonstrar como esta organização pode ter esta
face sonhada. O detalhe dessa propaganda é o confronto com a realidade de um
partido que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro, Valdemar Costa Neto e uma
importante bancada pelo Brasil afora.
A imprensa nacional hegemônica, sobretudo a Globo,
o Estadão e a Folha, nesta ordem, parece estar repaginando a terceira via, que
antecedeu os noticiários das eleições de 2022. Notamos novamente boas doses de
entusiasmo editorial e nem tanta precisão na análise
política.
Situando um pouco da história do PL, apresento um
quadro feito por Laís Burgadt, na sua dissertação de mestrado, que fala das
histórias desta sigla e do partido atualmente intitulado Republicanos.
Situando um pouco da história do PL, apresento um
quadro feito por Laís Burgadt, na sua dissertação de mestrado, que fala das
histórias desta sigla e do partido atualmente intitulado Republicanos.
Nota-se, de imediato, certas incongruências
conceituais e ideológicas, como o fato do partido que se reivindica liberal ter
algum grau de proximidade político-semântica com a questão do trabalhismo
nacional.
Desde dezembro de 2022 o programa partidário tem
uma tônica de defesa do conservadorismo de direita, de acordo com documentos em
seu site. Em 2006, o manifesto do partido defendia o combate à desigualdade,
a defesa liberdade econômica etc. Há claramente um modelamento programático
contextualizado com as conjunturas de cada época, a saber, os governos Lula I e
II, e atualmente próxima do bolsonarismo. Nota-se que há bem mais uma
capacidade camaleônica e pragmática do que apegada à coerência
ideológica.
Outras contradições marcam a trajetória política do
PL, o que atesta que é algo novo e associado à conjuntura atual a estratégia de
se projetar como porta-voz da direita liberal e conservadora. Vale a ressalva
de que os partidos brasileiros costumeiramente apresentam contradições latentes
entre os aspectos nominais, o programa e as práticas políticas. Na Nova
República, estas mediações são resolvidas nos processos práticos da política.
Fundamentalmente, o nosso centrão, campo este que o PL vem ocupando, é expert
nessa conduta.
·
Igreja Universal do Reino
de Deus
Ainda citando Burgadt (2021), o ano de 2006 foi
crucial na reorganização entre a igreja – sobretudo a Universal
do Reino de Deus – e o PL, tendo exatamente a figura de
Valdemar Costa Neto como peça-chave de redefinição de rumos partidários. O PL
foi abrigo de alguns dirigentes da IURD, como o bispo Marcelo Crivella.
Posteriormente, a IURD preferiu se reposicionar em um partido no qual tivessem
maior controle. A sigla de destino foi o Republicanos, antes Partido
Republicano Brasileiro (PRB). Alguns remanescentes de igrejas
(evangélicas, em geral) ainda estão no PL, como o pastor e senador Magno Malta.
Desde então, Costa Neto vem desempenhando uma função de liderança-mor do
PL.
Esta mesma instituição já esteve com Lula nos dois
primeiros mandatos, ocupando o papel da vice-presidência com José Alencar. Este
foi um fator que gabaritou Costa Neto para se aproximar de Bolsonaro, que não
tinha um partido até às vésperas do pleito de 2022. Valdemar tinha experiência
de eleição presidencial e governo, e diz que sempre teve um bom diálogo com
Lula, que era mais fácil lidar com
ele do que com Bolsonaro.
O fato atual é que Valdemar conseguiu captar, na
aproximação com Bolsonaro, uma grande oportunidade para se alavancar e está
tendo muito sucesso na empreitada. Como o próprio fala, eles têm muito que
agradecer a Bolsonaro e os dados que apresentarei mostram que na “bola dividida”,
apesar da tentativa de se redesenhar, o pragmatismo do PL tende a falar mais
alto do que uma suposta aderência a um liberalismo, pois não necessariamente
esse viés é condizente com a trajetória e as práticas da legenda.
Não é toda liderança que encontra o espaço com que
Valdemar vem contando: o precioso apoio midiático para redesenhar uma retórica
política. O viés adotado é o de que o seu partido é essencialmente liberal nos
princípios e defensor da direita brasileira, e para isso destaca que eles reivindicam
a liberdade de mercado e o conservadorismo.
