Denise Assis: Antes
de girar a roleta de candidatos é preciso esmiuçar os malfeitos do inelegível
O
déspota está nu. Exibiu numa foto, sem camisa, (à moda de Barreto Pinto,
primeiro deputado federal cassado por ter sido fotografado de cueca em 1946)
publicada por seu ex-ministro da Secom, Fábio Wajgarten, toda a adiposidade do
seu mal.
A
figura asquerosa, manchada, flácida, esparramada em pose de Buda, traz tatuado
no abdome - pelas marcas de cirurgias feitas não se sabe quando -, um “L”
espelhado. Por ironia ou talvez para o seu desespero, a inicial do seu opositor
está gravada no seu corpo.
O
clic, de autoria do fotógrafo João Menna, captou toda a frieza do olhar vazio e
duro de alguém que não mira nada, a não ser o próprio futuro, envolto em
brumas. E por mais que a mídia tradicional corra para rechear esse momento com
algum “substituto” de ocasião, há um trabalho a ser feito.
Antes
de se lançar mão de uma peça de reposição, é preciso esmiuçar a pauta de
processos e malfeitos do ex-presidente, sob pena de corrermos o risco de
corroborarmos com a proposta de “anistia”, desenhada no horizonte. Para ele e
aqueles que o cercam e trabalharam contra a democracia, como tão bem
explicitaram os ministros Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes em seus
votos.
É
sabido que ao aliar as “Forças Armadas” às atitudes golpistas do agora
inelegível, o ministro relator Benedito Gonçalves desagradou os militares do
Alto Comando do Exército, levando o ministro da Defesa, José Múcio, a sair em
defesa da “Força”, em declaração na noite de quarta-feira (28/06) ao jornal O
Estado de São Paulo.
Porém,
esperneando ou não, até que expliquem a inação do Alto Comando diante dos
acampamentos instalados no entorno dos QGs, é lícito que fulgurem nos textos de
quantos se debruçarem sobre os atos golpistas, as suspeitas sobre a atuação das
FAs. Ainda que a declaração do ministro reflita a orientação do AC de
“descolar” os “oficiais” que gritaram nas redes, por golpe, dos 16 integrantes
da cúpula do Exército.
Um
exercício penoso, pois enquanto não se souber detalhadamente quais foram os
papéis desempenhados pelo então comandante geral do Exército, Marcos Gomes
Freire, do general Arruda – aquele, que apontou blindados para o interventor e
um contingente da PM –, e do general Dutra (ex-chefe do Comando Militar do
Planalto), no período que antecedeu o 8 de janeiro e na data fatal, não se pode
passar cheque em branco, como quer o ministro da Defesa. Ou se apura, ou ficará
na conta deles mais esta página obscura da história recente.
Durante
quatro anos, até tornar-se inelegível, Bolsonaro aspergiu sobre a população uma
nuvem de ódio, fake News e conceitos deformados sobre a vida em sociedade. Fez
do palácio o que chama ainda agora de “minha casa”, sem noção exata do seu
papel de ocupante da coisa pública, pela qual deveria zelar e não o fez.
Apropriou-se do Exército, que chamava de “meu”, como se fosse um Júlio Cesar,
prestes a atravessar o Rubicão.
Em
todas as suas falas quando estava a ponto de perder o direito de se apresentar
às urnas, na sexta-feira (30/06) ou imediatamente após, o maldito reativou
mentiras que tentou “colar” ao seu concorrente nas eleições de 2022, Luiz
Inácio Lula da Silva, tal como fez na campanha: que ele era “ligado ao PCC”,
que “recebeu recursos do narcotráfico”, que incorporava o “demônio”, e outras
sandices com efeito direto sobre o eleitorado desinformado, como mostrou o
jornal Folha de São Paulo, reproduzindo os depoimentos dos “inocentes úteis” que
subiram a rampa e depredaram prédios públicos, dados à Polícia Civil do DF.
A
massa de manobra “engoliu” todo o manancial de mentiras despejados nas redes
sociais pelo “inelegível” e seu exército de robôs. Derrotado, tenta se
vitimizar, exibindo os remendos feitos no próprio corpo e um processo
persecutório inexistente.
