'Emendas PIX':
Especialistas alertam para falta de transparência no uso do dinheiro
Levantamento
aponta discrepância na divisão de recursos e aportes milionários para cidades
pequenas Alguns municípios têm previsão de receber menos de R$ 1 per capita.
Proporção passa de R$ 1 mil em outras cidades.
Um
levantamento ainda inédito do Transparência Brasil sobre a divisão das chamadas
“Emendas PIX” em 2023 aponta para uma discrepância na divisão de recursos entre
municípios e aportes milionários para cidades de até 10 mil habitantes.
Enquanto
há cidades que devem receber mais de R$ 4 mil per capita, outras devem ter
menos de R$ 1 por habitante.
Esse
tipo de emenda, criado em 2019, ficou conhecido pela dificuldade na
fiscalização dos recursos.
Os
valores são transferidos por parlamentares diretamente para estados ou
municípios sem a necessidade de apresentação de projeto, convênio ou
justificativa – por isso, não há como saber qual função o dinheiro terá na
ponta.
Por
causa da falta de um plano de aplicação dos recursos, essas emendas ganharam o
apelido de “Emendas PIX”. Oficialmente são chamadas de “transferência
especial”.
Na
última quarta-feira (5), véspera da votação da reforma tributária, o governo
empenhou R$ 5,25 bilhões em emendas nesta modalidade.
Os
dados do levantamento foram extraídos do Sistema Integrado de Planejamento e
Orçamento (Siop) no dia 5 de julho e consideram as minutas de empenho
publicadas pelo Executivo até o momento – uma fase prévia ao empenho, que é
efetivamente a reserva de recursos para o pagamento.
A
análise contemplou R$ 6,38 bilhões dos R$ 7 bilhões previstos para essas
emendas em 2023. Os demais valores ainda não tinham minuta de empenho
registrada.
Consideradas
apenas as 1.816 cidades com menos de 10 mil habitantes que receberão recursos,
as minutas de empenho indicam que seis municípios devem receber, cada um, mais
de R$ 10 milhões. Outros 123 tiveram indicações de R$ 100 mil ou menos.
O
levantamento aponta ainda que:
• 385 cidades receberão R$ 1 milhão ou
mais;
• 137 receberão R$ 2 milhões ou mais;
• 65 receberão R$ 3 milhões ou mais;
• 22 receberão R$ 5 milhões ou mais.
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Histórico das emendas
As
“Emendas PIX” foram criadas em 2019, por meio de uma proposta de Emenda à
Constituição (PEC) de autoria da deputada e presidente do Partido dos
Trabalhadores, Gleisi Hoffmann (PT-PR) e relatada pelo deputado Aécio Neves
(PSDB-MG).
Segundo
o texto, essas emendas de “transferência especial”:
• são repassadas diretamente ao município
ou estado beneficiado, independentemente de celebração de convênio ou de
instrumento congênere;
• pertencem ao estado ou município no ato
transferência; e
• são aplicadas em programações escolhidas
pelas prefeituras ou governos estaduais.
Na
ocasião, os parlamentares defenderam a medida como forma de desburocratizar o
uso das emendas parlamentares e dar maior agilidade à liberação das verbas.
Como
esses recursos são uma modalidade das emendas individuais, os autores da
indicação são conhecidos – ao contrário do orçamento secreto, declarado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado.
O
problema, na avaliação de especialistas, é que não há qualquer obrigação de
prestar contas sobre a finalidade desses recursos.
Em
março deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que a
fiscalização sobre a regularidade dessas despesas é de competência dos órgãos
locais, incluindo os tribunais de contas de cada região.
A
diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, alerta que, como
não há necessidade de apresentar um projeto ou plano para a aplicação desses
recursos, "na prática, o dinheiro pode ir para áreas que não são as
prioritárias para a população".
"Além
disso, a aplicação de um grande volume de recursos federais fica dispersa,
desconectada das estratégias da administração pública federal", afirma.
