Reforma Tributária:
primeiro passo para reduzir a desigualdade social no país
A
aprovação da PEC 45/19, que moderniza a estrutura de impostos do país, é o
primeiro passo para se criar a justiça tributária, que pretende desencadear, em
um segundo momento, um projeto para reduzir a desigualdade no Brasil.
O
próprio Lula admitiu, em entrevista horas antes da aprovação no Congresso, que
a reforma tributária foi a "possível'. Não a que ele próprio e o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, almejavam.
"Certamente
não é o texto perfeito que quer o Haddad. E certamente não é o texto que quer a
Câmara. É um texto que vai ser possível construir, porque uma reforma
tributária envolve 203 milhões de interesses. Quando todo mundo fala em reforma
tributária, todo mundo fala em diminuir a carga tributária. Todo mundo fala na
criação do IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. O que acontece é que quando você
coloca o papel na mesa aparecem 203 milhões de ideias e aí você tem que ter
habilidade, conversar, discutir para construir um texto. A ideia é dar ao
Brasil, da mesma forma que a gente possa tentar diminuir a carga tributária,
uma política tributária tão séria que diminua a sonegação. Isso significa que,
mesmo a pessoa pagando menos, mas muito mais gente pagando, o Estado vai
arrecadar mais. É com essa ideia fixa que trabalhamos", afirmou.
Em
entrevista ao Fórum Café, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre
Padilha, afirmou que a conquista exigiu muito diálogo, que será ainda mais
necessário para dar um segundo passo, quando o governo federal pretende pautar
temas delicados diante de um Congresso extremamente elitista, como a taxação
das grandes fortunas e a promessa de campanha de Lula de "colocar os ricos
no imposto de renda".
"O
primeiro passo da reforma tem a ver com os impostos dos bens de consumo, a
simplificação desses impostos vai ser muito importante para melhorar
investimentos, aumentar a geração de emprego, de renda, ser mais justo nos
impostos cobrados. E depois vamos preparar o segundo passo da reforma, que é em
função do imposto de renda, do patrimônio, para que a gente tenha mais justiça
tributária", disse o ministro, que comemorou a reconstrução do ambiente
econômico e institucional do país.
• Uma reforma possível
Aprovada
na Câmara como vitória do governo Lula, a PEC 45/19 foi elaborada a partir da
proposta feita pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que já tramitava na Câmara.
Agora o projeto vai ao Senado, onde Haddad prevê que deve ser aprovado sem
muitas dificuldades.
A
PEC visa promover a modernização do sistema tributário brasileiro, um dos mais
atrasados do mundo, e a fase de transição, com a unificação de cinco tributos
para criação do chamado IVA, o Imposto sobre Valor Agregado, deve ser concluída
apenas em 2033.
O
IVA – taxação presente em 174 países – vai absorver o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Operações
relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços (ICMS) e o
Imposto Sobre Serviços (ISS).
Os
três primeiros são tributos federais e resultarão em um imposto de valor
agregado, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O ICMS é estadual e o
ISS, municipal, resultando em outro IVA, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Além
de unificar tributos, os IVAs têm um mecanismo que faz com que a cobrança não
seja cumulativa ao longo da cadeia de produção. As empresas poderiam recolher o
imposto com um “desconto” do valor que já foi pago anteriormente ao longo da
produção. Ou seja, o IVA evita a chamada bitributação, que é o pagamento de
tributo sobre tributo.
O
início da fase de transição será em 2026, quando o CBS terá alíquota de 0,9% e
o IBS será de 0,1%.
Em
2027, PIS e Cofins serão extintos, e a alíquota do IPI será reduzida a zero. A
cada ano, a alíquota em vigor do ICMS e do ISS será reduzida em 1/10. O término
da transição será em 2032. A partir do ano posterior, serão cobrados apenas os
IVAs.
• Conselho Federativo
A
PEC ainda prevê a criação do Conselho Federativo, que será responsável por centralizar a
arrecadação do futuro IVA estadual e municipal.
O
órgão vai contar com 27 representantes de cada um dos estados e do Distrito
Federal, 14 representantes que serão eleitos, com voto em peso igual, pelos
municípios, e 13 representantes que serão eleitos, com peso do voto ponderado
pelo número de habitantes, pelos municípios.
• Pontos negociados
Além
da isenção dos produtos da cesta básica nacional, as negociações na Câmara
resultaram em diversas emendas ao projeto original, entre elas a que cria o
“cashback”, mecanismo que prevê a devolução de impostos para um público
determinado, como a população de baixa renda.
Além
disso, diversos setores conseguiram a redução de desconto do IBS (IVA estadual
e municipal) e do CBS (IVA federal). Foram incluídas atividades como eventos
artísticos e culturais, serviços de educação, medicamentos e dispositivos
médicos, além de produtos agropecuários.
Já
outros produtos e serviços terão a isenção de impostos, como medicamentos
contra o câncer, produtos hortícolas, frutas e ovos e dispositivos médicos e de
acessibilidade para pessoas com deficiência. A lei ainda permitirá ainda a
redução de 100% da alíquota do CBS incidente sobre serviços de educação de
ensino superior (Prouni).
• Imposto do "pecado" e
tributação de jatinhos
Para
compensação das isenções e descontos nos setores beneficiados, a proposta prevê
a cobrança do chamado "imposto do pecado", de competência federal,
sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros e
bebidas alcoólicas.
Além
disso, uma antiga bandeira progressista, capitaneada em grande parte por
Guilherme Boulos (PSOL-SP), passará a valer: a cobrança de IPVA para jatinhos,
iates e lanchas.
A
proposta ainda busca fechar o cerco contra sonegadores que recebem heranças ou
doações de famílias, que hoje buscam locais com tributações menores para
processar o inventário. A nova legislação prevê que a cobrança será feita no domicílio da pessoa
falecida.
Aplaudido por 100% dos empresários,
acordo tributário tem uma dívida com 79% dos brasileiros pobres. Por Paulo
Moreira Leite
A
votação da Câmara de Deputados sobre a reforma tributária não foi numa decisão definitiva
sobre o assunto -- e este fato é muito oportuno.
O
fato de o Senado ter o direito de refazer, em data a ser ainda definida, os
debates sobre um tema com graves implicações sobre o futuro de brasileiros e
brasileiras, em particular aquela camada nos degraus inferiores da pirâmide de
renda, oferece uma nova oportunidade para uma discussão aprofundada, quando
todas as cartas poderão ser colocadas à mesa.
Produto
dos movimentos de um governo recém instalado no Planalto após um massacre de
seis anos iniciado pelo golpe de 2016, seguido por quatro anos de pré-ditadura
bolsonarista, o pacto entre governo Lula, o presidente da Câmara Artur Lira e a
ampla bancada de direita foi celebrado pelos porta-vozes do pensamento
conservador, como o Estadão, que aplaudiu a recuperação de um sistema
"liberal" de cobrança de impostos.
O
debate muda de figura, porém, quando se fala das disputas do futuro próximo,
que terão impacto nos humores do eleitorado nas eleições municipais, em outubro
de 2024, e nas eleições nacionais, em 2026, que envolve a escolha de
governadores, senadores e deputados, além da questão fundamental, a reeleição
de Lula.
Não
custa repetir: o acordo na Câmara contém avanços importantes que merecem
aplausos demorados -- a começar pela decisão que elimina a cobrança de impostos
da cesta básica, medida de valor histórico. Mas não se avançou no enfrentamento
necessário de estruturas que fazem da desigualdade brasileiras uma das mais
vergonhosas do planeta e essas questões irão ganhar relevancia daqui para a
frente, quando a população olhar para o Planalto em busca de uma resposta para
suas dores e sofrimentos.
Dados
indicados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, que há 30
anos se debruça sobre o assunto, ensinam que os responsáveis por dois terços
das receitas do Estado brasileiro, em todos os níveis, são cidadãos que
recebem, no máximo, 3 salários minimos por mês. São pessoas que respondem por
79% da população, mas tem acesso a apenas 53% do orçamento, segundo o IBDPT.
Só
para se ter uma idéia, a camada superior da pirâmide responte por 0,8% da
população e embolsa 7,3% -- fatia 9 vezes superior a seu peso na população.
Essa
é a herança social que o país terá de enfrentar em futuro próximo, situação que
exige muita responsabilidade e prudência com o bolso daqueles que representam
79% da população.
Como
ensinam os estudiosos mais preparados, o sistema tributário não é uma peça
qualquer da vida em sociedade, mas a expressão acabada da luta de classes.
Alguma
dúvida?
Cashback: saiba se vale a pena e como
funciona a modalidade prevista na reforma tributária
Diante
dos novos hábitos de compras e da necessidade de estimular o consumo, os
comerciantes foram obrigados a inovar para se destacarem no mercado de varejo.
Lojas online têm oferecido há algum tempo para clientes cashback, que permite
ter de volta uma parte do dinheiro investido em uma compra.
Nesta
modalidade, os clientes acumulam uma espécie de crédito a partir da compra de
alguns produtos e, posteriormente, têm esse dinheiro de volta – seja na conta
ou como crédito para compra de outros produtos.
A
ferramenta de recompensa também foi incluída na PEC da reforma tributária,
aprovada pela Câmara na última semana.
As faixas da população que serão beneficiadas e o funcionamento do
mecanismo vão ser definidos por uma lei complementar futura.
No
mercado de varejo, o cashback é utilizado para atrair novos clientes e
incentivar o consumo. Para especialistas ouvidos pelo Terra, a utilização da
modalidade pode ser boa tanto para lojistas quanto para clientes.
Para
William Santos, diretor comercial da VarejOnline, empresa especializada em
tecnologia para gestão de lojas, franquias e pontos de venda (PDV), no caso dos
lojistas o programa de cashback ajuda a atrair novos clientes, incentivar a
fidelização dos clientes e aumentar a visibilidade e o ticket médio das vendas.
“Quando
os clientes sabem que receberão uma porcentagem de volta, eles tendem a gastar
mais, buscando aproveitar ao máximo o benefício. Isso resulta em um aumento do
valor médio gasto por compra, impulsionando o faturamento da loja”, explica
William Santos.
Dos
clientes que recebem cashback, entre 20 e 40% retornam para a loja em até 18
dias, e o lojista pode ter um faturamento de pelo menos 10% a mais em até 3
meses. “No final de tudo, o consumidor realiza novas compras na loja por um
custo menor devido ao retorno do cashback, e o lojista consegue aumentar as
vendas e ainda fidelizar o cliente”, acrescentou o diretor comercial.
• Cliente
Para
Renata Abalém, advogada e diretora Jurídica do Instituto de Defesa do
Consumidor e do Contribuinte (IDC), embora receber uma parte do dinheiro de
volta seja uma forma lucrativa de adquirir um produto, o consumidor deve
avaliar as vantagens dessa benesse.
Hoje
o mercado permite utilizar o cashback de três formas:
• De forma livre: permite você sacar,
transferir, crédito na fatura, dentre outros;
• De forma social: a empresa informa qual
instituição em prol de causas sociais que receberá a quantia;
• De forma exclusiva: condiciona o cliente
o dever de usar de forma definida pela empresa.
“O
consumidor deve verificar se realmente está obtendo vantagem nesta compra ou se
está vinculando-o à compra de outros produtos. Se condiciona o consumidor a
comprar apenas naquela rede, e o consumidor não consome muito aquele
determinado produto, talvez não traga benesse”, disse a especialista.
Reforma Tributária: uma opção pelo
caminho do meio. Por Molton Alves
O
governo do presidente Lula obteve, na última quinta-feira (8), uma inegável
vitória política, com a aprovação da PEC – Proposta de Emenda à Constituição –
da Reforma Tributária, que recebeu o voto favorável de 382 deputados, 118 votos
contrários e 3 abstenções, concluindo o primeiro semestre do mandato de Lula
com um saldo positivo na avaliação do campo governista.