O
que existe de concreto são 700 mil mortos pranteados pelas famílias, a dor e os
sobressaltos tatuados em nossas almas por quatro anos – impossíveis de serem
fotografados, mas estão lá –, e a série de processos fartamente listados pelos
juristas e advogados de expressão, em lives e mais leves.
Restam
15 processos a serem julgados na alta corte eleitoral. Um deles, apontado como
um dos mais graves, o abuso do poder político e econômico na utilização de
programas sociais, como o Auxílio Brasil, o auxílio para caminhoneiros e
medidas da Caixa Econômica, expondo pessoas carentes a empréstimos consignados
lesivos, durante a campanha. O “pacote” segundo se divulga, beirou os 300
bilhões, vazando o teto e atingindo a estratosfera, em busca da “compra” da
vitória que não veio.
Há
a ação iniciada pelo PT, sobre um suposto “ecossistema de desinformação”
formado por dezenas de perfis bolsonaristas, baseada em mapeamento feito a
partir das interações com o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ),
responsável pela estratégia digital do ex-presidente. Também três ações que
apuram o uso indevido da residência oficial para lives e eventos durante a
campanha. E, não nos esqueçamos, a ação para averiguar as atividades da “Casa
da Pátria”, que apura a suposta rede de campanha paralela de Bolsonaro que
seria formada por empresários, pastores e entidades religiosas. E, ainda, três
ações que apuram o uso eleitoral do desfile do Bicentenário da Independência.
Isto, apenas no âmbito do TSE.
Há
muito mais a ser esmiuçado do que nomes que sirvam de tampão para o buraco
cavado pelo próprio Bolsonaro e coonestado pela ultradireita, ou se viabilizem
como a tão ansiada “terceira via”, que a mídia em ataque de ansiedade
explícita, tenta formatar.
Melhor
seria tomar um Diazepan e lançar-se ao trabalho de passar a limpo os fatos
transitórios do fim do governo do inelegível, para depois sair em busca desse
“personagem ideal”. A propósito, há um crime para se apurar em Paraisópolis,
durante a campanha para o governo de São Paulo. Sem colocar tudo isto para
quarar ao sol, fica difícil avançar na pauta política e rodar a roleta de
apostas de candidatos.
Jair não vai liderar coisa nenhuma. Por
Paulo Henrique Arantes
Analistas
projetam o futuro de Jair e do jairismo. O ex-presidente inelegível portaria ou
não o condão de moldar as performances da oposição em desconstrução ao governo
Lula? É claro que não, e as razões são óbvias.
Nunca,
em tempo algum, Jair demonstrou talento gregário. Como presidente, e antes como
deputado, foi um desagregador, afastando aliados dia sim, outro também, levando
correligionários a não apenas abandonar seu barco, mas a sair atirando contra
ele, por traidor. Só a caneta presidencial sustentou asseclas em torno de seus
delírios.
O
êxodo de jairistas começou com Gustavo Bebianno, passou pelo general Santos
Cruz, chegou a Alexandre Frota, alcançou Sérgio Moro e encontrou em Abraham
Weintraub o new desafeto mais boquirroto. Há muitos outros.
O
acidente histórico que alçou Jair ao Planalto não pode ser confundido com
traquejo político do dito cujo. O movimento jurídico e midiático de
criminalização da política, de duplo ápice – a prisão de Lula e o impeachment
de Dilma Rousseff –, não encontrou ninguém melhor que o capitão para lhe dar
seguimento. Daí a catástrofe e o arrependimento de alguns.
Liderar
blocos de oposição sem possuir mandato exige capacidade negociadora, requer
habilidade de negociação, diálogo e, mais que tudo, carisma. O suposto carisma
de Jair, mito para meia dúzia de idiotas, é às avessas: sua deficiência
cognitiva e sua precariedade comunicativa influenciam, na verdade, pouca gente
além dos espíritos milicianos. Em regra, afasta.
