'Se você acha que
seu filho tem um problema, olhe para o seu relacionamento com ele. É lá que
você encontrará a resposta'
Em uma manhã quente
em São Paulo, a psicoterapeuta
britânica Philippa Perry sobe em um palco onde tem um divã amarelo,
levando consigo um pequeno caderno Moleskine.
As anotações a
ajudam "a lembrar" dos principais pontos que abordará nesta
apresentação feita no fim de novembro para uma plateia lotada de homens e
mulheres.
Eles pagaram até R$
440 para assistir a uma palestra de cerca de uma hora cujo nome é "a
palestra que você gostaria que seus pais tivessem assistido", uma espécie
de edição ao vivo da sua mais recente obra, O livro que você
gostaria que seus pais tivessem lido (Fontanar).
Enquanto simulava
estar empurrando uma criança em um balanço, Philippa dizia: "Seja honesto
com seus filhos. Se você está cansado e quer ir embora do parque depois de
muito balançar, não diga que precisam ir porque a criança tem que comer",
afirmou.
"Certamente, ele dirá que não está
com fome.
Diga que vão embora porque você está cansado."
Perry defende uma
relação com as crianças à mesma altura. Literalmente.
"Olhem para o
filho de vocês", disse ela, ajoelhada, fingindo manter a mesma altura de
uma criança.
"Você está com
raiva, não é? Eu entendo, pode ficar bravo", encena no palco.
"Deem nome
para o que eles estão sentindo", dizia, olhando para a plateia, enquanto
ainda estava de joelhos.
Para ela, os
limites devem ser impostos a partir dos pais e não o contrário.
"Se vocês
querem estar às nove da noite deitados no sofá tomando um vinho, coloquem seus
filhos para dormir às oito", afirmou.
"Se o seu
limite for às nove horas, não espere chegar nele. Mande as crianças para cama
antes disso."
As mais de duas
décadas de carreira e os livros que publicou fizeram de Perry uma espécie de
conselheira da vida moderna.
Hoje ela é
apresentadora, escritora e embaixadora da The School of Life, organização que
se dedica a desenvolver inteligência emocional, por onde ela publicou um de
seus livros — Como manter a mente sã (Objetiva).
Além disso, ela
mantém uma coluna no jornal The Guardian, em que se dedica a responder
sobre dúvidas existenciais.
·
As
mais frequentes?
"Eu estou
certo e eles estão errados", responde ela, com uma voz irritante.
"Como posso garantir que as outras pessoas saibam que estão erradas e
venham para o lado certo?", exemplificou genericamente sobre o que recebe
de perguntas.
"O que eu mais
vejo são questões relacionadas a ser rígido em seu ponto de vista e querer
mudar os outros sem pensar que, talvez, você precise mudar a si mesmo",
explica.
Questões amorosas
também aparecem muito, conta ela, em uma conversa com a BBC News Brasil após a
palestra.
Já sobre filhos,
ela conta que, muitas vezes, as questões revelam que não há nada de errado com
a criança.
"Se você acha
que seu filho tem um problema, olhe para o seu relacionamento com ele. É lá que
você encontrará a resposta", diz.
"Talvez seja
um pai que não está se adaptando a uma criança que é super sensível",
afirma.
"Acho que os
pais precisam estar cientes de que crianças diferentes têm sensibilidades
diferentes. Por isso, o que funcionou para o filho número um, pode não servir
para o filho número dois. Você tem que se adaptar a cada criança."
·
'Vocês
estão destruindo o planeta'
Perry conta que, de
maneira geral, recebe cartas "desesperadamente tristes", de famílias
que se desestruturaram, crianças afastadas, brigas e uma "sensação de
solidão desesperadora".
"Mas, no
último domingo, recebi uma muito boa. Era de uma mulher em desespero devido às
mudanças climáticas."
Os conselhos, neste
caso, são práticos. E a psicoterapeuta lista muitos.
"Talvez
devêssemos desligar o ar-condicionado. Seria um bom começo", diz Perry.
"Não adianta
ter medo das mudanças climáticas se você não desliga o ar-condicionado. Na
Inglaterra, não temos ar-condicionado, e o verão está ficando bastante
quente", prossegue.
"Sabe o que
fazemos? Abrimos uma janela aqui e outra lá", diz, apontado para lados
opostos da sala. "Aqui [no Brasil], você precisa usar um cardigã, porque
faz frio."
Perry conversou com
a BBC News Brasil em uma sala dentro de um shopping, onde ocorreu a palestra.
Era uma sala sem
janelas, com luzes acesas e o ar-condicionado em temperatura baixa o suficiente
para que ela, de fato, usasse um cardigã enquanto lá fora os termômetros
ultrapassavam os 30 graus.
"No hotel onde
estou, eu desligo o ar-condicionado ao sair, e, quando volto, a camareira o
ligou de novo e ajustou para 17 graus. E eu penso: 'Vocês estão destruindo o
planeta!'"
Seu incômodo com a
cultura brasileira do ar-condicionado ficou evidente, porque ela seguiu
falando: "Na Grã-Bretanha, parece que somos um pouco mais conscientes em relação
ao uso de energia. Aqui, é como se...".
"Talvez vocês
pensem: 'Temos a floresta tropical, o resto do mundo que se dane.' Mas, por
favor, aumentem a temperatura do ar-condicionado. Abram as janelas, parem de
fechar tudo com essas cortinas que bloqueiam a luz do dia", afirma.
"E, meu Deus,
que cultura dos carros. Não vi uma bicicleta desde que cheguei aqui. Desculpe,
mas não vi nenhuma bicicleta."
·
'Um
bom assunto tabu'
Mas, além da
ecoansiedade, a ansiedade com o fim do ano e as festas e encontros de família
também afligem nessa época.
A "síndrome do
fim do ano", ou "dezembrite", são conceitos que não existem na
psicologia, mas, na prática, afetam muita gente.
Para tentar
amenizar, Perry dá apenas um único conselho: "Por favor, não fale com seus
pais sobre política no Natal."
"Você não vai
mudar a opinião de ninguém. Porque essas são decisões emocionais", diz.
"E muitas
vezes votamos diferente dos nossos pais porque queremos nos diferenciar deles,
nos separar deles. Então, isso também é uma razão emocional, mesmo que possamos
justificá-la com fatos."
Para ela,
"basta tratar isso como um bom assunto tabu, sobre o qual vocês nem mesmo
concordam em discordar".
"Brigue com os
políticos, não com os seus pais. Torne-se um político. Defenda o que você
acredita, faça campanha pelo que você acredita. Apenas deixe seus pais fora
disso."
A psicoterapeuta
aposta na maturidade para que as relações entre pais e filhos — especialmente
em tempos de polarização — sejam mais amigáveis. E explica que isso tem
fundamento na ciência.
"Quando somos
adolescentes, somos muito apaixonados, o cérebro está funcionando com muita
intensidade. Mas, à medida que você envelhece, vai ficando mais razoável",
diz.
"Com 25 anos
seu cérebro já não é a mesma explosão, por isso você é muito mais razoável e
menos propenso a explodir. Isso é um fator quando se trata dessas conversas.
Então, cresça e não ache que todo mundo precisa pensar como você."
Fonte: BBC News
Brasil
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