Os maiores salários
mínimos da América Latina — e o que esse dinheiro compra
Os
países com maior salário mínimo mensal na América Latina são Costa Rica (US$
650, equivalente a R$ 3.107), Chile (US$ 550 ou R$ 2.629) e Uruguai (US$ 550 ou
R$ 2.629).
No
Brasil, o salário mínimo atual é de R$ 1.320.
Os
números, sem qualquer contexto, não refletem o valor real desse dinheiro em
cada país. Para isso, é preciso responder a uma pergunta básica: o que se pode
comprar com essa quantia.
Afinal
de contas, um salário é baixo ou alto em relação ao custo de vida.
Nos
três países há uma situação econômica melhor do que em muitas outras nações da
região.
No
entanto, na mesma medida em que os salários são mais altos, o custo de vida
também é maior.
E
o efeito que tem na qualidade de vida das pessoas muda muito dependendo das
circunstâncias de cada família.
Se
for um casal jovem e saudável com apenas um filho, ambos contribuindo com um
salário mínimo para a renda familiar, a situação é menos grave.
Mas
muitas vezes acontece que as pessoas que vivem com um salário mínimo fazem
parte de grupos familiares maiores, onde às vezes há idosos doentes ou crianças
pequenas para alimentar.
Com
as consequências econômicas deixadas pela pandemia e a onda de inflação que
assola o mundo, a região vive um momento difícil, marcado por altas taxas de
juros e baixo crescimento econômico.
Quase
a metade da população latino-americana trabalha na informalidade, ou seja, vive
com o que ganha por dia, não tem contrato de trabalho, não tem estabilidade,
não tem previdência social e não tem poupança para a velhice.
Embora
em 2023 as coisas tenham melhorado aos poucos, os bolsos da população mais
vulnerável continuam sofrendo, principalmente quando a maior parte de sua renda
vai para alimentação ou aluguel.
Aqui
contamos a história de três famílias, cada uma morando em um dos três países
com os maiores salários mínimos da América Latina.
·
Costa Rica: Ana Yancy Segura
Com
um salário mínimo de 352.165 colones (o equivalente atual a US$ 650 ou R$
3.107, o mais alto da América Latina), muitos podem pensar que viver na Costa
Rica é relativamente fácil.
Mas,
embora a família de Ana Yancy Segura receba um pouco mais do que isso graças
aos 200.000 colones (R$ 1.768) quinzenais que seu marido ganha
trabalhando como guarda, ela garante que "não é suficiente" para
cobrir suas necessidades básicas e as de seus três filhos pequenos de 18, 11 e
3 anos.
"Com
isso é impossível economizar. Se economizar 30 mil (R$ 262) já é muito, mas
para isso teria que deixar de pagar as despesas fixas do mês", diz a
mulher de 38 anos à BBC News Mundo, serviço da BBC em espanhol.
A
família mora no Alto de San Blas, um bairro humilde do município de Cartago, a
sudeste de San José, onde muitos vivem graças ao cultivo de batata ou cebola e,
no melhor dos casos, da construção civil. "Não é fácil procurar um emprego
melhor remunerado aqui", diz a mulher.
Ele
calcula que em eletricidade, água, cabo e internet gasta cerca de 70% de uma
das quinzenas. A outra é dedicada a pagar a passagem do filho para a escola, o
gasto semanal para compra de material, roupas essenciais e, principalmente,
alimentação.
Segura
acredita que é essa última despesa que ficou mais cara, mesmo ela não se
permitindo grandes luxos.
Ele
compra principalmente arroz, feijão, café, leite... "Se der, frango ou
carne. Ovos muito pouco, porque estão muito caros e passaram de 2.500 para
4.000 [R$ 22 para R$ 35] em três anos. Agora compro salsicha ou linguiça, que é
mais barato e dura uma semana", explica.
Segundo
o Instituto Nacional de Estatísticas do país, o custo médio mensal da cesta
básica em maio foi de 58.887 colones (R$ 521) per capita, 25% a mais do que há
três anos .
Assim,
embora a mulher tente ganhar um dinheiro extra cozinhando e vendendo
esporadicamente pamonhas ou arroz doce, ela diz que mal consegue lucrar diante
do custo dos ingredientes.
Seu
marido tem plano de saúde, mas como seus três filhos têm doenças crônicas, como
asma, há medicamentos e tratamentos que representam um gasto adicional.
"Agora
tenho que pagar um neurologista para meu filho, que custa 70 mil (R$ 620) por
consulta. Imagina se forem várias", diz.
Segura
diz que pediu às autoridades ajuda financeira e bolsas de estudos para seus
filhos, mas os pedidos foram negados porque dizem que seu salário é suficiente.
"E
isso não é verdade, porque os impostos são pesados. Esses salários não chegam
para uma família média ou pobre, nunca", afirma.
Ela
recebeu ajuda da ONG Techo para construir sua modesta casa na mesma propriedade
onde seus três filhos mais velhos moram em outra casa com suas famílias. Sente
falta de ter uma cama de verdade, pois agora dorme em um cama improvisada
"feita de dois colchões" com o marido e o bebê.
"Quando
cair algum dinheirinho, vamos comprar", anseia.
·
Chile: Rosario Roman
Aos
62 anos, Rosario Román é a provedora principal de uma família de oito pessoas
que vive em duas casas de materiais leves construídas em um terreno que anos
atrás foi ocupado por pessoas sem moradia no município de La Granja, em
Santiago, capital do Chile.
Como
auxiliar em uma cafeteria, ganha um salário mínimo de 440 mil pesos chilenos
por mês (equivalente a US$ 550 ou R$ 2.629).