Os
partidos que se propõem a fazer oposição cerrada ao governo Lula preferirão um
candidato confiável, que não crie ele próprio problemas a cada vez que abrir a
boca. O “capital político” de Jair é balela. Enquanto seus quatro anos de promoção
de horror ainda estão quentes, é natural que sua figura mantenha certo peso,
mas é questão de tempo – não se pode esquecer de que os desfechos criminais
ainda estão por vir.
Os
58 milhões de votos que Jair obteve em 2022 são voláteis e circunstanciais –
qualquer nome anti-PT chegaria a essa marca num pleito “polarizado” (perdão).
Aconselhar
políticos não é hábito saudável a jornalistas, tampouco aconselhar-se com eles.
Porém, o momento revela-se irresistível: a direita brasileira tem uma
oportunidade imperdível de se afirmar civilizada, lançando candidatos do
espectro conservador mas que, nem por isso, sejam milicianos, negacionistas ou
golpistas.
E se Bolsonaro e os manezões não pegarem
cadeia? Por Moisés Mendes
Ainda
há 15 processos contra Bolsonaro na esfera eleitoral, mas ele já está condenado
como político e ficará inelegível até 2030. É muito e também parece pouco.
Falta
condená-lo como criminoso. O julgamento dos outros delitos eleitorais, também
graves, perde impacto. É amplificado a partir de agora o sentimento de que
ainda falta pegar o Bolsonaro envolvido em crimes.
Condená-lo
e prendê-lo. É agora que a democracia, e não só as esquerdas, começam a
experimentar uma sequência de dúvidas bem incômodas.
É
possível que Bolsonaro não seja preso, apesar das dúzias de crimes graves
cometidos antes e depois de chegar ao poder?
Antes
de ser condenado, é quase impossível que seja encarcerado. Depois de uma
condenação, pode ser improvável?
Mais
perguntas. É razoável que auxiliares estejam presos, por envolvimento com o
golpe, e que o chefe consiga escapar de uma prisão porque não deixou rastros
como Mauro Cid e Anderson Torres deixaram?
Um
alargamento dessa dúvida inclui outros personagens. Podemos começar a pensar
que a capacidade de contenção do sistema de Justiça talvez se esgote ainda esse
ano?
Que
MP e Judiciário não terão fôlego para enquadrar os idealizadores civis e
fardados, os executores ainda encobertos e os grandes financiadores da
tentativa de golpe?
A
prisão tem uma força simbólica para muito além da sensação de punição e de
reparação. Enxergar Bolsonaro na prisão não é uma aspiração desprezível.
Mas
se, além de não serem presos, ele os seus grandões não forem nem mesmo punidos?
E se os militares de alta patente escaparem?
E
os financiadores ricos? E os tios milionários que, depois da eleição, foram
fazer discursos em churrascarias de beira de estrada pregando o golpe?
Bolsonaro
tem um capital político com 58 milhões de votos e mesmo assim foi contido. O
sistema de Justiça vai conseguir conter os criminosos sem voto, mas com poder
militar?
E
os cúmplices de Bolsonaro com poderio econômico, que se protegem em argumentos
esdrúxulos já aceitos até pela Justiça?
É
o pretexto de que, se forem punidos por qualquer delito que os tire do jogo da
economia, mesmo que joguem sujo, toda uma cadeia produtiva de fornecedores e
similares poderá estar ameaçada.
Além
dos empregos perdidos, haveria danos à autoestima de cidades inteiras que
dependem de empresários manezões fascistas e golpistas.
É
o grande desafio pós-inelegibilidade. Condenações e reparações terão efeitos
parciais, no julgamento do conjunto do fascismo, e não só de Bolsonaro, se não
tiverem como complemento a força real, concreta e exemplar de uma prisão.
É
assim em qualquer área em que a Justiça seja convocada a intervir. Bolsonaro e
os golpistas que a ele se aliaram podem se livrar da tatuagem de presidiários,
se o esforço para pegá-los perder ímpeto a partir de agora?
A
condenação de Bolsonaro e de seus comparsas na área criminal, contando os roubos,
o vampirismo da vacina, a matança da pandemia, a dinheirama que financiou as
milícias digitais e mais os contrabandos de joias e o golpe, será pela metade
se não tiver cadeia. Mas não cadeia só por uma semana.
Fonte:
Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário