Ladislau Dowbor: A atualidade radical da
Renda Básica
O ponto de partida óbvio é que o que produzimos no
mundo, o chamado PIB global, é suficiente para garantir uma vida digna e
próspera para todos. Também podemos usar a Renda Nacional Líquida ou acrescentar
a infraestrutura já construída – casas, estradas, eletricidade, sistemas de
água, ruas e tantas outras melhorias herdadas -, mas o fato básico é que o que
temos e produzimos é suficiente. Para se ter uma referência, o PIB mundial, de
110 trilhões de dólares, para uma população de 8 bilhões, equivale a 4.600
dólares por mês para uma família de quatro membros. Mesmo no Brasil, com um
PIB per capita de 10 mil dólares por ano, o que produzimos
equivale a 3,3 mil dólares por mês por família de quatro membros. Podemos
brincar com os números, mas o fato básico é que nosso problema não é econômico,
mas de organização social e política.
É claro que teríamos de ajustar o que produzimos.
Os EUA gastaram 2,3 trilhões em 20 anos na guerra do Afeganistão. Isso equivale
a 315 milhões por dia, uma quantia que nos permitiria construir 8 mil casas por
dia, escolas, casas, sistemas de esgoto, o que for. Teria sido mais popular.
Você poderia ter feito isso no Paquistão, para criar integração política.
Certamente teria sido mais inteligente do que bombardear, se considerarmos os
resultados. E construir escolas, tirar as pessoas da pobreza e gerar empregos é
politicamente mais poderoso do que gerenciar centenas de bases militares em
todo o mundo.
Esse é apenas um exemplo, mas há muitos absurdos.
Produzimos alimentos suficientes para todos, mas perdemos 30% deles por má
administração. Certamente, os lucros financeiros e o setor militar aumentam o
PIB, mesmo que sejam custos líquidos para a sociedade, mas será que o objetivo
é esse “crescimento”? A questão não é o crescimento, mas o ajuste do que
fazemos às necessidades sociais e aos desafios ambientais. Temos os recursos,
as tecnologias e sabemos onde estão os dramas.
Um segundo ponto é que uma renda básica é
extremamente necessária. Temos 750 milhões de pessoas passando fome e mais de 2
bilhões em situação de insegurança alimentar. Será que eles merecem? Será que
cerca de 180 milhões de crianças que passam fome merecem isso? Na verdade, nem
os pobres merecem sua pobreza, nem os bilionários das empresas financeiras
merecem suas riquezas. Não estamos discutindo mérito aqui, mas humanidade
básica. Desde quando a economia pode ser isenta de uma abordagem ética? Estamos
falando de uma grande parte da humanidade em situações desesperadoras, quando a
solução da questão das necessidades básicas custa uma ninharia.
Veja um número simples: dados do Crédit Suisse/UBS
mostram que a riqueza do 1% dos adultos mais ricos do mundo chega a
aproximadamente 250 trilhões de dólares. A metade inferior tem 5 trilhões. Isso
significa simplesmente que uma transferência de 2% do 1% mais rico dobraria a
riqueza da metade inferior. Em termos sociais, um dólar na base da sociedade é
radicalmente mais produtivo do que no topo. A utilidade marginal do dinheiro é
maximizada quando você o distribui. Coloco isso nesses termos porque soa muito
científico, para os economistas. Mas é uma questão de bom senso e de respeito à
dignidade humana.
E, por favor, não me venha com a conversa fiada de
que se você der dinheiro aos pobres eles vão parar de trabalhar. No Brasil, o
programa Bolsa Família do governo Lula, iniciado em 2003, alcançou mais de 50
milhões de pessoas e aumentou radicalmente o emprego. Não é um maná que cai do
céu, é um piso sobre o qual os pobres podem se apoiar para construir suas
vidas. Sim, a renda básica como um piso. O Banco Mundial fez amplos estudos
sobre a armadilha da pobreza e, atualmente, temos muitos detalhes sobre isso no
World Inequality Database (WID), nas publicações da Oxfam, nos estudos da equipe
de Thomas Piketty e em muitos outros. As luzes estão acesas, depois de tanta
Economia de Lixo [Junk Economics], como Michael Hudson a chama.
O que vimos no Brasil é que o dinheiro na base
estimula a demanda – ele não se transfere para paraísos fiscais nem alimenta a
dívida pública – o que, por sua vez, estimula a produção e a criação de
empregos. E estamos falando de empregos úteis, como a construção de casas, a
compra de móveis ou de alimentos melhores e coisas do gênero. E não gera
inflação, pois esses são produtos cuja oferta pode se expandir rapidamente,
garantindo o equilíbrio entre oferta e demanda. À medida que a economia se
expande, mais dinheiro é arrecadado em impostos, equilibrando o orçamento. Não
há mistério aqui. Durante a década de 2003-2013, tivemos uma redução drástica
da pobreza e do desemprego, bem como um forte investimento e um crescimento do
PIB de 3,8%. Mas o mundo financeiro odiou: era a prosperidade baseada na
produção, não na extração financeira.
O que temos até agora com relação à questão da
renda básica? Temos o dinheiro, podemos torná-lo útil (não na guerra contra o
Afeganistão ou nas finanças). Ela é extremamente necessária, é útil tanto em
termos de crescimento econômico quanto em termos éticos, e temos toda a
economia necessária, uma vez que deixamos de lado a economia de baixo nível. E
temos uma implementação em larga escala ao longo de muitos anos que mostra que
funciona. E os custos? No Brasil, ajudar todas essas pessoas custou entre 0,5%
e 1,5% do PIB, de acordo com os períodos. Na verdade, esses custos foram
supercompensados: o estudo do IPEA mostrou que cada 1 real investido no Bolsa
Família aumentou o PIB em 1,78 real.
É simplesmente o efeito multiplicador: o dinheiro
na base gera consumo, demanda, empregos e impostos. O dinheiro no topo gera
poder político e a devastação social e ambiental que estamos enfrentando – e o
discurso de fachada de que eles são executivos responsáveis e preocupados com a
austeridade. Sua austeridade é comovente, já que seu salário médio é, nos EUA,
350 vezes maior do que o salário médio de um funcionário. A quem estamos
enganando?
Mas o que contraria muitas pessoas é o fato de que,
enquanto elas trabalham para ganhar cada centavo, esse dinheiro chegaria a
todos “de graça”. Uma primeira questão sobre esse argumento é que todos nós
recebemos muitas coisas de graça. A terra, a água, as praias, a natureza, os
chamados bens comuns. Elinor Ostrom recebeu o prêmio Nobel de Economia do Banco
da Suécia por seu estudo sobre Governing the Commons [Governando
os bens comuns, em tradução livre]. No Brasil, este ano, a privatização do
acesso às praias está sendo discutida no Congresso Nacional. A privatização da
água está crescendo em muitas regiões. O livre acesso aos bens comuns provou
sua utilidade. Mas há muito mais. Na maioria dos países europeus, assim como no
Canadá ou na China, o acesso aos serviços de saúde é gratuito e universal. Em
muitos países, a educação também é gratuita, assim como o acesso a parques em
uma cidade ou o uso de ruas, calçadas e estradas. E isso funciona. Nos Estados
Unidos, assim como no Brasil, grandes grupos financeiros assumiram o controle
da educação e da saúde. É um desastre.
Os serviços básicos universais representam custos,
mas nós os temos “de graça”, o que significa que os custos foram cobertos pelos
impostos que pagamos. Nenhum argumento moral é levantado aqui: os sistemas
públicos de acesso universal gratuito são simples e radicalmente mais
eficientes em várias áreas. Compare os custos dos serviços de saúde nos EUA: 11
mil dólares por pessoa por ano, com os custos de 5 mil dólares no Canadá, sendo
que o Canadá está muito à frente dos EUA em termos de longevidade e saúde geral
da população. O mesmo vale para a educação: com acesso universal público, ou
pelo menos unidades sem fins lucrativos, o sistema é mais eficiente, enquanto a
privatização leva a uma espécie de indústria ineficiente de diplomas.
De acordo com o relatório Schutter da ONU, os
serviços básicos universais funcionam melhor quando são gratuitos. “Quanto mais
as necessidades básicas forem atendidas pelos serviços básicos universais,
menos as diferenças de renda serão importantes e menos as famílias de baixa
renda serão penalizadas. A deliberação democrática deve assegurar que os
recursos disponíveis sejam dedicados principalmente a garantir níveis adequados
de prestação de serviços públicos (em áreas como saúde, educação, transporte
público, fornecimento de energia e moradia) e proteção social, em vez de
atender à demanda expressa pelos grupos com maior poder aquisitivo.” (págs. 9 e
15)
Portanto, de fato, muitos bens e serviços básicos
são gratuitos para o uso de todos, mesmo que tenham custos. Como ordem de
grandeza, podemos considerar que dois terços do bem-estar econômico das
famílias resultam de ter dinheiro no bolso, para usar em lojas ou para pagar o
aluguel, enquanto um terço resulta do acesso ao que chamamos de bens de consumo
coletivo, ou um salário não direto, já que é pago pela administração pública,
mas certamente representa uma parte do nosso conforto material. Viver em uma
rua pavimentada certamente faz parte do nosso conforto. Os bens comuns, os
serviços públicos e a infraestrutura são gratuitos, independentemente de se e
quanto você paga de impostos. Será que não podemos considerar que alguma renda poderia
ser adicionada a isso? Certamente não é uma questão moral, considere-a parte
das necessidades básicas. E, como visto, certamente é produtivo para a
economia. A ganância é estúpida. Um pouco de dinheiro sem custos não é muito
diferente de outras formas de acesso à riqueza social.
Portanto, algumas coisas certamente precisam ser
consertadas. Garantir uma renda básica é certamente a maneira mais eficaz e
barata de reduzir o sofrimento e estimular a economia. Tom Malleson apresenta
um argumento básico: Assim como é absurdo uma criança passar fome ou ficar
doente e não ser atendida, porque seus pais não têm dinheiro, o apoio básico
para uma vida próspera deve ser fornecido a todos, simplesmente porque são
seres humanos: “Todos os seres humanos têm o mesmo valor moral. A razão final,
e talvez a mais forte, para ser um igualitário é a razão prática: uma sociedade
com mais igualdade seria, considerando todas as coisas, um lugar imensamente
melhor para se viver.” (253)
Uma questão importante é que fornecer uma renda
básica é tecnicamente muito mais fácil com o dinheiro virtual moderno e a
conectividade global. Nossa experiência no Brasil mostra que isso pode
funcionar se você fizer a lição de casa: um registro básico – ao construí-lo,
descobrimos que muitas pessoas simplesmente não existiam formalmente, por não
terem uma certidão de nascimento ou qualquer documento de identidade – e
definir os valores e as condições. Ao fornecer um cartão de crédito específico
para cada família, de preferência para as mães, o dinheiro transferido chega às
famílias imediatamente – basta pressionar “Enter” no banco gestor. Baixo custo
e sem intermediários.
O gerenciamento de rede do sistema é simples. Você
pode começar com valores baixos, para que os ricos não fiquem muito desesperados
com o fato de outras pessoas receberem dinheiro de graça em vez de eles mesmos,
e aumentar e ajustar esses valores progressivamente. Em escala mundial, o
imposto de 2% sobre os bilionários certamente ajudará. A renda básica não
apenas aumentará a Felicidade Interna Bruta e estimulará a economia, mas também
nos colocará em um caminho moral correto. Nossa atual prosperidade global é uma
construção social, e a sociedade deve se beneficiar.
¨ Paulo
Nogueira: "O quadro econômico se complicou e pode trazer dificuldades para
o governo Lula"
O cenário
econômico brasileiro enfrenta uma nova fase de instabilidade, marcada pela
deterioração da confiança dos mercados e pela pressão crescente sobre a
política fiscal e monetária. Conforme analisado pelo economista Paulo Nogueira
Batista Junior, na TV 247, os desafios econômicos enfrentados pelo governo de
Luiz Inácio Lula da Silva se intensificaram nos últimos meses, mesmo diante de
avanços em indicadores sociais.
Nogueira destacou que, embora o
desemprego tenha caído e o Produto Interno Bruto (PIB) esteja em contínua
revisão para cima — com previsões de crescimento que podem atingir 3,5% em 2024
—, os mercados financeiros mantêm uma postura pessimista. "O quadro
macroeconômico brasileiro se complicou de maneira bastante clara nos últimos
tempos", pontuou.
<><> Entraves Fiscais e
Reação do Banco Central
Um dos principais motivos para o
nervosismo é a recepção negativa ao pacote fiscal apresentado pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad. O projeto encontrou resistência tanto no Congresso
quanto no mercado financeiro, alimentando dúvidas sobre a solidez das contas
públicas. A reação veio rapidamente: o Banco Central elevou a taxa básica de
juros em 1 ponto percentual e anunciou mais dois aumentos na mesma magnitude
nas reuniões seguintes, acumulando um aumento total de 3 pontos percentuais.
Essa decisão sinaliza um compromisso
rigoroso com o controle inflacionário, mas também agrava o custo da dívida
pública. "A taxa de juro que já vinha muito alta se tornou ainda mais
onerosa para o país", alertou Nogueira. O impacto nas contas públicas
ameaça comprometer o equilíbrio fiscal que o governo busca construir.
<><> Metas Ambiciosas e Ajustes Necessários
O Banco Central justificou sua
postura mais agressiva pela percepção de que a economia teria se aquecido além
do esperado, colocando em risco a meta de inflação. Contudo, essa política
monetária contrasta com os esforços do governo para estimular o crescimento
econômico e reduzir a pobreza.
"Melhorou a economia, temos que
segurar o crescimento para evitar o descontrole da inflação", analisou o
economista, destacando o dilema enfrentado pelas autoridades econômicas. O
governo, por sua vez, está pressionado a ajustar sua política fiscal de maneira
convincente e flexível para evitar que o Banco Central seja levado a
interromper a recuperação econômica.
<><> Cenário de
Incertezas
Com uma meta fiscal ambiciosa e uma
inflação que ainda preocupa, o governo Lula enfrenta um teste crucial. Manter a
credibilidade junto aos mercados, sem comprometer o crescimento econômico e os
ganhos sociais obtidos até agora, é o maior desafio desta gestão. As próximas
decisões serão determinantes para definir se a recuperação econômica será
mantida ou comprometida por uma política de juros mais restritiva e um ambiente
fiscal cada vez mais complexo.
Fonte: Outras
Palavras
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