Estudo mostra
perfil de pacientes com enxaqueca e relação com outras doenças
Trabalho,
aluguel, boletos e preocupações da vida cotidiana podem ser responsáveis por
muitas dores de cabeça. Segundo a Sociedade Brasileira de Cefaleia, cerca de
140 milhões de pessoas no país sofrem desse mal. Há ainda quem seja atingido
pela enxaqueca, um tipo de cefaleia que está entre as complicações mais
incapacitantes do mundo, afetando cerca de 30 milhões de brasileiros, segundo a
OMS. Cientistas têm buscado aprofundar o entendimento sobre esses casos
crônicos na tentativa de melhorar as intervenções. Novos estudos trazem
detalhes sobre o perfil dos principais pacientes e relações com outros
problemas de saúde.
Uma
equipe liderada por Velina Tzankova, da Universidade de Toronto, no Canadá,
destrinchou como as mulheres são acometidas pela enxaqueca. O artigo, publicado
na revista Canadian Medical Association Journal, mostra que essa cefaleia é a
maior causa de incapacidade entre mulheres de 15 a 49 anos. A predominância
nesse público mostra ainda mais força durante o período menstrual, quando as
crises são mais frequentes e fortes. Segundo os autores, isso acontece porque
os níveis de CGRP, um neurotransmissor conhecido por desempenhar um papel de
gatilho da doença, aumenta nesse espaço de tempo.
Uma
pesquisa da Universidade Charitè de Berlim, na Alemanha, divulgada na revista
Neurology, mostra que a intensidade dos ataques aumenta no início da menopausa
e tende a diminuir com o passar do tempo. Os pesquisadores acreditam que isso
se dá por conta de uma ligação, ainda não muito clara, entre a patologia, os
hormônios e o CGRP.
Eles
analisaram 180 mulheres para determinar se a conexão entre os hormônios
femininos e a liberação de CGRP, observada em animais, também existia em
humanos. O grupo mediu os níveis do hormônio em pacientes com enxaqueca duas
vezes: uma durante a menstruação e a outra na ovulação. Os dados foram
comparados aos de mulheres sem a doença. Dessa forma, pôde-se identificar quais
pacientes tinham concentrações mais altas do neurotransmissor durante a
menstruação, as comparando a voluntárias saudáveis.
"Isso
significa que, quando os níveis de estrogênio caem imediatamente antes do
início do período menstrual, as mulheres que têm enxaqueca liberam mais
CGRP", explica, em nota, a líder do estudo, Bianca Raffaelli, do Departamento
de Neurologia da Universidade Charitè de Berlim. Ainda conforme a pesquisa,
quem usava métodos contraceptivos orais quase não apresentou variações nos
níveis de estrogênio, e a quantidade de CGRP se mostrou estável ao longo do
"ciclo artificial".
• Aura
Apesar
de ser mais presente em pacientes do sexo feminino, a enxaqueca também atinge
homens com a mesma gravidade. É o caso de Bruno Júnior Bisinoto, 51 anos, que
convive com a doença há três décadas. O procurador relata que passa meses sem
crises, mas quando os episódios chegam, duram alguns dias, é preciso utilizar
um medicamento, indicado pelo neurologista, para evitar o agravamento.
"Costuma surgir com uma aura, uma espécie de arco-íris que se forma no
campo de visão durando alguns minutos. É o primeiro sintoma, atrapalhando as
vistas. Caso eu não tome o remédio, é comum ter dores de cabeça, variando de
intensidade", relata.
Bisinoto
diz que os ataques o atrapalharam com o trabalho e outras atividades diárias.
"Pontualmente, pelo tempo de duração da aura e, eventualmente, em função
de dor de cabeça", diz. Ele narra ainda que alguns hábitos podem
desencadear novos episódios: "Já percebi que há alguns gatilhos que me
levam a ter os episódios, como falta de hidratação, muito estresse e o sono
irregular".
Segundo
a coordenadora de neurologia da Rede D'Or Brasília, Márcia Neiva, a enxaqueca
tem seis subdivisões — as mais utilizadas na hora de avaliar pacientes com ou
sem aura. "A aura é um sinal neurológico focal, mais comumente um sintoma
visual, como escotomas ou luzes que podem ser cintilantes ou escuras",
explica. "Há alterações de sensibilidade na fala e, mais raramente, perda
de força, que acontecem antes da crise de dor. Esses sintomas podem perdurar
até o fim do sintoma de dor." Quase 85% dos casos são sem aura, de acordo
com a especialista.
• Tratamento
Outra
constatação a que a equipe canadense chegou é de que os atendimentos prestados
nas unidades primárias de saúde desempenham um papel central no diagnóstico e
no tratamento da doença. "Recentemente, várias novas classes de
medicamentos específicos demonstraram ser eficazes, e as evidências da eficácia
de intervenções não farmacológicas estão crescendo", enfatizam, em nota,
os autores da Universidade de Toronto.
Segundo
eles, a finalidade na intervenção nas crises é proporcionar alívio rápido da
dor e de outros sintomas, restaurar a funcionalidade do paciente e diminuir a
quantidade de episódios. A neurologista Marta Rodrigues, do Hospital Anchieta,
elucida que o tratamento dos episódios agudos é feito com medicações
sintomáticas, fazendo o uso de anti-inflamatórios e outros fármacos. A escolha
deve ser feita de maneira personalizada, a partir das características e
histórico de cada paciente. "Em qualquer caso, é imprescindível que um
neurologista seja procurado para avaliar e indicar a melhor alternativa",
alerta.
Neiva
ratifica a importância de manter acompanhamento médico para definir a abordagem
mais indicada, e que os hábitos de vida desempenham papel-chave na hora de se
cuidar. "Cuidar adequadamente da ansiedade e depressão, do sono e fazer
atividade física, bem como hidratar-se e alimentar-se de forma saudável também
são grandes aliados no combate à enxaqueca", completa a médica.
Pessoas que sofrem com enxaqueca têm mais
risco de sofrer AVC e infarto
Homens
e mulheres que sofrem de enxaqueca apresentam um risco maior de sofrer um
acidente vascular cerebral isquêmico, aponta um estudo da Universidade de
Aarhus, na Dinamarca. A pesquisa, publicada na revista PLOS Medicine, também
mostra que mulheres podem ser mais vulneráveis a outras complicações, como um
ataque cardíaco.
A
equipe liderada pela cientista Cecília Hvitfeldt Fuglsang realizou um estudo
avaliando registros médicos de indivíduos de 18 a 60 anos feitos de 1996 a
2018. Eles identificaram aqueles que tinham enxaqueca com base em dados sobre
medicamentos prescritos e compararam o risco de ataque cardíaco e derrame
isquêmico e hemorrágico antes dos 60 anos, considerando os não acometidos por
esse tipo de cefaleia.
"A
enxaqueca foi associada a um risco aumentado de acidente vascular cerebral
isquêmico entre homens e mulheres jovens. No entanto, ela ainda pode estar
associada a um risco aumentado de infarto do miocárdio e acidente vascular
cerebral hemorrágico apenas entre as mulheres", detalha, em nota,
Fuglsang.
Os
autores ponderam que, uma vez que usaram registros de medicamentos prescritos
para identificar os pacientes, podem ter perdido informações de pessoas não
tratadas, o que pode ter resultado em uma subestimação da contribuição da
enxaqueca para esses problemas de saúde. Uma vez que ataques cardíacos e
derrames podem levar a incapacidades permanentes ou até mesmo à morte, eles
também enfatizam que "é essencial identificar pessoas com maior risco para
facilitar tratamentos preventivos".
Fonte:
Correio Braziliense
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