domingo, 9 de julho de 2023

Ronaldo Bicalho: Eletrobras - como se constrói uma picaretagem

Alguns sites financeiros (*) anunciaram a possibilidade de uma trégua entre o Governo e a Eletrobras a partir da antecipação de pagamentos à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Pagamentos esses relativos à contrapartida do aumento da tarifa de energia elétrica que virá da mudança do regime de comercialização de cotas para preço de mercado advinda da privatização da empresa. 

Esse aumento de tarifa sempre esteve claro durante todo o processo de privatização. O regime de cotas garantia a existência de uma energia barata fruto da consideração de que uma parte das usinas da Eletrobras já tinha sido amortizada completamente, portanto, inteiramente paga, e não havia necessidade de seguir incorporando à tarifa dessas usinas uma remuneração ao capital nelas investido. Face a isto, a tarifa deveria cobrir apenas os custos de operação e manutenção. Essa energia barata era destinada às distribuidoras e, ao fim e ao cabo, aos consumidores residenciais, que constituem a maioria esmagadora das unidades de consumo do país. 

No processo de privatização, o contrato que garantia o acesso dos consumidores residenciais a essa energia mais barata pelos próximos trinta anos foi rasgado e mudou-se o regime de comercialização da empresa, de tal forma a permitir que ela passasse a cobrar o preço de mercado pela energia antes cotizada. 

Para reduzir o impacto do aumento da tarifa esperado, definido e precificado ficou determinado que a Eletrobras ao longo dos próximos 25 anos irá depositar 32 bilhões de reais na Conta de Desenvolvimento Energético. 

A CDE cobre uma série de gastos que vão da conta de consumo de combustíveis (que subsidia o gasto de combustível para geração de eletricidade em regiões isoladas) à tarifa social, passando pelos subsídios às fontes renováveis. Quem sustenta essa conta são os consumidores de todo o país e o aporte da Eletrobras a essa conta reduziria, de forma correspondente, a parcela paga pelos consumidores e, portanto, a tarifa desses consumidores. 

Pelo cronograma decidido no processo de privatização, a descotização começa agora em 2023 a um ritmo de 20% ano, de tal forma que a partir de 2027 a Eletrobras poderá vender toda a sua antiga energia cotizada pelo preço de mercado. 

Dito isso, a primeira questão que se deve ter em mente quando se discute a possibilidade de antecipação desses recursos associados à descotização é que eles estão relacionados à tentativa de amenizar um aumento de tarifas que virá inevitavelmente do próprio processo de descotização. Em consequência, a própria existência desses recursos está ligada a esses aumentos futuros e foram concebidos para fazer face a esses aumentos futuros. 

Independentemente de que esses recursos são capazes, ou não, de atenuar o impacto do aumento das tarifas gerado pela descotização, é para isso que eles foram criados. 

Usar esses recursos para fazer face a pressões de custos, passadas e presentes, que nada tem a ver com as pressões futuras reais associadas à descotização é simplesmente despir um santo para cobrir um outro. É simplesmente pegar o dinheiro destinado a pagar a mensalidade da escola das crianças e gastar no supermercado. E o pior é achar que está tudo bem e que depois a gente resolve. 

O governo Bolsonoro fez exatamente isso ano passado quando antecipou cinco bilhões de Reais, dos 32 bilhões, à CDE, para reduzir as tarifas em ano eleitoral. 

Essa proposta de antecipação engana o consumidor, dando a ele com uma mão aquilo que já está previsto que será retirado dele com a outra. Portanto, trata-se de uma falta de respeito com esse consumidor, já achacado por tarifas cada vez mais elevadas. 

Associar, então, essa antecipação à desistência do Governo à luta contra uma privatização espúria é um despropósito nascido da ignorância ou da má fé de determinados personagens que arrastam as suas correntes no cenário tenebroso do setor elétrico brasileiro atual. 

Se querem realmente discutir à vera, vamos colocar na roda a própria descotização. Vamos, de fato, respeitar os contratos. Façamos o seguinte, a Eletrobras pode ficar com os seus 32 bilhões em troca de não rolar a descotização. Essas tristes figuras ficam com os seus bilhões e o polvo brasileiro fica com a energia barata. 

O resto é picaretagem.

 

Ø  Eletrobras, Cemig e Copel nas mãos da 3G, por Luís Nassif

 

Provavelmente é mais um balão de ensaio, a ideia de que o governo abriria mão da reestatização da Eletrobras em troca de um adiantamento na conta que permite redução de tarifas.

Essa cortina de fumaça é para ocultar o mais grave golpe contra a economia brasileira, mais grave que o golpe nas vendas das refinarias. Está a caminho uma jogada audaciosa para agregar à Eletrobras, a Cemig e a Copel. Seria um poder absoluto na geração e na transmissão nas mãos de um dos grupos econômicos mais inescrupulosos do país.

Tarifas são apenas um dos subprodutos do golpe da privatização. O primeiro problema sério é o grau de concentração que ficará nas mãos do grupo Jorge Paulo Lemann.

O caso Americanas, e o estudo do caso Ambev, revelou de forma clara os princípios que regem o modelo Lemann – copiados de Jack Welch o executivo responsável pelo desmonte da mais simbólica multinacional americana, a General Eletric.

A lógica do crescimento saudável de uma empresa é o investimento permanente em inovação, melhoria dos recursos humanos e fortalecimento da rede de fornecedores.

Há dois valores de uma empresa de capital aberto: o valor intrínseco e o valor de mercado. O valor intrínseco leva em conta a perpetuidade da empresa, as estimativas de crescimento do faturamento e do lucro, os novos investimentos, os avanços em inovação.

Já o valor de mercado considera especificamente sua capacidade de gerar dividendos no curto prazo.

Qual é o estilo Welch, que soterrou a GE, comprometeu o próprio capitalismo americano e, imitado por Lemann, soterrou as Americanas? É o saque continuado sobre a empresa. Se não investe em inovação, em manutenção, está comprometendo seu futuro em favor de um aumento imediato dos dividendos. Ou seja, perdem os fornecedores, os empregados, o país, em favor unicamente dos rentistas.

O caso é muito mais grave quando se analisa o valor estratégico dessas empresas – Eletrobras, Copel e Cemig – para a economia brasileira e para o próprio setor elétrico.

O modelo elétrico brasileiro é constituído da energia contratada (contratos de longo prazo com as distribuidoras) e o mercado livre, no qual grandes empresas negociam com comercializadores de energia.

A energia contratada, fornecida pelas distribuidoras, é para os pequenos consumidores e para as residências. O mercado livre é para as comercializadoras e para as grandes empresas. A privatização jogará a energia contratada ao mar, penalizando pequenos produtores e residências. Há uma cegueira generalizada das grandes empresas, que acreditam que, com o mercado livre, se livrarão desse peso.

O mercado livre é instável. Uma seca, ou excesso de chuvas, pode alterar radicalmente as cotações. O que garante o equilíbrio do setor é a geração das grandes estatais e dos reservatórios de sua propriedade. O que acontecerá na primeira crise hídrica, com todo esse potencial nas mãos do maior especulador da história moderna do país?

Bastará segurar a vazão dos reservatórios, ou reduzir a oferta de energia, para manipular o mercado à vontade.

Mais que isso. Como sua estratégia é de abandonar investimentos e manutenção, gradativamente a Eletrobras, empresa chave para a economia brasileira, será depreciada até o momento em que se transforme em uma nova Americanas.

Parem com isso! Dessa loucura não passarão imunes a indústria automobilísticas, a de máquinas e equipamentos, a indústria têxtil, as grandes redes nacionais. É ilusão. Basta analisar o tratamento da 3G aos fornecedores das Americanas e da Ambev para se ter uma ideia do seu senso de responsabilidade.

 

Fonte: Jornal GGN

 

Nenhum comentário: