Ronaldo Bicalho:
Eletrobras - como se constrói uma picaretagem
Alguns
sites financeiros (*) anunciaram a possibilidade de uma trégua entre o Governo
e a Eletrobras a partir da antecipação de pagamentos à Conta de Desenvolvimento
Energético (CDE). Pagamentos esses relativos à contrapartida do aumento da
tarifa de energia elétrica que virá da mudança do regime de comercialização de
cotas para preço de mercado advinda da privatização da empresa.
Esse
aumento de tarifa sempre esteve claro durante todo o processo de privatização.
O regime de cotas garantia a existência de uma energia barata fruto da
consideração de que uma parte das usinas da Eletrobras já tinha sido amortizada
completamente, portanto, inteiramente paga, e não havia necessidade de seguir
incorporando à tarifa dessas usinas uma remuneração ao capital nelas investido.
Face a isto, a tarifa deveria cobrir apenas os custos de operação e manutenção.
Essa energia barata era destinada às distribuidoras e, ao fim e ao cabo, aos
consumidores residenciais, que constituem a maioria esmagadora das unidades de
consumo do país.
No
processo de privatização, o contrato que garantia o acesso dos consumidores
residenciais a essa energia mais barata pelos próximos trinta anos foi rasgado
e mudou-se o regime de comercialização da empresa, de tal forma a permitir que
ela passasse a cobrar o preço de mercado pela energia antes cotizada.
Para
reduzir o impacto do aumento da tarifa esperado, definido e precificado ficou
determinado que a Eletrobras ao longo dos próximos 25 anos irá depositar 32
bilhões de reais na Conta de Desenvolvimento Energético.
A
CDE cobre uma série de gastos que vão da conta de consumo de combustíveis (que
subsidia o gasto de combustível para geração de eletricidade em regiões
isoladas) à tarifa social, passando pelos subsídios às fontes renováveis. Quem
sustenta essa conta são os consumidores de todo o país e o aporte da Eletrobras
a essa conta reduziria, de forma correspondente, a parcela paga pelos
consumidores e, portanto, a tarifa desses consumidores.
Pelo
cronograma decidido no processo de privatização, a descotização começa agora em
2023 a um ritmo de 20% ano, de tal forma que a partir de 2027 a Eletrobras
poderá vender toda a sua antiga energia cotizada pelo preço de mercado.
Dito
isso, a primeira questão que se deve ter em mente quando se discute a
possibilidade de antecipação desses recursos associados à descotização é que
eles estão relacionados à tentativa de amenizar um aumento de tarifas que virá
inevitavelmente do próprio processo de descotização. Em consequência, a própria
existência desses recursos está ligada a esses aumentos futuros e foram
concebidos para fazer face a esses aumentos futuros.
Independentemente
de que esses recursos são capazes, ou não, de atenuar o impacto do aumento das
tarifas gerado pela descotização, é para isso que eles foram criados.
Usar
esses recursos para fazer face a pressões de custos, passadas e presentes, que
nada tem a ver com as pressões futuras reais associadas à descotização é
simplesmente despir um santo para cobrir um outro. É simplesmente pegar o
dinheiro destinado a pagar a mensalidade da escola das crianças e gastar no
supermercado. E o pior é achar que está tudo bem e que depois a gente
resolve.
O
governo Bolsonoro fez exatamente isso ano passado quando antecipou cinco
bilhões de Reais, dos 32 bilhões, à CDE, para reduzir as tarifas em ano
eleitoral.
Essa
proposta de antecipação engana o consumidor, dando a ele com uma mão aquilo que
já está previsto que será retirado dele com a outra. Portanto, trata-se de uma falta
de respeito com esse consumidor, já achacado por tarifas cada vez mais
elevadas.
Associar,
então, essa antecipação à desistência do Governo à luta contra uma privatização
espúria é um despropósito nascido da ignorância ou da má fé de determinados personagens
que arrastam as suas correntes no cenário tenebroso do setor elétrico
brasileiro atual.
Se
querem realmente discutir à vera, vamos colocar na roda a própria descotização.