"A
prestação de contas do uso desse recurso fica espalhada nos portais de
transparência de cada estado e cidade. Isso torna impossível que alguém –
inclusive o próprio governo federal – verifique onde e em que cada um dos
centavos que saiu dos cofres federais por essa via foi aplicado."
• Distribuição per capita
A
distribuição per capita desses recursos chama atenção. A cidade campeã de
valores por habitante é São Luiz (RR), com população de 8.232 pessoas. O
município receberá, pelo menos, R$ 37,8 milhões em 2023 – o que dá cerca de R$
4,6 mil per capita.
A
proporção é muito diferente, por exemplo, do que receberá Teresina (PI). Para a
capital do Piauí, onde vivem 871.126 pessoas, foram liberados R$ 51.646. A
média per capita fica em R$ 0,06.
Segundo
as minutas de empenho já publicadas, 23 cidades têm a previsão de receber menos
de R$ 1 per capita, incluindo Teresina.
Em
contrapartida, 32 cidades – entre elas, São Luiz – devem receber mais de R$ 1
mil por habitante. A diferença mostra a discrepância na liberação das Emendas
PIX.
Marina
Atoji afirma que a discrepância na divisão per capita "indica como a
distribuição dos recursos federais via ‘Emendas PIX’ é desigual e não é baseada
no interesse público".
"A
diferença na distribuição per capita evidencia que as Emendas PIX destinam um
enorme volume de dinheiro a locais que não têm demanda suficiente para
justificar o recebimento desses montantes – às vezes, nem estrutura para gastar
esse recurso da melhor forma", afirma.
Segundo
ela, "às vezes, bilhões dos cofres públicos são, na prática,
desperdiçados".
“Na
melhor das hipóteses, vão para ações que não melhoram a vida da população. Na
pior, além de não melhorar a vida das pessoas, o recurso é desviado em compras
públicas fraudulentas.”
A
especialista lembra que “nos municípios de pequeno porte, os mecanismos de
controle são mais frágeis”.
“Há
pouca imprensa independente, os próprios Tribunais de Contas não têm recursos
suficientes para fiscalizar todos minuciosamente, e há escassas estruturas
dentro das administrações municipais para detectar desvios e irregularidades”,
diz.
Segundo
técnicos do Congresso, a diferença também pode ser explicada por dois fatores –
a quantidade de municípios de um estado e o número de parlamentares. Ou seja,
municípios de alguns estados vão ser beneficiados pela lógica da representação
política e da quantidade de cidades.
Um
exemplo é Roraima. O estado tem 15 municípios e é representado no Congresso por
oito deputados e três senadores. Isso permitiria uma destinação máxima de R$
216,5 milhões em “Emendas PIX” para o estado – ou cerca de R$ 14 milhões por
município.
• Metade das emendas individuais
Os
valores das emendas individuais foram "turbinados" em 2023 com o fim
do orçamento secreto. O montante reservado para a rubrica passou de R$ 10,9
bilhões, em 2022, para R$ 21,2 bilhões.
Para
este ano, cada senador tem direito a R$ 59 milhões em emendas individuais,
enquanto cada deputado pode indicar R$ 32,1 milhões.
Contudo,
como metade das emendas individuais obrigatoriamente deve ser destinada à
saúde, um parlamentar pode indicar, no máximo, 50% dos seus recursos na
modalidade “Emenda PIX”.
De
acordo com o levantamento da Transparência Brasil, os 55 parlamentares que mais
indicaram “Emendas PIX” para 2023 são senadores – sendo que sete deles já
optaram por encaminhar metade das suas emendas (R$ 29,5 bilhões) – ou seja, o
máximo do que poderiam nessa modalidade.
No
caso dos deputados, 151 dos 513 optaram por indicar metade das suas emendas
individuais (R$ 16,05 milhões) na modalidade “PIX”.
Fonte:
g1
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