sábado, 1 de julho de 2023

Provas e depoimentos que basearam a ação que tornou Jair Bolsonaro inelegível

Depoimentos e provas basearam o voto de cerca de 400 páginas do ministro Benedito Gonçalves que levou à condenação, por 5 votos a 2, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro também foi declarado nesta sexta-feira (30) inelegível por oitos anos, contados a partir da data das eleições de 2022.

Os documentos compõem os autos da ação apresentada, em 2022, pelo PDT, que questionou a legitimidade de uma reunião na qual Bolsonaro reuniu embaixadores estrangeiros para fazer ataques sem fundamento ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas.

O encontro, ocorrido em julho passado, foi transmitido pela TV Brasil e usou a estrutura pública do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.

Ao ler seu voto na última terça (27), Gonçalves defendeu a condenação do ex-presidente pela prática de abuso de poder político e de uso indevido de meios de comunicação nas eleições de 2022. Em consequência, votou para torná-lo inelegível por oito anos.

O voto foi seguido pelos ministros Floriano de Azevedo e Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (relembre no vídeo abaixo).

·         Confira, a seguir, o conteúdo que baseou o voto de Benedito Gonçalves:

<<<<<<< Provas

Transcrições e íntegras de lives de 2021 e 2022

A ação conta como provas as íntegras e as transcrições de lives promovidas, entre 2021 e 2022, pelo então presidente Jair Bolsonaro a respeito de supostas fraudes no sistema eleitoral brasileiro.

No ano de 2021, foram colhidos conteúdos de lives de julho de agosto:

  • julho: transmissão na qual Bolsonaro afirmou que apresentaria provas de fraudes nas urnas eletrônicas ao lado de um suposto especialista em segurança digital. Na ocasião, porém, o então presidente disse não ter provas para afirmar que houve fraude ou que havia risco de fraude. O então ministro da Justiça, Anderson Torres, apresentou um relatório da Polícia Federal a respeito das eleições de 2016 que, na avaliação dele, indicariam sugestões para aprimorar a segurança das urnas.
  • agosto: transmissões antes e depois da derrota da proposta de emenda à Constituição (PEC) que implantava o voto impresso. Em uma das transmissões, Jair Bolsonaro e o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) divulgam inquérito da PF a respeito de um ataque hacker ao TSE nas eleições de 2018. Na ocasião, os dois afirmaram que o documento apresentava indícios de que votos poderiam ser fraudados.

Estão presentes também conteúdos relacionados à reunião de Bolsonaro com embaixadores, no Palácio da Alvorada, em julho de 2022. O encontro é o objeto central da ação.

Segundo o relator, ministro Benedito Gonçalves, as lives protagonizadas por Jair Bolsonaro em 2021 demonstram uma repetição e escalada do discurso contra o sistema eleitoral até 2022.

Transcrições dos depoimentos

Constam nos autos as transcrições de depoimentos tomados na ação entre 2022 e 2023. Estão na lista:

  • Carlos França, ex-ministro das Relações Exteriores;
  • Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Flávio Augusto Viana Rocha, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência;
  • Ivo de Carvalho Peixinho e Mateus de Castro Polastro, servidores da Polícia Federal;
  • Filipe Barros (PL-PR), deputado federal;
  • Vitor Hugo, ex-deputado federal;
  • e Augusto Nunes, apresentador.

Inquéritos

Os autos da ação que condenou Jair Bolsonaro à inelegibilidade contam com inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), no TSE e na Justiça Federal de São Paulo.

Em relação ao STF, estão juntadas apurações conduzidas nos procedimentos que apuram a existência milícia digital contra a democracia e os atos antidemocráticos. Os inquéritos são relatados na Corte pelo ministro Alexandre de Moraes, que preside o TSE.

Está presente também o inquérito aberto no STF para apurar o vazamento, pelo então presidente Jair Bolsonaro, de dados sigilosos relativos à apuração conduzida pela Polícia Federal a respeito de um ataque hacker ao TSE nas eleições de 2018. A apuração sobre o episódio conduzida pela Justiça Federal de São Paulo também foi adicionada à ação.

Benedito Gonçalves ainda juntou aos autos um inquérito administrativo do TSE que apura "fatos que possam configurar abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições de 2022".

Minuta do golpe

Em janeiro, o relator da ação adicionou aos autos, a pedido do PDT, a chamada minuta do golpe.

O documento foi obtido pela Polícia Federal em busca e apreensão na residência do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em Brasília.

A minuta tratava da decretação de Estado de Defesa na Corte Eleitoral para "apuração de suspeição, abuso de poder e medidas inconstitucionais e ilegais levadas a efeito pela Presidência e membros do Tribunal, verificados através de fatos ocorridos antes, durante e após o processo eleitoral presidencial de 2022".

Perícia realizada na minuta do golpe só identificou na minuta digitais do próprio Anderson Torres, de um delegado e de um advogado que acompanharam a operação de busca e apreensão, realizada alguns dias depois dos atos golpistas de 8 de janeiro.

A defesa de Bolsonaro questionou a inclusão do documento, aprovada pelo plenário do TSE em fevereiro deste ano. Os advogados argumentaram que a minuta é "apócrifa e não identifica efetiva intenção e realidade/materialidade de seu conteúdo”.

Em seu voto, na última terça (27), Benedito Gonçalves defendeu a manutenção do documento na ação. "A admissibilidade minuta do golpe não confronta, não revoga e não contraria a jurisprudência", disse.

Ele foi seguido pelos ministros Floriano de Azevedo e Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Nunes Marques e Raul Araújo votaram pela rejeição do documento.

<<<<<<< Depoimentos

Carlos França, ex-ministro das Relações Exteriores

O embaixador Carlos França, então ministro das Relações Exteriores, foi ouvido em 19 de dezembro de 2022, a pedido da defesa de Bolsonaro. Ele prestou informações a respeito da participação do Itamaraty na organização do encontro com representantes estrangeiros no Brasil.

No depoimento, segundo o relator, França afirmou “categoricamente” que a concepção do encontro com embaixadores partiu da Presidência da República.

O então ministro disse que o objetivo da reunião era permitir a Bolsonaro “apresentar seu ponto de vista sobre o sistema de votação”. Isso porque o então presidente é responsável pela condução da política externa.

“[Objetivo era] manifestar a posição do Executivo em relação à busca [...] desses critérios de transparência”, disse.

França deixou claro que a reunião era “uma ideia do presidente, de se dirigir aos chefes de missão”. Em seu voto, o ministro Benedito Gonçalves destacou ainda que o ex-ministro associou o encontro ao contexto pré-eleitoral.

O embaixador declarou que não sabe se as suas sugestões foram consideradas pela equipe do cerimonial da Presidência.

Segundo ele, o Itamaraty não participou da produção do conteúdo falso apresentado por Jair Bolsonaro. A pasta somente foi acionada para fornecer equipamento e tradutor para a tradução simultânea.

“Nós não tivemos acesso a esse material, e nós não fomos acionados para revisar esse material [...], não houve participação do Itamaraty na substância desse evento.”

Carlos França disse que, poucos minutos após o encerramento do encontro, não houve reuniões reservadas ou perguntas dos representantes estrangeiros. De acordo com ele, o Itamaraty não encaminhou material aos presentes e que não houve contato de qualquer embaixada sobre o assunto.

Na reunião, Jair Bolsonaro havia indicado que França seria responsável por enviar o material divulgado aos embaixadores.

O ex-ministro repetiu argumento da defesa do ex-presidente de que o encontro teria sido consequência de reunião ocorrida no TSE com embaixadores. “Julgou-se então que era papel da Presidência da República também se manifestar diretamente aos chefes de missão aqui acreditados”, declarou Carlos França.

O embaixador, no entanto, disse reconhecer que o sistema eleitoral brasileiro não tem qualquer relação com a política externa. De acordo com ele, nenhum embaixador estrangeiro em missão no Brasil chegou, em momento algum, a questionar o funcionamento das eleições brasileiras.

“Talvez não coubesse a uma embaixada nos inquirir [por ser tratar de um] assunto interno [...] Não é função do Itamaraty, nem mesmo constitucional, de que nós nos ocupemos de temas eleitorais.”

O relator destacou que Carlos França disse desconhecer qualquer evento semelhante em outros países.

“[Ele] informou que conversas sobre sistemas eleitorais dos países ocorrem ‘num nível hierárquico muito mais baixo’, nunca envolvendo ‘presidente, primeiro-ministro ou chanceler’”, escreveu Gonçalves.

“Ao descrever a participação da chancelaria na preparação do evento, Carlos França indicou que lhe coube sugerir o perfil do público-alvo presente, mas enfatizou que a decisão de fazer a reunião, em si, já estava tomada. Seu papel, conforme explicou, foi apenas recomendar critérios para elaborar a lista de representantes, com base em um ‘corte hierárquico’ compatível com a presença do Presidente da República”, acrescentou.

Benedito Gonçalves ainda apontou que, ao depor, o então ministro "ressaltou positivamente a interação" entre o TSE e o Itamaraty "para assegurar o exercício do voto no exterior e para fomentar as missões de observação internacional".

Ciro Nogueira, ex-ministro da Casa Civil

Já ex-ministro da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) foi ouvido como testemunha de Bolsonaro, no dia 8 de fevereiro deste ano. Ciro também deveria explicar a participação da pasta, à época comandada por ele, no desenvolvimento do encontro com embaixadores.

Na oitiva, Ciro Nogueira afirmou, de acordo com o relator da ação, que a Casa Civil não teve “envolvimento substancial” na preparação do encontro.

“Na verdade, o ex-ministro fez declarações que se distanciam da abordagem de Jair Messias Bolsonaro sobre o tema das urnas eletrônicas. De saída, expressou confiança no sistema eletrônico de votação e reconheceu a atuação da Justiça Eleitoral para seu contínuo aperfeiçoamento”, escreveu Gonçalves.

O senador disse não ter sido consultado a respeito de qualquer aspecto da reunião. Ele disse também que, por conta disso, não teve oportunidade de dizer a Bolsonaro que era contrário à ideia.

Ao ser perguntado sobre a sua avaliação do encontro, Ciro Nogueira disse somente que a reunião foi superdimensionada e evitável.

A defesa do ex-presidente ainda questionou o ex-ministro a respeito da decisão de transmitir o encontro na TV Brasil. Ciro somente concordou com a avaliação de que o evento era considerado um “ato oficial” e que isso justificaria a transmissão.

O parlamentar afirmou que não teve conhecimento prévio do conteúdo falso divulgado por Bolsonaro.

Ciro Nogueira disse que, poucos minutos após o encerramento do encontro, não houve reuniões reservadas ou perguntas dos representantes estrangeiros.

No depoimento, Ciro declarou que havia preocupação de representantes estrangeiros com uma possível instabilidade política no Brasil a partir de um movimento de rejeição ao resultado legítimo das urnas.

“Eles tinham preocupação sobre a situação dessas discussões políticas e conflitos, né? [...] Mas sobre a funcionalidade do sistema, não.”

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Anderson Torres, ex-ministro da Justiça

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres depôs em 16 de março de 2023. A decisão foi tomada pelo ministro Benedito Gonçalves. À época, Torres já estava preso por suposta omissão nos atos golpistas de 8 de janeiro.