Ela
também recebe uma aposentadoria de R$ 1.042 por mês que lhe permite
complementar sua renda.
Mora
com a irmã de 57 anos, desempregada e com múltiplos problemas de saúde, e
divide o terreno com o sobrinho, a esposa e quatro filhos.
O
sobrinho não tem salário fixo porque ganha por dia de trabalho (cerca de R$ 90)
limpando vidros de prédios altos. No inverno há menos trabalho por causa das
chuvas, mas no verão ele ganha o equivalente a cerca de R$ 1.816 por mês.
A
esposa, que se dedica aos afazeres domésticos (eles têm um bebê e três filhos
em idade escolar), às vezes vende cosméticos em uma feira livre e também
contribui para a subsistência da família.
Entre
todos, eles podem arrecadar cerca de R$ 5.736 — e 70% do orçamento vai para a
alimentação.
"Aqui
no Chile é muito caro comer", diz Román.
"Eu
gostaria que pudéssemos ter uma boa alimentação básica. Não aspiro a nenhum
luxo, mas quero viver com dignidade."
Com
os 30% restantes pagam luz, água, gás, transporte e produtos de limpeza. E no
inverno acrescentam o custo da parafina para aquecer a casa.
Não
gastam com educação ou saúde (exceto alguns remédios no comércio informal), nem
pagam aluguel.
Para
reduzir custos, Román se organizou com seus vizinhos para comprar alimentos em
mercados atacadistas, fizeram cozinhas coletivas e atividades para ajudar uns
aos outros por meio de uma organização chamada Fuerza Pobladora.
Seu
sonho é ter uma casa própria. “Pelo menos quero morrer na minha própria casa,
mesmo que seja pequena, mas que seja minha”, diz Román.
Como
essa família é muito grande, conversamos também na BBC Mundo com duas famílias
menores que vivem com um salário mínimo fora da capital.
Em
ambos os casos (uma mãe solteira com duas filhas em Quintero e um casal com uma
filha em Lota) a despesa maior é a alimentação e em segundo lugar o aluguel.
Com o que sobra, pagam contas básicas.
Mas
em Santiago, o aluguel de um imóvel em um bairro periférico pode custar mais de
60% ou 70% do salário mínimo. É por isso que os filhos adultos costumam ficar
com os pais e, se formarem sua própria família, constroem cômodos adicionais no
mesmo terreno.
No
Chile, a linha de pobreza por pessoa é de cerca de R$ 1.340 por mês, ou seja,
aproximadamente meio salário mínimo.
Para
as famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza, existem
benefícios sociais estatais, que são pagas em função do número de dependentes
(ou que não gerem rendimentos) no grupo familiar.
A
isto se somam subsídios para adultos com mais de 65 anos.
O
custo da cesta de bens e serviços com que se mede o Índice de Preços ao
Consumidor (IPC) é considerado informação confidencial, segundo o Instituto
Nacional de Estatística.
A
informação fornecida pelo governo é a variação dos preços da cesta, mas não o
valor dos produtos que a compõem. A inflação acumulada em 12 meses do país caiu
para 9%, após ter atingido 14% no ano passado.
·
Uruguai: Valéria Avondet
Valéria
Avondet enfrenta um difícil equilíbrio para viver com o equivalente a cerca de
R$ 2.629 que ganha por mês trabalhando como operadora de vendas em um call
center no Uruguai.
Este
valor é comparável ao salário mínimo de 21.107 pesos uruguaios fixado pelo
governo daquele país, que quando convertido em dólares é um dos maiores
salários mínimos da América Latina (US$ 550).
Mas
Avondet, de 24 anos, conhece bem seus limites estreitos.
"Metade
do meu salário vai para aluguel, impostos, e despesas com serviços", disse
ele à BBC Mundo. "Eu administro a outra metade."
Nessa
categoria de "outros" há espaço para despesas essenciais, como
alimentação, embora geralmente sejam atenuadas com um bônus de alimentação, que
ela ganha extra com as comissões de vendas.
Ela
divide o aluguel com mais duas pessoas: um colega de trabalho e um policial que
ganha melhor e é o fiador do pagamento mensal.
Avondet
costuma ir de ônibus para o trabalho em Montevidéu e voltar a pé, para
“baratear um pouco” o transporte.
Em
troca, viaja uma vez por mês para Paysandú, sua cidade natal, localizada a
cerca de 380 quilômetros a noroeste de Montevidéu.
Além
de ver a família por lá, costuma aproveitar para atravessar a ponte até a
cidade argentina vizinha de Colón, onde a alimentação sai mais barata para ela
devido à diferença de câmbio.
No
Uruguai, os preços ao consumidor sem aluguel são 94% mais altos do que na
Argentina, segundo o site especializado Numbeo, e uma cesta básica chegou a
18.759 pesos uruguaios per capita em dezembro (cerca de R$ 2.342 pelo câmbio
atual), segundo dados oficiais.
Avondet
explica que, para chegar ao fim do mês com o que ganha, ela gasta apenas o necessário
em roupas e sapatos em ofertas, não tem acesso a cartões de crédito e desistiu
de ir à academia que pagava.
"Também
é algo que eu gostaria, mas sei que, se pagar uma academia, tenho que
sacrificar outras coisas", argumenta.
"O
Uruguai é um país muito caro para se viver", destaca. “Tem certas coisas
boas, [como] a educação que é gratuita, entre aspas, e em outros países tem um
custo: quem não pode pagar, não tem acesso. Mas [o Uruguai] tem um custo de
vida que em outros países você pode não ter."
Fonte:
BBC News Mundo
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