Em relação ao atual governo, destaca Valdemar, eles
se posicionarão como oposição, embora estejam dispostos a liberar a bancada no
Congresso Nacional para votar no que for favorável ao país, como no recente
caso da Reforma Tributária, na Câmara, em que dos 99 deputados do PL, 20 foram
favoráveis. Já há indícios agora de que alguns deputados querem se aproximar do
governo Lula, sobretudo os do nordeste. Nessas condições, seguir o modelo do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de ser uma grande federação de
distintos interesses, é mais difícil por vários motivos, dentre eles o fato de
que não é esta a tradição do PL. Abrigando também o bolsonarismo, é muito
difícil congregar tantos interesses sem altas doses de conflito. Ainda
pegando o MDB como exemplo, apesar da alta capacidade adaptativa, o partido só
galgou a presidência através da posse do vice-presidente, pós algum tipo de
impedimento do presidente eleito. O PL nem mesmo neste posto chegou, faltando-lhe
mais acúmulo político.
A votação da Reforma Tributária, na Câmara, impôs
uma provação a Bolsonaro, no sentido de se gabaritar como liderança
articuladora, pois a sua posição de refuta ao texto foi derrotada tanto no
campo da direita, quanto no próprio PL. Por outro lado, ele segue forte como
cabo eleitoral. O movimento de Bolsonaro de articular lideranças sempre foi um
desafio, pois ele subjuga quem se aproxima dele. Sua força atrai e repele a
elite política, ao mesmo tempo. Só frente às massas que o idolatram é que
mantém aderência. Bolsonaro agrega características de uma liderança
autoritária, centralizadora e fascista.
·
Manchetes
No dia 11 de julho do presente ano, Valdemar foi
entrevistado no programa Estúdio I, da Globo News. Muito do que descrevo neste
artigo foi extraído das entrevistas nesse veículo. Nos últimos dois meses, a
aparição dele vem sendo rotineira no canal. No dia 13 de julho, foi a vez de
Carlos Portinho, líder do PL no Senado. O próprio falou que era a primeira vez
dele naquele espaço. Foi possível ver uma repetição da narrativa iniciada por
Costa Neto. Esse tipo de programa tem uma característica de formação de
opinião. Fiz um levantamento das notícias sobre Valdemar nas páginas dos três
principais veículos que mencionei no início do artigo e há evidentemente uma
maior projeção dessa liderança e do partido nos últimos dois meses. Para termos
uma ideia, entre 2005 e 2007, o nome de Valdemar, nas buscas do Google, estava
mais associado ao Mensalão, à prisão e à Polícia Federal. Foi com a filiação de
Bolsonaro que ele ganhou mais destaque nos noticiários, sempre na posição de
defensor do partido.
O tom das manchetes e das entrevistas se repete:
apresentar um programa de direita como alternativa a Lula. A Folha de São Paulo
é o jornal que mais fez um balanço crítico, até agora, em comparação com os
outros veículos. Uma indagação constante é se esse jogo será suficiente para
brecar o ímpeto de Bolsonaro, mas não desprezando o seu capital político.
Valdemar tenta lidar com as contradições, embora seja categórico em dizer que
ninguém segura Bolsonaro, que os votos são dele, apelando constantemente para o
carisma do ex-presidente.
Nesse cenário, está sendo então ventilado qual será
o nome da direita a concorrer em 2026. Tarcísio de Freitas é sistematicamente
cogitado. Embora este componha o partido Republicanos, Valdemar é convocado
corriqueiramente a falar sobre Tarcísio. Um dado chama atenção sobre este
cenário, em São Paulo: no primeiro turno, mais de 520 mil votos para governador
foram depositados no número 22 (número do PL) e não no 10, do
Republicanos.
Com o amplo espaço de projeção pública e propaganda
indireta dado a Valdemar, ele tem se portado como um intelectual da direita,
fato não costumeiro com alguém de origem do centrão. Dialeticamente, ele tenta
explicar o que é ser centrão e de direita, ser de oposição e votar com o
governo. Tudo isso sem supostamente se apresentar como um
extremista-bolsonarista. Recentemente, Costa Neto proferiu uma frase
notória, afirmando que de
extrema-direita era Hitler e assim tentando se
distanciar desse campo.