Anderson Torres foi convocado a explicar sua participação três elementos investigados na ação:

  1. uma transmissão ao vivo de julho de 2021, na qual Bolsonaro convidou a imprensa apresentar provas que, segundo ele, comprovariam fraudes nas urnas eletrônicas. Na ocasião, porém, o então presidente disse não ter provas para afirmar que houve fraude ou que havia risco de fraude. Por sua vez, Torres apresentou um relatório da Polícia Federal a respeito das eleições de 2016 que, na avaliação dele, indicariam sugestões para aprimorar a segurança das urnas;
  2. reunião com embaixadores em julho de 2022;
  3. e a chamada minuta do golpe, encontrada na residência do ex-ministro, que sugeria um plano para decretar Estado de Defesa após a derrota de Bolsonaro em outubro.

No depoimento a respeito da transmissão em 2021, Anderson Torres declarou somente ter feito a leitura de trechos de documentos técnicos da Polícia Federal. O ex-ministro disse também não ter conhecimento sobre o que Jair Bolsonaro abordaria na live.

Ao ser questionado sobre declarações de Bolsonaro de que havia “indícios” de fraude em votos nos pleitos de 2014 e 2018, ele negou ter, na época, qualquer relatório da PF que comprovasse a afirmação.

Em seu voto para condenar Bolsonaro, o ministro Benedito Gonçalves indicou que as falas de Torres evidenciaram uma tentativa de se “desvincular das informações falsas passadas ao público”.

“Esse esforço, contudo, é inócuo diante da análise de seu discurso no contexto da live de 29/07/2021. [...] [Ele] não fez qualquer objeção ou contraponto aos tópicos tratados”, escreveu.

“Fez, na verdade, o inverso disso: em breves minutos, anunciou que dispunha de relatórios que corroboravam as colocações feitas, e declarou, sem meias palavras, que ‘exatamente tudo que foi falado, tudo que foi questionado, todas as dúvidas levantadas pelos eleitores, a Polícia Federal também analisou’”, acrescentou Gonçalves.

Torres reconheceu ter manuseado e lido parcialmente a minuta. De acordo com o depoimento, o ex-ministro afirmou que alguém teria feito a minuta chegar às suas mãos, furtivamente.

O ex-ministro indicou não ter tido curiosidade em descobrir o responsável pela produção do documento.

“Muitas vezes até deitado já, eu analisava ali o que era importante, o que não era importante [...] E foi dessa maneira [...] que isso chegou até mim. [...] Eu fui ver isso [...] à noite, ali na minha casa. Quando [...] tirei do envelope e [...] comecei a ler e que vi o absurdo, imediatamente voltei e já coloquei para descarte imediato uma coisa sem pé nem cabeça [...]”, afirmou.

Em depoimento, Anderson Torres classificou o documento como “folclórico”, “lixo” e “absurdo”. Ainda disse que “isso [o texto da minuta] andou aí pela Esplanada”.

“A testemunha explicou que não tomou nenhuma providência sobre a minuta de decreto de estado de defesa porque o tema não seria da alçada do Ministério da Justiça. Outro aspecto que causa perplexidade: o à época Ministro da Justiça igualou uma proposta golpista, que foi trazida por alguém com acesso a seu gabinete, a anotações inúteis a serem descartadas ao final do governo. Disse, nesse sentido: ‘eu realmente não joguei isso no lixo, no final do ano, como deveria’”, destacou o ministro Benedito Gonçalves.

Voltar ao início.

Flávio Augusto Viana Rocha, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência

Ex-auxiliar de Bolsonaro na Presidência, Flávio Augusto Viana Rocha foi ouvido como testemunha do ex-presidente. O depoimento ocorreu no dia 8 de fevereiro deste ano. Ele foi convocado para explicar o envolvimento na organização do encontro com embaixadores.

Segundo o voto do ministro Benedito Gonçalves, Rocha negou ter auxiliado Bolsonaro na preparação do material falso divulgado e ter participado da concepção do encontro.