Vamos, de fato, respeitar os contratos. Façamos o seguinte, a Eletrobras pode
ficar com os seus 32 bilhões em troca de não rolar a descotização. Essas
tristes figuras ficam com os seus bilhões e o polvo brasileiro fica com a
energia barata.
O
resto é picaretagem.
Ø
Eletrobras,
Cemig e Copel nas mãos da 3G, por Luís Nassif
Provavelmente
é mais um balão de ensaio, a ideia de que o governo abriria mão da
reestatização da Eletrobras em troca de um adiantamento na conta que permite
redução de tarifas.
Essa
cortina de fumaça é para ocultar o mais grave golpe contra a economia brasileira,
mais grave que o golpe nas vendas das refinarias. Está a caminho uma jogada
audaciosa para agregar à Eletrobras, a Cemig e a Copel. Seria um poder absoluto
na geração e na transmissão nas mãos de um dos grupos econômicos mais
inescrupulosos do país.
Tarifas
são apenas um dos subprodutos do golpe da privatização. O primeiro problema
sério é o grau de concentração que ficará nas mãos do grupo Jorge Paulo Lemann.
O
caso Americanas, e o estudo do caso Ambev, revelou de forma clara os princípios
que regem o modelo Lemann – copiados de Jack Welch o executivo responsável pelo
desmonte da mais simbólica multinacional americana, a General Eletric.
A
lógica do crescimento saudável de uma empresa é o investimento permanente em
inovação, melhoria dos recursos humanos e fortalecimento da rede de
fornecedores.
Há
dois valores de uma empresa de capital aberto: o valor intrínseco e o valor de
mercado. O valor intrínseco leva em conta a perpetuidade da empresa, as
estimativas de crescimento do faturamento e do lucro, os novos investimentos,
os avanços em inovação.
Já
o valor de mercado considera especificamente sua capacidade de gerar dividendos
no curto prazo.
Qual
é o estilo Welch, que soterrou a GE, comprometeu o próprio capitalismo
americano e, imitado por Lemann, soterrou as Americanas? É o saque continuado
sobre a empresa. Se não investe em inovação, em manutenção, está comprometendo
seu futuro em favor de um aumento imediato dos dividendos. Ou seja, perdem os
fornecedores, os empregados, o país, em favor unicamente dos rentistas.
O
caso é muito mais grave quando se analisa o valor estratégico dessas empresas –
Eletrobras, Copel e Cemig – para a economia brasileira e para o próprio setor
elétrico.
O
modelo elétrico brasileiro é constituído da energia contratada (contratos de
longo prazo com as distribuidoras) e o mercado livre, no qual grandes empresas
negociam com comercializadores de energia.
A
energia contratada, fornecida pelas distribuidoras, é para os pequenos
consumidores e para as residências. O mercado livre é para as comercializadoras
e para as grandes empresas. A privatização jogará a energia contratada ao mar,
penalizando pequenos produtores e residências. Há uma cegueira generalizada das
grandes empresas, que acreditam que, com o mercado livre, se livrarão desse
peso.
O
mercado livre é instável. Uma seca, ou excesso de chuvas, pode alterar
radicalmente as cotações. O que garante o equilíbrio do setor é a geração das
grandes estatais e dos reservatórios de sua propriedade. O que acontecerá na
primeira crise hídrica, com todo esse potencial nas mãos do maior especulador
da história moderna do país?
Bastará
segurar a vazão dos reservatórios, ou reduzir a oferta de energia, para
manipular o mercado à vontade.
Mais
que isso. Como sua estratégia é de abandonar investimentos e manutenção,
gradativamente a Eletrobras, empresa chave para a economia brasileira, será
depreciada até o momento em que se transforme em uma nova Americanas.
Parem
com isso! Dessa loucura não passarão imunes a indústria automobilísticas, a de
máquinas e equipamentos, a indústria têxtil, as grandes redes nacionais. É
ilusão. Basta analisar o tratamento da 3G aos fornecedores das Americanas e da
Ambev para se ter uma ideia do seu senso de responsabilidade.
Fonte:
Jornal GGN
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