Tratando um pouco mais da recente força da sigla,
apresento alguns números: elegeu dois governadores, no Rio de Janeiro e Santa
Catarina. No Senado, conquistou onze vagas. No RJ, por exemplo, os três
senadores são do PL. Outros estados que o PL tem senadores são ES, GO, RN, MT,
RO, SP e TO. Foram eleitos mais de 340 prefeitos e mais de 3.400 vereadores da
sigla, mas nenhum em capitais. Seus deputados estaduais estão em todas as
regiões do Brasil, em quase todos os estados, menos PI e AC. São 252 no
total, sendo a maioria de pessoas brancas, homens, vários são capitães,
delegados, cabos, sargentos, majores, coronéis, tenentes. Poucos pastores,
sendo de destaque o irmão de Silas Malafaia, Samuel Malafaia. São 9 prefeitos
no RJ, 28 em SC e 40 em SP.
Este dado de SP chama atenção e contrasta com uma
afirmação de Costa Neto, na Globo News, em que ele apontou que Tarcísio não
entrou na sigla, em 2022, pois eles não tinham estrutura partidária suficiente
para fazer campanha de governador no estado, bancando paralelamente a
candidatura da tentativa de reeleição de Bolsonaro. Tal argumento me parece
controverso diante da quantidade de prefeituras ganhas em 2020. Rumores
apontam, no entanto que há tensões entre Tarcísio, Valdemar e o PL desde o
governo Dilma, quando Tarcísio foi diretor-geral do Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit). É nebuloso
também se Tarcísio segue no Republicanos.
O Valor publicou uma matéria, em 13 de julho,
descrevendo que Bolsonaro, no PL, está sendo um ótimo negócio para a sigla, que
saltou de 5,5% dos fundos partidário e eleitoral para 16,1 % do fundo
partidário e 17,8% do fundo eleitoral. Em resumo, de 2023 a 2026, o aumento da
receita bolsonarista para o PL é em torno de R$ 1,7 bilhão.
Nas eleições de 2024, há expectativa do PL de
eleger algo em torno de mil prefeitos. Em 2026, o objetivo é ampliar ainda
mais sua
bancada de deputados.
Fechando esta análise, o PL tem todos os motivos
para agradecer a Bolsonaro e ao bolsonarismo, de fato. A sigla se diferencia do Partido Social Liberal (PSL), que
elegeu Bolsonaro, em 2018, pela melhor capacidade política, pela maior
experiência. Deve seguir usando Bolsonaro no que convém, tentando mantê-lo
“fraco” politicamente, ao mesmo tempo que servirá de cabo eleitoral, mas com
isso terá dificuldade para se equilibrar no discurso da direita moderada. Da
mesma forma, será difícil barrar o ímpeto autoritário de Bolsonaro, visto que a
história moderna recente comprova que lideranças fascistas nunca são
controladas plenamente enquanto tiverem algum grau de força. Os desdobramentos
no Judiciário podem complicar mais a vida e a visibilidade de Bolsonaro. Por
enquanto, ele ainda tem força política considerável, mais ampla do que o
partido PL em si.
Pelo que já se constata, para uma gama importante
de eleitores brasileiros, o discurso de uma direita moderada não faz tanta
diferença no momento de decisão eleitoral, e o percentual de popularidade de
Bolsonaro, aliado a sua votação em 2022, no segundo turno, ajudam a fundamentar
tal tese.
Até 2026, o cenário dado é que Bolsonaro seguirá
inelegível, o que reorienta as frações de classe da direita para apoiar alguma
candidatura de oposição a Lula. Logo, daí deve sair realmente o epicentro. A
expertise para ser pragmático no que convém, o partido e Valdemar Costa Neto
têm de sobra para continuar ganhando com Bolsonaro. Mantê-lo vivo é um
prolongamento do impulso do PL e, desta forma, construir um discurso moderado
que se sustente é bastante difícil. Costa Neto fala muito no nome de Michele
Bolsonaro como alternativa, e ainda há que se verificar isso. Bolsonaro, por
sua vez, também tem certa dependência econômica do partido, pois recebe salário
da sigla. Diante da recente capacidade de dragagem política da extrema-direita
brasileira, deve girar mesmo em torno do PL e do bolsonarismo a capacidade de
pautar a candidatura de oposição a Lula. Há que se conferir a dose do
extremismo.
Fonte: Por Rafael Bastos Costa de Oliveira, no Le
Monde
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