Questionado sobre a transmissão na TV pública, o auxiliar do então presidente confirmou que tinha ciência de que seria transmitido e avaliou que isso se deu para assegurar transparência. Ele disse não saber, porém, que a reunião seria retransmitida nas redes pessoais de Jair Bolsonaro.

Ivo de Carvalho Peixinho e Mateus de Castro Polastro, servidores da Polícia Federal

Ivo de Carvalho Peixinho e Mateus de Castro Polastro foram convocados a depor por decisão do relator do caso. Servidores da Polícia Federal, eles foram ouvidos em 16 de março deste ano.

Peixinho e Polastro deveriam explicar sobre menções a eles durante a transmissão ao vivo de julho de 2021, na qual Jair Bolsonaro disse ter “indícios” de fraude no processo eleitoral e apresentou relatório técnico da PF a respeito das eleições de 2016.

Ivo de Carvalho Peixinho atuou em testes públicos de segurança, promovidos pelo TSE, em 2017, 2019 e 2021, liderando a equipe de peritos da Polícia Federal que examinou os códigos-fonte da urna eletrônica.

Ele afirmou que a equipe nunca identificou indícios de fraude ou possibilidade de manipulação de votos. Ao ser questionado sobre supostas “vulnerabilidades” nas urnas, Peixinho declarou que não houve achados.

O perito da PF afirmou que, em 2021, passou a ser abordado frequentemente por representantes do governo federal para discutir o assunto. A declaração foi corroborada por Mateus de Castro Polastro.

Uma semana antes da live de 2021, Ivo de Carvalho Peixinho relatou ter recebido ordem de sua chefia imediata para embarcar em avião da Força Aérea Brasileira para uma reunião em São Paulo sobre urnas. Pouco depois, recebeu a informação de que deveria se dirigir ao Planalto.

O servidor disse que não foi informado em momento algum a respeito dos participantes.

Peixinho afirmou ter recebido sugestão de um assessor do Ministério da Justiça para se reunir, antes do encontro no Planalto, com o então ministro Anderson Torres. Ele negou e disse que iria por conta própria. Polastro, porém, o acompanhou.

Os dois foram recebidos por Torres e depois encaminhados ao gabinete de Jair Bolsonaro. Lá, foram apresentados a Bolsonaro e a um suposto especialista em segurança das urnas. Durante o encontro, foram apresentados a uma tabela, contendo dados da votação de Dilma Rousseff e Aécio Neves, que supostamente poderia comprovar a ocorrência de fraude nas eleições 2014.

Polastro e Peixinho sugeriram aos participantes do encontro que o conteúdo fosse enviado à PF para análise. A sugestão não foi atendida.

“[Bolsonaro] falou que queria que a gente tivesse lá pra que garantíssemos a lisura no processo eleitoral de 2022”, afirmou Polastro.

Nos dias que se seguiram, eles foram assediados por integrantes do governo. Em 29 de julho de 2021, o documento foi exibido em live.

“A partir do momento em que os peritos não corroboraram o material, a decisão por simplesmente exibi-lo na live evidencia descompromisso com a verdade factual a respeito do sistema eletrônico de votação”, escreveu o ministro Benedito Gonçalves.

Filipe Barros (PL-PR), deputado federal

A pedido da defesa de Bolsonaro, o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) foi ouvido em março deste ano.

Barros foi convocado a depor para explicar sua participação em uma live de agosto de 2021 com Jair Bolsonaro. Na ocasião, em um programa da “Jovem Pan”, o deputado e o então presidente divulgaram inquérito da Polícia Federal a respeito de um ataque hacker ao TSE, em 2018.

Os dois afirmaram que o documento indica que a invasão teria “fazer qualquer coisa”, inclusive mudar votos em 2018. Também defenderam a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), relatada por Filipe Barros na Câmara, que estabelecia o voto impresso.