Para
além do aspecto político da votação, a PEC aprovada agora segue para votação no
Senado, é preciso avaliar o alcance e os limites da proposta aprovada. A
decisão do governo foi fatiar o projeto de Reforma Tributária, escalonando o
processo. Ou seja, uma opção etapista, que carrega riscos e joga para frente o
embate com os muitos ricos e os setores contrários a qualquer tipo de mudança
em seus privilégios.
Portanto,
mais uma vez, a aposta governista é esperar uma mudança na correlação de
forças, uma lei implacável da ciência política, e, também, uma justificativa,
muitas vezes, para congelar uma determinada situação ou de adiar um
enfrentamento inevitável. Até porque a correlação de forças é um processo que
exige a intervenção direta da vontade e da disposição de luta das forças
políticas. Nem sempre a aplicação prática da correlação de forças escapa dos
desvios do fatalismo ou do voluntarismo — ambos desastrosos e contraproducentes
para a execução de qualquer ação ou estratégia política.
Dito
isso, não existe uma Reforma Tributária em que é possível que todos saiam
ganhando. Logo, é necessário qualificar quem ganha e quem perde. No sistema
tributário vigente no país, são os pobres que carregam nas costas o fardo dos
impostos. Simplificando: os mais pobres pagam mais impostos, seus ganhos são
consumidos, basicamente, na compra de alimentos e de insumos básicos para a
sobrevivência — são taxados, na prática, de forma compulsória.
Enquanto
isso, os mais ricos e os setores médios mais abastados pagam menos impostos e
as rendas e os patrimônios desses segmentos privilegiados são protegidos pelo
atual sistema tributário — um dos mais regressivos do mundo.
• PEC 45 e a luta por uma reforma
tributária progressiva e mais justa
A
luta das forças de esquerda e populares por uma reforma tributária progressiva
é uma exigência do processo de enfrentamento da brutal concentração de renda e
riqueza no Brasil
A
proposta de PEC aprovada nesta semana apresenta alguns elementos positivos, como
uma maior racionalidade na cobrança dos diversos impostos, que atravessam os
entes federativos: municípios, estados e união. A simplificação, sem dúvida, é
positiva. Além disso, a decisão de regulamentar uma cesta básica nacional de
alimentos, isenta de impostos, é um avanço. Mas ainda é preciso a definição dos
critérios da composição dos produtos da cesta básica.
A
cobrança de IPVA de iates e jatinhos é o fim de um escândalo e as medidas que
dificultam a guerra fiscal entre os Estados também são positivas. A proposta de
adoção de um Imposto de Valor Agregado (IVA) visa substituir os cinco impostos
atuais: três federais – IPI, PIS e Cofins; um estadual – ICMS e um municipal –
ISS. O futuro imposto de valor agregado vai ser implementado após um período de
transição de sete anos, que vai dividir a arrecadação entre os três entes
federativos.
As
bancadas de parlamentares que integram os partidos da velha direita neoliberal
e da extrema direita operaram para garantir privilégios tributários para
empresas que atuam na esfera da saúde privada e para o setor do agronegócio.
A
PEC 45 não adotou nenhum mecanismo de maior cobrança de impostos para a compra
de armamento individual, dos agrotóxicos e do consumo de itens de luxo, são
lacunas importantes que merecem comparecer na tramitação da proposta no Senado.
Neste
sentido, a luta por uma Reforma Tributária progressiva e mais justa integra o
combate maior contra a desigualdade social, a concentração de renda e da
riqueza.
A
mobilização social é o caminho para pressionar o governo e o parlamento, de
maioria reacionária, no sentido de exigir a criação de um imposto sobre o
lucros e dividendos financeiros dos capitalistas, taxar as grandes fortunas dos
ricaços e ampliar a progressividade dos impostos sobre heranças, rendas e das
grandes propriedades no campo e na cidade.
A
aposta no caminho do meio não pode significar parar no meio do caminho.
Fonte:
Fórum/Terra/Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário