Mauro Cid: 4
perguntas que CPI deve fazer a braço direito de Bolsonaro
O
tenente-coronel do Exército Mauro Cid deve prestar depoimento na terça-feira
(11/7) à Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI) sobre os ataques aos prédios dos Três Poderes em
Brasília em 8 de janeiro.
Ex-ajudante
de ordens de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência da República, Cid é uma das figuras mais aguardadas - e
potencialmente polarizadoras - na CPMI.
Ele
está preso desde 3 de maio, quando foi alvo da PF na Operação Venire, que investiga
a inserção de dados falsos de vacinação
contra a covid-19 no Ministério da Saúde para beneficiar Bolsonaro - ele nega
qualquer irregularidade.
Cid
também é alvo de um inquérito pela Polícia Federal (PF) por suspeita de
participação em uma suposta tentativa de golpe de Estado
após a derrota de Bolsonaro na eleição presidencial.
A
PF achou mensagens no celular de Cid que o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Alexandre de Moraes classificou
como "tratativas para a execução de um golpe de Estado" e um
documento com instruções para declaração de um estado de sítio para anular
a eleição de Lula.
A
defesa de Cid não respondeu às tentativas de contato da BBC News Brasil. A
defesa de Bolsonaro disse que não comentaria o assunto.
O
principal objetivo da CPMI, segundo governistas, é esclarecer a autoria
intelectual e financeira dos atos, tema
também de inquéritos da Polícia Federal, que segue investigando as
eventuais negligências, falhas, omissões, erros e crimes que permitiram as
invasões.
O
depoimento de Cid é fundamental para isso, dizem parlamentares aliados do
Planalto.
“Estaremos
na busca de informações que possam ajudar nas respostas dos dois pontos
centrais da CPMI: quem são os fiadores e os autores (dos atos de 8 de
janeiro)”, diz a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da comissão, à BBC
News Brasil.
“O
Cid é militar, e a presença de militares é uma realidade (no 8 de janeiro). A
tática usada para ter acesso à Praça dos Três Poderes foi militar. Avançaram em
grupo, usaram água dos hidrantes para dispersar os efeitos do gás lacrimogêneo
e usaram as grades de proteção como escada. Houve organização”, afirma Gama.
Já
a oposição defendeu a instauração da CPMI para apurar supostas omissões do
governo federal na segurança de Brasília. Esses parlamentares alegam que, neste
contexto, a convocação de Cid é desnecessária, apostando que seu depoimento em
nada deve acrescentar à investigação.
“O
depoimento do Cid é 'cortina de fumaça' para desviar a apuração da omissão do
governo que permitiu os lamentáveis eventos do 8 de janeiro, deixando de
cumprir suas funções constitucionais e legais de prover segurança, a despeito
das contundentes informações do sistema de inteligência”, afirma o senador
Eduardo Girão (Novo-CE).
“Portanto,
buscaremos elaborar perguntas que possam ajudar a esclarecer quem foram os
verdadeiros responsáveis por aqueles fatos. Tanto quem cometeu a ação violenta,
bem como quais autoridades foram omissas.”
Girão
argumenta que as convocações mais importantes da CPMI são para ouvir aliados de
Lula, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB):
“Precisamos saber onde estava a força de segurança convocada pelo Ministério da
Justiça”.
O
Ministério da Justiça afirmou à BBC News Brasil que a segurança da Praça dos
Três Poderes é, constitucionalmente, atribuição do governo do Distrito Federal
e que o plano de segurança alinhado com o Planalto não foi cumprido.
Mauro
Cid, porém, poderá ficar em silêncio, porque conseguiu no STF o direito de não
responder aos questionamentos que possam prejudicá-lo na Justiça.
Cid
recorreu ao Supremo para não ir à CPMI, alegando que foi convocado como
testemunha, mas também é investigado. A ministra Cármen Lúcia determinou que
ele compareça e permaneça em silêncio se quiser.
Se
a CPMI identificar algum crime por meio do depoimento de Cid, deve informar
isso às autoridades competentes para que elas as medidas necessárias, já que a
comissão pode investigar, mas não aplica punições.
“Ela
faz um relatório com o resumo do que aconteceu e encaminha para as autoridades,
como o Ministério Público, para as devidas providências”, explica o advogado
Marcelo Crespo, coordenador de Direito da Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM).
Um
dos pontos que os parlamentares devem abordar com Cid são justamente as
mensagens de suposto teor golpista em seu celular. Ele também deve ser
questionado sobre a minuta de um decreto de garantia de lei e ordem para intervir no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e reverter o resultado das eleições.
Porém,
uma das principais dúvidas em torno do depoimento de Cid diz respeito não a ele
exatamente, mas a seu ex-chefe direto: Jair Bolsonaro.
·
1. Bolsonaro sabia sobre os atos de 8 de janeiro?
Mauro
Cid é oficial do Exército com mais de 20 anos de carreira. Seu pai, o general
da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, foi colega de turma de Bolsonaro na Aman
(Academia Militar das Agulhas Negras) nos anos 1970.
Cid
se preparava para assumir um posto nos Estados Unidos quando foi nomeado para
ser ajudante de ordens de Bolsonaro, pouco antes da posse do ex-presidente.
Ele
era considerado o braço direito do então presidente e prestava assistência
direta a Bolsonaro, inclusive para assuntos pessoais.
Por
isso, certamente será questionado sobre se Bolsonaro sabia sobre a
organização dos atos de 8 de janeiro antes da sua concretização.
“O
Cid é militar e ouvia os reclames das pessoas que defendiam o golpe. Então
temos que entender que mediação ele fez e que tipo de informação levou ao
Bolsonaro", pontua a senadora Eliziane Gama.
O
depoimento de Cid poderia, neste contexto, ajudar a esclarecer pontos que Gama
considera importantes.
"Qual
o tipo de conversa que Bolsonaro teve com pessoas que estavam incentivando os
atos golpistas? E como se deram as reuniões entre eles no período mais central
disso, entre novembro e dezembro?", diz a senadora.
Gama
afirma esperar que o ex-ajudante de ordens se cale em partes de seu depoimento,
mas avalia que mesmo isso pode ser valioso para os objetivos da comissão.
“Há
informações que ele naturalmente não vai querer dar, mas vamos seguir",
afirma a relatora da comissão.
"O
depoente não tem direito ao silêncio irrestrito. Ele tem o direito de não se
autoincriminar, mas pode responder aquilo que não o incrimina. Então, se ele
não responder algo, já é um indicativo de que podemos nos aprofundar naquilo em
que ele silencia.”
·
2. O que Cid fez após receber as supostas mensagens
golpistas?
Segundo
a revista Veja, um relatório da PF arponta que Mauro Cid travou conversas com o
coronel Jean Lawand Junior, então gerente de ordens do Alto Comando do Exército
(ACE), com um suposto apelo de golpe de Estado ao então presidente Jair
Bolsonaro.
"Pelo
amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a
fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso.
O presidente vai ser preso. E, pior, na Papuda, cara", afirmou Lawand
Junior em um áudio a Cid, em 1º de dezembro de 2022.
Cid
respondeu: "Mas o PR [Presidente da República] não pode dar uma ordem...se
ele não confia no ACE".
Em
outra mensagem, em 10 de dezembro, Lawand Junior enviou outra mensagem:
"Cid pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem. Se a cúpula do EB
[Exército Brasileiro] não está com ele, de Divisão pra baixo está".
Cid
respondeu: "Muita coisa acontecendo...Passo a passo", e recebeu de
volta do coronel a resposta: "Excelente".
Na
última troca de mensagens entre eles, em 21 de dezembro, Lawand Junior
escreveu: "Soube agora que não vai sair nada. Decepção irmão. Entregamos o
país aos bandidos". Cid respondeu: "Infelizmente".
Em
depoimento à CPMI, no fim de junho, Lawand Junior negou que tenha incentivado
um golpe.
"Em
nenhum momento falei sobre golpe, atentei contra a democracia brasileira ou
quis quebrar, destituir, agredir qualquer uma das instituições. Fui infeliz.
Minha colocação foi muito infeliz, não tenho contato com ninguém do Alto
Comando. Não deveria tê-la feito", afirmou
O
cientista social Jonas Medeiros, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap), diz que um ponto que precisa ser esclarecido no
depoimento de Cid é quais medidas ele tomou após travar esses diálogos com o
coronel.
“Ele
tem sido econômico nas palavras e lacônico sobre o que foi tornado público até
o momento”, avalia Medeiros.
Para
Medeiros, Cid teria alguma responsabilidade por ter recebido propostas e
clamores de projetos supostamente golpistas, mas não deve ser responsabilizado
individualmente pelos atos.
“É
uma situação que precisa ser explicada, porque, para que as pessoas conseguissem
fazer o que fizeram, só pode ter ocorrido uma omissão das forças de segurança”,
diz Medeiros.
O
governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), chegou a ser afastado por
90 dias, durante as investigações sobre os atos golpistas, pelo ministro
Alexandre de Moraes, do STF.
O
governo federal também fez uma intervenção temporária da segurança da capital.
Após
Ibaneis retomar o cargo, ele afirmou que houve um "apagão geral" em 8
de janeiro que culminou nas invasões aos prédios.
"O
que aconteceu no dia 8 de janeiro foi imprevisível", justificou Ibaneis ao
retomar o governo do DF.
O
então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, chegou a ser
preso por uma suposta omissão na segurança no dia, o que ele nega.
A
decisão partiu de Alexandre de Moraes, que atendeu pedido da Advocacia-geral da
União. O ministro determinou sua liberação após quatro meses.
·
3. Cid compactuava com os supostos planos de golpe?
Um
outro questionamento considerado importante por especialistas é o que Cid tem a
dizer sobre as diversas conversas sobre os supostos planos de golpe de Estado e
se compactuava com essa ideia.
"Ele
está sendo assessorado por advogados com uma estratégia jurídica de que, se ele
tinha planos golpistas, é preciso entender que a maré mudou. Ou seja, a
banalização da defesa de um golpe contra a eleição não existe mais",
avalia Medeiros.
"Depois
do 8 de janeiro, passou a ser possível reprimir e não permitir legitimidade
pública disso que circulou.”
Para
que Cid não crie possíveis provas contra si, as perguntas sobre um eventual
apoio de Cid ao plano de golpe podem ficar sem respostas na CPMI, apontam
especialistas.
“Uma
pessoa que é ouvida como testemunha não pode calar a verdade, precisa dizer os
fatos. Uma testemunha não pode optar por não falar. Está previsto no Código de
Processo Penal que a testemunha é obrigada a dizer a verdade, inclusive se não
disser o que sabe pode responder por falso testemunho.", explica o
advogado Marcelo Crespo.
"Mas,
ao mesmo tempo, quem é investigado não é obrigado a produzir prova contra si.”
No
entanto, o mesmo direito ao silêncio foi concedido ao coronel Lawand Júnior.
Apesar
da permissão do STF para não responder perguntas que pudessem incriminá-lo,
Lawand afirmou na comissão que estava à disposição para responder aos
questionamentos dos parlamentares.
Ele
afirmou na ocasião que sua intenção na troca de mensagens com Cid, ao pedir uma
manifestação de Bolsonaro, seria "apaziguar o país" e evitar uma
"covulsão social".
"A
sociedade brasileira, dividida em opiniões, acerca de 'o que vai contecer?', 'o
que vai ser agora?', 'como foi o pleito?'. A gente vendo aquelas pessoas, a
insegurança trazida por aquilo, que podia levar a alguma convulsão social, a
alguma revolta, a um problema na segurança, foi o que eu falei", disse
Lawand Júnior.
·
4. Quem redigiu a minuta de golpe?
O
relatório da PF sobre o que foi encontrado no celular de Mauro Cid aponta que o
documento com instruções para um suposto golpe de Estado foi criado em 25 de
outubro de 2022.
O
documento, intitulado "Forças Armadas como poder moderador", lista
entre as ações a serem tomadas a declaração de um estado de sítio, a nomeação
de um interventor, o afastamento e abertura de inquéritos contra ministros do
TSE e outras autoridades e a fixação de um prazo para novas eleições.
O
documento aponta que as medidas poderiam ser tomadas após autorização do
presidente da República.
Não
há indícios, no entanto, de que o texto tenha sido encaminhado a Jair
Bolsonaro, nem de conversas com esse teor entre Cid e o ex-presidente.
Uma
outra minuta semelhante foi encontrada pela PF na casa do ex-ministro da
Anderson Torres, que decretava estado de defesa no Brasil, possibilitando a
revisão do resultado das eleições de 2022 após a vitória de Lula.
Torres
disse na época que o documento foi divulgado fora do contexto para
"alimentar narrativas falaciosas" contra ele. "Tenho minha
consciência tranquila quanto à minha atuação como ministro”, disse.
Valdemar
Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, chegou a afirmar que várias
minutas golpistas circulavam no entorno do ex-presidente.
“É
importante estabelecer quem redigiu os documentos que vieram a público, como a
minuta do golpe. Quem redigiu isso? A partir disso é possível entender melhor
como a proposta desse golpe era aventada”, afirma Medeiros.
O
advogado Marcelo Crespo pontua que esclarecer a autoria da minuta e o
envolvimento de Cid nisso pode ter implicações sérias para o ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro na apuração de uma suposta tentativa de golpe de Estado,
crime que pode ser punido com até 12 anos de prisão.
"Se
ele recebeu a minuta do golpe e estava articulando esse golpe, ele responde na
Justiça por tentativa de golpe contra o Estado democrático de direito. Tudo
depende do que ficar comprovado da conduta que ele praticou. Se ele recebeu a
minuta e de alguma forma estava articulando (um golpe), ele responde por
isso", explica Crespo.
Fonte:
BBC News Brasil
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