Em depoimento, o ex-ministro Anderson Torres afirmou ter sido procurado por Filipe Barros para tratar do inquérito. Barros também havia tentado abordar o perito Ivo de Carvalho Peixinho.

“Ele foi ao Ministério da Justiça e disse que tinha tido acesso a esse inquérito e, enfim, fez as considerações dele, a respeito do que ele achava...porque, na verdade, Excelência, [...] ele foi fazer uma crítica, com todo respeito, à condução do inquérito, às diligências adotadas ali no inquérito”, disse Torres.

Ao depor, o deputado federal negou a reunião com o ex-ministro e disse ter sido ele o primeiro a obter acesso ao inquérito da PF.

“O que fica nítido é que o deputado federal buscava obter documentos oficiais que permitissem levantar suspeitas sobre o sistema eletrônico de votação e, por essa via transversa, lograr apoio à proposta de aprovação do voto impresso”, avaliou Benedito Gonçalves.

"Ocorre que, mesmo sem obter do perito e ou extrair da documentação qualquer dado que fosse proveitoso ao seu objetivo político, o parlamentar e o primeiro investigado cerraram fileiras para disseminar, na live de 04/08/2021, em escala nacional, informações falsas a respeito de fraude nas urnas eletrônicas. Fizeram crer que havia indícios substanciais de uma grotesca adulteração de votos no pleito de 2018 e que o TSE vinha criando embaraços ao andamento da investigação pela Polícia Federal", acrescentou.

Vitor Hugo, ex-deputado federal

Ex-líder do governo Bolsonaro na Câmara, Major Vitor Hugo (PL-GO) depôs a pedido da defesa do ex-presidente. Ele deveria explicar a sua participação em lives de agosto de 2021.

Em depoimento, Vitor Hugo afirmou que, em uma das transmissões, Bolsonaro estava “tratando sobre segurança, transparência, processo eleitoral e sobre a vontade do campo da direita de instituir o voto impresso, nos termos da PEC que a gente tinha tentado aprovar, mas não tinha sido possível”.

“A PEC havia sido rejeitada, e, ainda assim, o à época presidente da República insistia que somente o comprovante impresso poderia prover a almejada segurança de que votos não poderiam ser desviados. E, mais, disse isso enquanto afirmava que haveria uma acordo com hackers, em 2018, para desviar 12 milhões de votos”, escreveu o relator da ação.

Benedito Gonçalves ainda avaliou que o depoimento do ex-deputado deixa “nítido” que Bolsonaro não queria discutir se a PEC era “exequível”.

Augusto Nunes, apresentador

Em março, o apresentador Augusto Nunes, da “Jovem Pan”, foi ouvido a pedido da defesa de Jair Bolsonaro. Nunes foi convocado a explicar a retransmissão, em programa comandado por ele, de live na qual Bolsonaro apresentou o inquérito da Polícia Federal a respeito de um ataque hacker ao TSE, em 2018.

Segundo o ministro Benedito Gonçalves, Augusto Nunes reconheceu, no depoimento, que perguntas foram feitas sem que a equipe do canal tivesse acessado os documentos. Ele afirmou ainda que não buscou, após a live, realizar qualquer tipo de checagem.

O relator da ação que condenou Bolsonaro avaliou que o programa conduzido por Nunes “mantém sua aparência jornalística, por meio da dinâmica de perguntas, respostas e comentários dos diversos participantes, sem que, a qualquer momento, seja sugerida a necessidade de alguma checagem dos fatos”.

“O depoimento denota [...] que o arranjo entre a Jovem Pan e a Presidência da República, pelo qual a emissora dava ampla difusão à live, em horário nobre, sem que os jornalistas pudessem formular questionamentos substanciais, não era percebido como um problema por Augusto Nunes, que considerou a fala do então presidente e de Filipe Barros fonte fidedigna o bastante para a cobertura do tema.”

 

Fonte: g1

 

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